Lembra-se como era o mundo a 22 de maio de 1977? Esse é o desafio porque é a esse dia que precisa recuar para recordar algo que se vai repetir na próxima sexta-feira. O FC Porto prepara-se para entrar na Luz com seis pontos de atraso para o Benfica no campeonato. Algo que não acontece desde essa tal tarde de futebol na velha Luz.

 

Na verdade, eram até oito os pontos que a equipa de John Mortimore, a caminho do último tricampeonato da história (feito que o Benfica agora persegue, curiosamente), tinha sobre a de José Maria Pedroto, que regressara recentemente às Antas, pela mão de Pinto da Costa, o novo responsável pelo futebol portista.

 

Essa temporada de 1976/77 foi a última do maior jejum de campeonatos da história do FC Porto. Pinto da Costa e Pedroto lançavam as bases para o título na época seguinte, que lançaria o clube para as décadas mais vitoriosas da sua história.

 

Agora, o clube vive novamente um período delicado. O jejum é infinitamente menor, mas a diferença para o Benfica é algo que não se via desde aquele 22 de maio.

 

Nesse jogo, sublinhe-se, o Benfica venceu 3-1. Marcaram Chalana e Pietra, por duas vezes, algo raríssimo na carreira do lateral. Para o FC Porto foi Taí, homem que chegara do Boavista com Pedroto, a marcar.

 

«Lembro-me bem. Foi um chapéu ao Bento cá de trás. Não serviu de muito, o jogo já estava quase decidido nessa altura», recorda Taí em conversa com o Maisfutebol. O FC Porto ainda desperdiçou uma soberana ocasião para reduzir para 3-2 a quinze minutos do fim: Gomes falhou um penálti.

 

Aquele FC Porto vivia uma fase de remodelação. «Foi o primeiro ano do Pedroto, que estava a tentar construir um grupo à sua imagem. A equipa não tinha ainda uma dinâmica de vitória que foi criando mais perto do fim da época, onde até vencemos a Taça de Portugal. No ano seguinte, já havia a mentalidade vencedora que foi imagem de marca do FC Porto muitos anos. Eram outros tempos, o futebol era muito diferente. Mas nós tínhamos o mestre Pedroto e ele sabia o que estava a fazer. Nestas alturas em que a equipa não rende tanto, o treinador é muito importante», considera Taí.

 

FICHA DE JOGO:

BENFICA: Bento, Artur Correia, Alhinho, Eurico Gomes, Pietra, Vìtor Martins, José Luís (Bastos Lopes, 48), Shéu, Chalana (Romeu, 89), Nelinho e Nené

Treinador: John Mortimore

 

FC PORTO: Joaquim Torres, Gabriel, Alfredo Murça, Simões, Taí, Rodolfo Reis, Octávio Machado, Freitas, António Oliveira (Celso, 45), Seninho (Ademir, 63) e Fernando Gomes

Treinador: José Maria Pedroto

Golos: Chalana, 14; Pietra, 53 e 60; Taí, 71

 

FC Porto em desvantagem pontual na Luz desde 1976/77

2015/16, SEIS PONTOS: Benfica, 52-FC Porto, 46 (22ª jornada)

2014/15, TRÊS PONTOS: Benfica, 74-FC Porto, 71 (30ª jornada) (0-0)

2009/10, UM PONTO: Benfica, 30-FC Porto, 29 (14ª jornada) (1-0)

2004/05, QUATRO PONTOS: Benfica, 13-FC Porto, 9 (6ª jornada) (0-1)

1993/94, QUATRO PONTOS: Benfica, 28-FC Porto, 24 (18ª jornada) (2-0)*

1988/89, UM PONTO: Benfica, 15-FC Porto, 14 (10ª jornada) (0-0)*

1985/86, DOIS PONTOS: Benfica, 24-FC Porto, 22 (16ª jornada) (0-0)*

1982/83, UM PONTO: Benfica, 16-FC Porto, 15 (9ª jornada) (3-2)*

1981/82, UM PONTO: Benfica, 21-FC Porto, 20 (16ª jornada) (3-1)*

1978/79, UM PONTO: Benfica, 26-FC Porto, 25 (17ª jornada) (1-1)*

1977/78, DOIS PONTOS: Benfica, 21-FC Porto, 19 (13ª jornada) (0-0)*

1976/77, OITO PONTOS: Benfica, 47-FC Porto, 39 (29ª jornada) (3-1)*

*-Dois pontos por vitória

 

Neste período de quase quarenta anos, apenas por doze vezes o FC Porto jogou na Luz em desvantagem pontual, sendo que desde a viragem do milénio esta é apenas a quarta vez que acontece, sendo ainda a segunda consecutiva, pois já na temporada passada os dragões chegaram ao estádio do Benfica em desvantagem.

 

É preciso recuar ao início da década de 80 para encontrar mais duas temporadas consecutivas de atraso portista em relação em Benfica na visita a Luz sendo que, em ambas as épocas, a diferença era de apenas um ponto.

 

E o que acontece no jogo quando o FC Porto chega com pontos de atraso? A estatística não ajuda ao momento dos dragões. Apenas por uma vez, em 2004/05, o FC Porto recuperou pontos para o Benfica na Luz. O Clássico jogou-se logo à sexta jornada mas a equipa de Victor Fernandez tinha já quatro pontos de atraso para o Benfica de Giovanni Trapattoni. Ganhou com um golo solitário de Benny McCarthy, num jogo famoso pelo lance entre Petit e Vítor Baía. A bola entrou ou não?

 

Benni McCarthy festeja golo da vitória na Luz em 2004/05

 

De resto, o Benfica alargou a vantagem em cinco ocasiões e ficou tudo na mesma nas restantes seis.

 

Refira-se ainda que o FC Porto já não chega em vantagem à Luz desde a temporada de 2010/11, quando até festejou na casa do rival o título, sob a batuta de André Villas-Boas. De lá para cá, foram três vezes em igualdade pontual, além da vantagem encarnada nas duas últimas épocas, já a contar com a atual.

 

Ao todo, neste período de 39 anos, os dragões jogaram na Luz com mais pontos do que o rival em 22 ocasiões. Equivale a 56 por cento. Explica muito sobre a falta de hábito portista em lidar com situações deste género nas últimas décadas.

 

Para se ter uma ideia, em 1995/96, por exemplo, ano em que se estraram os três pontos por vitória, o FC Porto jogou na Luz na 27ª jornada e com uns incríveis 16 pontos de avanço, que o Benfica reduziria para 13, ao vencer por 2-1. É a maior diferença entre as duas equipas neste período.

 

«Quem segura o barco não é quem chega, é quem já lá está»

 

Quase quarenta anos depois, então, é possível estabelecer um paralelo entre as situações que servem de antecâmara ao Clássico da Luz? Foi a questão que colocámos a Taí.

 

O antigo médio aponta a diferença entre os clubes como o fator a destacar: «Era parecida com a que existe agora.»

 

«O Benfica está mais forte coletivamente e está com um ataque bastante mais agressivo e tem uma forte dinâmica de vitórias. Pesa muito. O FC Porto está a aprender novos processos, isso demora. Com maus resultados só piora. Potencialidade para mais tem. Passei por fases parecidas na minha carreira e sempre senti que a voz do treinador é chave. Tem de ser ele a liderar esta revolta que os jogadores devem sentir porque têm de render muito mais», acrescenta.

 

Taí diz que o futuro do FC Porto no campeonato depende do que conseguir fazer na Luz, ainda que não seja garantia de nada. «Mas se ganhar reacende a chama», salienta.

 

«A verdade é que o FC Porto é o único candidato que não depende de si. Não poderia ter mais nenhum desaire e esperar que os outros tivessem. É muito complicado. Esta derrota com o Arouca foi uma machadada forte. Se já era difícil…», atira. Para bom entendedor…

 

Questionado sobre a falta de referências no balneário, Taí considera que é apenas um dos problemas.

 

«O FC Porto está doente, gravemente doente. Vê-se logo no aspeto anímico, que é fundamental. Mas não só. Quem acompanha o FC Porto e analisa as saídas e entradas percebe que este ano o plantel não tem nada a ver com o do ano passado. Nunca entendi aquela ideia que se criou de que o FC Porto tinha o melhor plantel da Liga. Este ano, não concordo», sublinha.

 

E explica, quase posição a posição, o seu raciocínio: «O André André é bom, mas o Oliver era melhor. O Jackson era melhor avançado que o Aboubakar. O Danilo tem estado bem, mas o Casemiro tinha outro arcaboiço. O Layún vem da II Divisão inglesa e o Danilo é superior ao Maxi. Depois houve o caso do Imbula, que pensei que ia ser a grande contratação e teve uma passagem efémera por cá.»

 

O Clássico do Dragão até foi dos melhores jogos de Imbula no FC Porto...

 

«Mesmo em dezembro, a equipa perdeu um jogador como o Tello e contratou jogadores como Marega e Suk, que podem vir a ser bons, mas não são reforços no imediato. Quando as coisas estão a correr mal é neles que se vai apostar? Não é a mesma coisa, com todo o respeito, jogar no V. Setúbal ou no FC Porto», salienta.

 

Chega, então, a hora de falar nas referências. Taí lembra que quando chegou ao FC Porto encontrou no balneário homens como Oliveira, o Rodolfo, o Cubillas ou Gabriel. «Era mais fácil para quem chegava. Quando as coisas correm menos bem quem segura o barco não é quem chega, é quem já lá está», salienta.

 

Não havendo essa hipótese, a aposta deveria passar então por jogadores com outra experiência: «Anos de clube ajudam, mas é preciso, acima de tudo, jogadores com experiência em clubes grandes. Isso já ajudava muito. Já dava outro estofo ao plantel. Há jogadores que é a primeira vez que estão a lidar com esta pressão, é normal que tenham de passar por um processo de aprendizagem.»

 

«O FC Porto precisava de quatro ou cinco jogadores acima da média para agarrar na equipa e levá-la para a frente. O que se vê é que quando levam uma abanadela têm muitas dificuldades. Não conseguiram encostar o Arouca, eles é que se remeteram à defesa. O Danilo e o André André são excelentes jogadores mas não creio que tenham já o estofo que é preciso para alterar os acontecimentos quando as coisas correm mal», conclui.