Quem gosta de procurar coincidências históricas no futebol tem na decisão desta Copa América um pratinho bem composto. O facto de a Argentina estar no jogo decisivo, por exemplo, aparece quase como uma inevitabilidade, mesmo dando de barato a tremenda capacidade ofensiva de uma equipa com Messi, Aguero, Higuaín, Di María e Pastore. É que os alvicelestes nunca acabaram abaixo do segundo lugar qualquer edição da prova que se tenha realizado no Chile: venceram as últimas quatro (em 1941, 1945, 1955 e 1991) e foram vicecampeões nas duas anteriores.

O paralelismo é ainda mais acentuado com um recuo de 60 anos: em 1955, precisamente, a Argentina ganhou o jogo decisivo ao Chile (já agora, se estão a pensar usar o palpite nas apostas, foi por 1-0, com golo aos 59 minutos), os chilenos foram segundos e o Peru foi um surpreendente terceiro. No seu penúltimo jogo, os argentinos tinham dado uma colossal demonstração de força, vincando o favoritismo com uma goleada por 6-1, tal como fizeram agora.

Aconteça o que acontecer, é certo que a final da Copa América entre Chile e Argentina, neste sábado, com transmissão na TVI a partir das 21 horas, terá um desfecho histórico. Se os argentinos vencerem, põem fim a um dos maiores jejuns da sua história: 22 anos sem qualquer título continental, deixando sem coroa nomes tão talentosos como Riquelme, Aimar, Saviola, Verón, Ortega e Messi (já lá vamos...). De passagem, uma vitória da Argentina permite-lhe ainda igualar o Uruguai em total de conquistas (15 para cada) num taco a taco que, ao longo das décadas, tem deixado o Brasil muito lá para trás (8 vitórias).



Se a vitória cair para o Chile, porém, o impacto será ainda maior, já que La Roja nunca venceu a mais antiga competição internacional de seleções: o seu melhor registo resume-se a quatro segundos lugares, o último dos quais remonta já a 1987. O percurso dos chilenos até à final alimenta a convicção dos seus adeptos de que este pode ser o momento da consagração.

Com três «VVV» (Vidal, Valdivia e Vargas) em grande plano, a compensar o torneio relativamente discreto da estrela Alexis Sanchez, a equipa comandada por Jorge Sampaoli tem confirmado a boa impressão que já tinha deixado no Mundial e é séria candidata ao estatuto de melhor seleção chilena da história. Foi seu o futebol mais convincente da fase de grupos e, além disso, teve ainda a seu favor o apoio febril dos adeptos, contrastando com o inverno agreste de Santiago. A juntar a isso, contou ainda com algumas decisões polémicas das arbitragens quando o rendimento baixou – em especial em momentos chave dos jogos com Uruguai e Peru.



A vitória sobre o Uruguai, em especial, ficou marcada pela expulsão de Cavani, que não resistiu às repetidas provocações de Gonzalo Jara. O central do Chile, suspenso por dois jogos, será o grande ausente da decisão, depois de as câmaras o terem capturado a pôr um dedo ofensivo na zona mais defensiva do avançado do PSG. O seu gesto – ainda por cima reincidente, depois do que já tinha feito com Suarez e Higuaín, em anos anteriores – acabou por tornar-se uma das imagens fortes desta edição da prova. E foi adotado sem problemas de consciência pelos chilenos, como o provam as alusões de adeptos e media à repetição da receita na final com a Argentina, em tons que oscilam entre o sarcástico e o simplesmente grosseiro.
 

 



O alvo destas homenagens não é outro se não Lionel Messi, indiscutível protagonista da temporada 2014/15 pelo Barcelona, e em vias de conseguir o mesmo com a camisola da sua seleção. A invulgar aridez goleadora – apenas um tento, e de penalti, nos últimos oito jogos pela Argentina – não apaga a evidência: mesmo sem a habitual ligação direta com a baliza, Messi está a aproximar-se do seu melhor, tendo atingido a um nível altíssimo no «atropelamento» ao Paraguai, como o demonstram as três assistências e a sua participação em mais dois golos.



Mais recuado no terreno, com um papel mais coletivo, e também um pouco mais crispado – o que parece um lógico instinto de autodefesa numa competição marcada por más arbitragens e frequentes provocações aos jogadores que desequilibram, Neymar e Cavani que o digam – o argentino está perfeitamente a tempo de chamar a si o protagonismo nesta edição, e a conquistar o seu primeiro troféu com a alviceleste, depois do ouro olímpico em 2008 e da final perdida no Mundial de há um ano.

Se o conseguir, escapará à maldição da Copa América, que atingiu quase todos os nomes maiores do futebol sul-americano: por incrível que pareça, de Maradona a Pelé, passando por Zico, Kempes, Sócrates, Falcão, Valderrama ou Garrincha, nenhum destes imortais inscreveu o seu nome na lista dos vencedores. Sábado, portanto, entre outras coisas, teremos um país em peso contra Messi e companhia. Mas com tantas curiosidades e motivos de interesse, apetece parafrasear Bill Shankly e garantir que esta final de Copa América «é muito mais importante do que isso».