«E ele, maluco como é, andou às voltas à procura de sítio para nos continuar a orientar. Viu uma árvore atrás de uma grade e começou a trepar sem parar. Viu o jogo de lá de cima e continuou a dar instruções».

As palavras de Sergio Abdala a um jornal chileno há cinco anos mantêm-se válidas para descrever a saudável obsessão de Jorge Sampaoli com o desporto-rei. Estávamos em 1996 e o atual selecionador chileno orientava o modesto Alumni de Casilda, um dos clubes da pequena localidade que o vira nascer 36 anos antes.

Abdala recordava então o dia no qual Sampaoli, expulso do banco durante um jogo, depois de ter feito a cabeça em água ao árbitro da partida, decidiu subir a uma árvore para continuar a ver o jogo e a dar indicações aos seus pupilos. Mal ele sabia que esse impulso apaixonado e uma foto que alguém lhe decidiu tirar, iriam transformar completamente a sua vida...

O regresso ao Newell´s, a admiração por Bielsa e o começo no futebol profissional

Jorge Sampaoli tentou, como boa parte dos jovens argentinos da sua idade, uma incursão pelo mundo do futebol. Aos 17 anos, já era um dos jogadores-referência das camadas jovens do Newell´s Old Boys, clube da cidade maior da região de Santa Fe, Rosario. Lateral-esquerdo aguerrido, veloz e de técnica interessante, era conhecido como «El Zurdo».

No entanto, a vida decidiu pregar uma partida ao jovem Zurdo e aos 19 anos teve de abandonar o sonho do futebol profissional, à conta de uma fratura exposta da tíbia e fíbula. Ainda tentou esboçar um regresso, jogando durante alguns anos na Liga da sua terra, Casilda, mas acabou por perseguir o maior sonho que tinha: ser treinador de futebol.

Ora e é aí que voltamos ao episódio inicial: calhou que no dia em que ele decidiu subir a uma árvore depois de ser expulso, estava por perto um diretor do Newell´s Old Boys que, pasmado com a paixão de Sampaoli pelo jogo, decidiu recrutá-lo para o Argentino, um clube filial do gigante de Rosario.

Tendo regressado à esfera do Newell´s, Sampaoli teve a oportunidade de aprender com o seu mestre: Marcelo Bielsa. El Loco era à época o treinador da equipa principal e as suas palestras eram autênticas lições de vida para o aprendiz. A dedicação ao método Bielsa era tanta que Sampaoli já confessou que muitas vezes ia correr ao som das palavras do experiente treinador argentino...

Aos 40 anos, Sampaoli teve a sua primeira experiência num clube mais a sério (Salaíto, da Primeira B Metropolitana), até que em 2002 foi convidado para orientar o Juan Aurich, um histórico do principal campeonato de futebol do Peru. Daí para a frente, Sampaoli foi ganhando um lugar na História do desporto-rei a pulso...



A fenomenal La U e o êxito no Chile pós-Bielsa

Jorge Sampaoli ficou no Peru durante seis anos. Além do Juan Aurich, treinou ainda o Sport Boys, o Coronel Bolognesi e o Sporting Cristal. Entretanto, no final de 2007, e depois de já ter deixado marca em terras peruanas, foi convidado para orientar o O´Higgins, um dos principais emblemas da liga chilena. Aceitou o convite com entusiasmo e fez as malas.

Foram dois anos de altos e baixos, sendo que a entrada foi de leão e a saída de sendeiro. Acabou despedido por causa dos maus resultados, no verão de 2009, assinando pelos equatorianos do Emelec, meio ano depois. Num dos históricos do futebol sul-americano, somou resultados e elogios, sendo que aquela equipa rubricou uma Copa Libertadores interessante. Aliás, em junho desse ano, o Emelec foi considerado pela IFFHS a melhor equipa do mundo nesse mês.

No final desse ano, porém, deu-se a primeira de duas grandes mudanças da vida de Sampaoli, ao assinar pela Universidad de Chile, La U, como é carinhosamente conhecida. Em dois anos, o técnico rosarino encantou o mundo do futebol, sagrando-se tricampeão chileno, ganhando a Copa Sudamericana e tendo chegado às meias-finais da Libertadores em 2012, apenas perdendo para o histórico Boca Juniors.

O estilo de jogo arrojado, assente numa pressão sufocante, no adiantamento das linhas e em saídas coordenadas e rápidas para o ataque tornaram a Universidad do Chile numa das equipas mais apreciadas pelos «experts» de futebol sul-americano.

Na segunda metade de 2012, Sampaoli trabalhava com afinco no planeamento de mais um torneio Clausura, quando surgiu um convite irrecusável: a federação chilena pretendia que ele substituísse Claudio Borghi, o treinador que havia sido recrutado para o lugar do seu mentor, Marcelo Bielsa, após o Mundial 2010.

O resto da história é conhecido por toda a gente: comprometeu-se a levar o Chile ao Mundial do Brasil e conseguiu, seguindo as bases implementadas por Bielsa e dando-lhe um cunho pessoal. No Brasil, num arrojado 3-4-3, que tanto se podia transformar em 5-3-2 como 4-3-3, a equipa de Sampaoli fez maravilhas, tendo batido de forma impressionante a campeã mundial Espanha e perdendo apenas nas grandes penalidades perante a seleção anfitriã.

Mas o maior desafio ainda estava para chegar. 2015 era o ano. O Chile organizava a Copa América, em busca da primeira vitória na prova. Com uma seleção muito bem coordenada em termos táticos e com jogadores de puro desequilíbrio como Alexis, Vidal, Vargas ou Valdívia, os chilenos levaram a qualidade do futebol aos píncaros e consagraram-se como justos vencedores da «sua» Copa América.

Os louros de Sampaoli e a admiração por Guardiola

Obviamente que depois da conquista do verão passado, Jorge Sampaoli passou a ser considerado um herói nacional em solo chileno.

«Vivemos numa sociedade demasiado individualista e eu prefiro realçar a importância do coletivo. O futebol tem-se transformado cada vez mais num negócio e aquilo que eu procuro é que os jogadores se sintam de volta à sua essência quando jogam pela seleção», referiu numa entrevista recente.

Sampaoli é um admirador reconhecido dos êxitos recentes do Barcelona e em particular de Pep Guardiola, um dos seus adversários na corrida à Bola de Ouro para melhor treinador do ano, juntamente com outro técnico da escola catalã, Luis Enrique.

«Atualmente, a única equipa que gosto de ver é o Bayern. No resto das equipas, posso destacar jogadores individualmente, mas enquanto equipa, há uma diferença enorme entre o Bayern e as restantes. O Bayern passa a bola para jogar, enquanto que os outros jogam para passar a bola. As modificações de Pep, tendo em conta o contexto e o sucesso obtido, ainda são mais valorizáveis»
, afirmou no passado mês de outubro, à DirecTv Sports.

A cerimónia de 11 de janeiro será portanto um interessante encontro de três treinadores com filosofias semelhantes, embora cada qual com a devida adaptação aos mais diferentes contextos. Sampaoli não será o único debutante (Luis Enrique também se irá estrear e até pode ser considerado o favorito a arrebatar o prémio) mas por ser o único candidato fora da esfera europeia é claramente visto como a grande novidade da lista.

Um homem simples, modesto, obcecado, dedicado ao máximo e comprometido a uma ideia. Porque, como diz também: « Os sistemas podem-se discutir, podem ser modificados, mas a ideia é que nunca pode mudar...».