O cenário pós-apocalíptico não permite esquecer. Os livros continuam abertos na mesma página, os relógios paralisados no segundo eterno, o silêncio a ecoar com brado pelos quatro cantos do mundo. A cor virou preto e branco, a vida minguou até desaparecer, edifícios e ruas entregues a uma memória pejada de destruição e lágrimas.

Chernobyl, 25 anos depois.

A maior tragédia nuclear de sempre, uma das mais devastadoras catástrofes da humanidade. Pripyat, Narodichi e Ivankiv, cidades-mártires fantasmagóricas. Urbes outrora idealizadas pela foice e martelo da ditadura soviética. Em poucos minutos, tudo acabou. O futebol também.

Nesta reportagem, o Maisfutebol revolve o passado, disseca esta página da história e fala-lhe sobre a relação entre Chernobyl e o desporto-rei. Como era tudo antes daquele 26 de Abril de 1986? O estádio imaculado que não chegou a ser inaugurado, as peripécias do último dia de uma equipa de futebol, as marcas de uma bola teimosamente impressas numa parede. Até hoje.

O jornalista John Turnbull e o realizador Nicky Larkin, autores de algumas das peças mais explícitas e completas sobre a calamidade, guiaram-nos pela mão. Inna Vasilkova, assistente num hospital de vítimas de Chernobyl, fez-nos o relato de proximidade à Zona de Exclusão (raio de 30 quilómetros em redor do reactor quatro da central nuclear).

«A morte chegou com pressa e levou tudo»

«A cidade de Prypiat tinha dois estádios. O mais antigo era quase todo feito em madeira. Havia uma pista de atletismo, muito frequentada pelas escolas, e um óptimo relvado. O mais novo nunca o chegou a ser. A inauguração estava marcada para 1 de Maio de 86, poucos dias depois do desastre. Hoje essa área é conhecida por Floresta do futebol

Uma bola e (muita) vodka para fintar a radiação

O transtorno do pequeno Shevchenko

As palavras são de Inna Vasilkova. Saem num castelhano surpreendentemente fluente. Desse projecto de estádio sobram muros descascados em tristeza, degraus vetustos e corrompidos pela humidade, ervas que se alimentam da pedra. Um sarcófago enferrujado, a metáfora perfeita. O futebol em Chernobyl - e nas cidades limítrofes - sucumbiu ao horror.

«A morte chegou com pressa e levou tudo o que podia. Não foi possível alguém voltar a jogar futebol ou a fazer desporto na região. Provavelmente nunca mais será.»

Depois de Chernobyl: Auschwitz, Hiroshima, Haiti

«Há uma atracção mórbida, quase voyeurista, pelo que aconteceu. Vêm muitos turistas visitar a zona, como se estivessem a visitar as ruínas de uma cidade da Antiguidade.»

Talvez tenha sido essa tal atracção a levar-nos ainda mais longe. Tudo em busca de mais narrações sobre o futebol dentro de um contexto de catástrofe (natural ou humana). A efeméride que assinala um quarto de século sobre Chernobyl transportou-nos a Auschwitz, Hiroshima/Nagasaki e Haiti.

Ao longo de toda a semana, o Maisfutebol irá publicar uma reportagem sobre cada um destes fenómenos de morte, de dor, de capitulação do Homem. Sempre com o futebol como porta de acesso principal.

Imagens de Chernobyl (1986):