Na época em que Rui Vitória começou a carreira de treinador – 2002/03 no Vilafranquense –, Nuno Espírito Santo, ainda a meio da sua carreira de futebolista, chegava como reforço ao FC Porto de José Mourinho.

Como jogador, o guarda-redes suplente dos dragões conquistou o que havia para conquistar em Portugal, na Europa e até no mundo, ao contrário de Rui Vitória, médio que nos anos 90 militou nos escalões inferiores do futebol nacional.

Como técnicos, o cenário é bem distinto: Vitória já conquistou os quatro principais troféus nacionais (Liga, Taça da Liga e Supertaça pelo Benfica e Taça de Portugal pelo V. Guimarães), enquanto Nuno procura o primeiro.

Benfica e FC Porto têm técnicos com histórias bem diferentes. No entanto, quando este sábado ambos se defrontarem no Estádio da Luz (20h30), no Clássico que pode ajudar a definir as contas do título, um traço comum estará patente nos bancos dos dois candidatos: NES e Vitória são perfecionistas e isso vai notar-se num jogo que pode ser decidido nos detalhes.

Vitória e Nuno no banco…

Esta é a ideia de quem foi orientado por cada um dos treinadores.

Braga, jogador do Desp. Chaves, que foi orientado por Nuno entre 2012 e 2014, nas duas épocas em que ele treinou o Rio Ave, que coincidiram com o início da sua carreira como técnico principal, salienta isso mesmo.

Nuno Espírito Santo no Rio Ave, primeiro clube como técnico principal

«O Nuno é um treinador com um método de trabalho muito rigoroso. Tenho a certeza de que esta semana os jogadores do FC Porto ficaram a saber tudo o que ainda não sabiam sobre o Benfica, porque a equipa técnica não facilita em nenhum aspeto. Ele avalia o adversário ao pormenor, antecipa os movimentos e cada cenário previsível no jogo, passa muitos vídeos, mostrando os pontos fortes e as debilidades para tentar explorar», explica ao Maisfutebol o médio da equipa transmontana, acrescentando que o seu treinador em Vila do Conde «não era muito dado a brincadeiras, mas sim a muito trabalho»: «Ele parece calmo nas conferências de imprensa, mas é um líder: é exigente com os jogadores, mas também defende o grupo até à morte.»

Ideia não muito diferente é revelada por Tiago Targino, extremo bejense que em 2011/12 trabalhou meia época com Rui Vitória em Guimarães, antes de sair para o V. Setúbal.

Rui Vitória no Vitória de Guimarães, clube que orientou entre 2011 e 2015

«Não é só o Rui Vitória, toda a equipa técnica é superorganizada. No caso do Clássico, eles certamente estão a estudar cada detalhe do FC Porto desde o início da semana: como defendem, como atacam…», explica Targino, hoje no Sampredense, dos distritais de Viseu, que destaca o seu caso particular para elogiar o agora treinador do Benfica: «Ele dava muita moral aos jogadores que jogavam menos. Não os deixava à parte, como acontece com outros treinadores. Isso fomenta o espírito de grupo. Além disso, sabe ouvir, é muito direto na mensagem que passa e está sempre disposto a ajudar.»

…Nuno e Vitória no relvado

No banco, como no relvado. Se quem foi treinado por Nuno Espírito Santo e Rui Vitória os elogia, quem com eles jogou não fica atrás nos louvores. Estava-se mesmo a ver que ambos podiam vir a ser treinadores, dizem.

Geminal Cardoso foi na década de 90 colega de equipa de Rui Vitória no Vilafranquense e recorda como ele fazia a diferença em campo e até fora dele, quando «como capitão fazia a ponte entre os colegas de equipa e a direção sempre que havia algum pagamento em atraso, por exemplo»: «Tinha um discurso calmo e ponderado e era um excelente organizador de jogo; tinha um pé direito brutal, batia muito bem livres… Acho que ele podia ter jogado num nível mais elevado, mas ele já acumulava a carreira de futebolista com a de professor de educação física e em determinada altura começou a treinar os infantis do Benfica. Já se percebia que ele ia ser treinador, não esperávamos é que ele chegasse aos seniores do Benfica», recorda o ex-colega de equipa, que no dia em que Rui Vitória foi eleito por Luís Filipe Vieira para suceder a Jorge Jesus convenceu os colegas de trabalho que aquela havia sido a escolha certa.

Rui Vitória (segundo a contar da esquerda, em baixo) ao serviço do Vilafranquense

«Eles, benfiquistas ferrenhos, diziam-me: “Vem agora este rapazola, sem experiência nenhuma, treinar o Benfica.” E eu respondia: “É um homem com ‘H’ grande. E nunca foi despedido onde treinou”. No final da época, eles vieram dar-me razão.»

Quem se cruzou com NES como colega de balneário não tem um discurso muito diferente. «Notava-se no perfil do Nuno que ele já tinha uma relação muito boa com os jovens que chegavam da equipa B. Apesar de nessa altura estar ainda nos primeiros anos no FC Porto, ele já era um dos mais empenhados em transmitir a mística do clube e também em colocar os miúdos à vontade», recorda Hugo Luz (hoje nos algarvios do Armacenenses), que fez parte do plantel do FC Porto em 2002/03, salientando as características pelas quais o agora técnico dos azuis e brancos já se destacava: «Ele tinha acabado de chegar e era suplente do Vítor Baía, mas quando falava era um dos jogadores mais respeitados do plantel. Falava de uma forma ponderada e firme, como um líder. Todos gostávamos de ouvir o que ele tinha para dizer.»

Nuno a celebrar a conquista da Taça pelo FC Porto

Quando “Feijão” marcou a Vitória e NES o abraçou-o

A corroborar as palavras de Hugo Luz, Carlos Alberto, uma das estrelas portistas na conquista da Liga dos Campeões de 2003/04, que em recente entrevista ao Maisfutebol lembra o papel de Nuno no balneário de José Mourinho: «O Nuno ajudou-me muito. Nos momentos em que eu andava perdido, ele abraçava-me e dizia “Feijão, calma Feijão” (...) Ele já era muito observador, tinha sempre uma leitura interessante do jogo. Como não jogava muitas vezes, acho que aproveitou para aprimorar essa área de análise.»

Nesses tempos de que fala Carlos Alberto, Nuno e Vitória cruzaram-se: um como guarda-redes do FC Porto, outro como treinador do Vilafranquense, que em janeiro de 2004 foi goleado nas Antas por 4-0 nos oitavos-de-final da Taça de Portugal.

Carlos, o “Feijão”, lembra-se bem desse jogo, em que acabado de chegar do Brasil se estreou a marcar pelos dragões, e logo com um bis: «Quando fiz o meu primeiro golo pelo FC Porto, na Taça, ao Vilafranquense, o Nuno estava na baliza e foi dos primeiros a abraçar-me (…) Fico muito feliz ao ver que ele hoje é um bom treinador e que está à frente do projeto do FC Porto. Um abraço para ele, é um tipo sensacional.»