É preciso recuar 49 anos, oito meses e onze dias para se encontrar um leão tão desafogado em casa portista como o que venceu o clássico de sábado, no Dragão. A 7 de fevereiro de 1965, no estádio das Antas, em jogo da 16ª jornada do campeonato, os leões impuseram-se por 3-1 – com um golo de Osvaldo Silva e bis de Lourenço - estando a ganhar por três até bem perto do fim. Daí para cá, tinha havido apenas mais sete vitórias leoninas, nas 60 visitas que se seguiram. Todas pela margem mínima e nunca - como desta vez - com minutos finais tranquilos, a gerir a vantagem de dois golos, com posse de bola e até alguns «olés» das bancadas.

Para a esmagadora maioria dos adeptos das duas equipas, não havia memória de uma coisa assim. Em parceria com o Centro de Estudos de Futebol da Universidade Lusófona, que recolheu os dados estatísticos da partida, o Maisfutebol deixa-lhe aqui algumas pistas para perceber o que aconteceu assim de tão diferente.

1- Perdas de bola
Uma das chaves da partida, como se pode ver nas imagens 2, 3 e 4. Na primeira parte, o FC Porto teve uma percentagem muito elevada (18%) de bolas perdidas na sua primeira fase de construção – isto é, mais perto da sua área, logo, com mais potencial de perigo. O segundo golo do Sporting, de Nani, após um erro de Casemiro, é o exemplo mais flagrante dessa situação, mas esteve longe de ser o único. Esse foi um dos grandes fatores de intranquilidade para a equipa de Lopetegui ao longo do jogo.

O técnico espanhol tentou retificar a situação ao intervalo, trocando Casemiro por Rúben Neves, mas embora a equipa tenha ganho alguma segurança o jogo não melhorou para o seu lado. Isto porque o Sporting, recuando um pouco para gerir a vantagem, fê-lo com muita eficácia na sua saída de bola. Da primeira para a segunda parte, a equipa de Marco Silva quase duplicou as perdas de bola na zona ofensiva (de 17% para 32% no segundo tempo), diminuindo-as no seu meio-campo. Isto permitia à equipa ser poucas vezes apanhada de surpresa tendo tempo para reorganizar-se defensivamente. No somatório dos 90 minutos, o FC Porto perdeu 17% das suas jogadas nas imediações da área defensiva, contra apenas 7% para o Sporting. Uma diferença que explica grande parte do que se passou. 



2- Recuperações
Um parâmetro de análise que decorre do anterior, mas não só: depende muito das zonas de pressão escolhidas pelos treinadores e da intensidade que as equipas imprimem aos vários setores de terreno Também aqui, vantagem leonina. De todas as bolas que o Sporting recuperou ao FC Porto, 37% foram ganhas do meio-campo para a frente (imagem 6). Por comparação, o FC Porto conseguiu menos de metade desse valor (15%).

A acentuar os problemas para a equipa de Lopetegui, 10% das recuperações do Sporting foram conseguidas em zona claramente ofensiva dos leões (no FC Porto, esse valor foi apenas de 4%). Dupla vantagem para a equipa de Marco Silva: a de ser preciso menos espaço para ameaçar a baliza e a de, nessas situações, ter o setor defensivo portista mais exposto, sem a cobertura dos seus médios. Última nota neste particular: na segunda parte, com a obrigação de desequilibrar um Sporting em vantagem no marcador, o FC Porto não conseguiu uma única recuperação de bola na sua zona ofensiva.

 

Um registo que sublinha os mérito da saída com bola do leão – com destaque para Adrien e, principalmente, William Carvalho, a apresentar níveis de eficácia semelhantes aos da época passada – e que deixa algumas interrogações sobre a capacidade de pressão dos elementos mais avançados do FC Porto. Lopetegui tentou uma variante de 4x4x2, com Adrian ao lado de Jackson, mas não conseguiu retificar a situação, que já se tinha verificado no clássico de Alvalade entre estas duas equipas.

3- Eficácia de remate
Primeira nota para o elevado número total de remates: 15 para o FC Porto, 11 para o Sporting, que na primeira parte beneficiou ainda da «finalização» de Marcano na própria baliza. Mas mais do que a quantidade, impressiona a localização: nove das onze finalizações dos leões forem efetuadas em pleno corredor central, na zona de ação dos centrais ou do médio de cobertura, com o remate de Nani ao poste, no primeiro minuto, a dar o mote. 

   

Por outro lado, importante sublinhar o papel de Rui Patrício (seis defesas), que segurou a vantagem do Sporting em três situações limite – uma delas, obviamente, a grande penalidade cobrada por Jackson, um dos momentos chave do jogo. Do lado do FC Porto, Andrés Fernandez (três defesas) não teve possibilidade de ter o mesmo impacto. Com a particularidade de ter sido vítima de más intervenções decisivas dos seus defesas nos três golos sofridos (Marcano no primeiro e terceiro, Casemiro no segundo).

O FC Porto teve os seus lances mais perigosos na sequência de passes a aproveitar o espaço nas costas da defesa leonina. Foi assim com o primeiro aviso de Herrera, que acabou nas mãos de Patrício, com o golo de Jackson, e também com a grande penalidade que Patrício defendeu – num lance precedido de fora de jogo. Do lado do Sporting, pelo que já ficou exposto atrás, relevância para os espaços concedidos à entrada da área, na zona central, bem aproveitados pelos leões, em especial por Nani (poste, golo, defesa e apenas um remate para fora).

4- Bolas paradas
Excluindo a grande penalidade falhada por Jackson, acabaram por não ser um fator determinante para a partida, mas não deixa de ser relevante o facto de o Sporting ter resolvido bem, defensivamente, os livres laterais e pontapés de canto de que o FC Porto beneficiou. Além do penálti, os dragões tiveram seis cantos e quatro livres, que originaram quatro remates, um deles uma cabeçada de Marcano a obrigar Patrício a grande defesa – e uma perda de bola que originou contra-ataque dos leões. O Sporting também não foi especialmente eficaz neste aspeto: dois cantos e cinco livres, que resultaram em apenas dois remates.