Norte da Ucrânia, finais de Abril, 1986. Populações em fuga, obrigadas a abandonar as suas casas, malas na mão e o desespero no rosto. A nuvem nuclear avança incontrolável, impetuosa, a espalhar o horror pelo leste da Europa. Chernobyl é uma arma acidental do deletério soviético.

Na vilazinha de Dvirkivschyna, 100kms a este da Zona de Exclusão, o pequeno Andriy Shevchenko acompanha os pais para bem longe. Tem nove anos e o pânico atormenta-o até hoje. «Deixou-me transtornado. A mim, à minha família, a todos os meus amigos», conta o actual ponta-de-lança do Dínamo Kiev, antigo jogador do AC Milan e do Chelsea.

Shevchenko é, talvez, o exemplo mais famoso de um refugiado da catástrofe nuclear. No país há muitos mais a sofrer em silêncio num profundo anonimato. «A radioactividade foi 400 vezes superior à da bomba atómica em Hiroshima», sublinha Inna Vasilkova ao Maisfutebol.

Assistente num hospital em Ivankiv, a jovem ucraniana habitou-se a lidar com a deformidade. Tudo por obra e graça do diabólico cesium-131 [substância radioactiva solta pela central nuclear]. «As pessoas não imaginam o que ainda se passa. Há muitos jovens que nasceram já depois da catástrofe e têm tumores cerebrais, graves problemas de estômago, a dentição destruída. Foi há 25 anos, mas aqui é impossível não pensar nisso todos os dias.»

Desna Chernigov e FC Chernobyl: dois clubes especiais

Durante vários dias fizemos telefonemas para instituições ucranianas. Chocámos sempre na barreira linguística. A língua inglesa é falada por uma imensa minoria no país. Inna é uma excepção. No final do ano de 2010 acompanhou uma reportagem da TVI a Chernobyl e fez de tradutora, por exemplo.

É ela que nos fala um pouco sobre o Desna Chernigov. O clube de futebol profissional mais próximo da região afectada pela epidemia nuclear. «Esse clube fica numa cidade do norte da Ucrânia também. Chegou a estar na primeira divisão.» O Desna, de facto, já conheceu melhores dias. Agora milita no terceiro escalão e segue no quinto posto.

A localidade de Chernigov fica a 68 quilómetros de Pripyat. Os ventos arrastaram a radiação para outras paragens e permitiram-lhe sobreviver sem danos significativos. Numa zona massacrada ao longo de 25 anos, o Desna é uma honrosa excepção no mundo do desporto.

Numa rápida pesquisa na internet, é também possível encontrar outro clube ligado à tragédia. Chama-se FC Chernobyl e milita num campeonato amador da Escócia. É formado, essencialmente, por alunos espanhóis, que encontraram esta forma de homenagear as milhares de vítimas.