A FIFA chamou dois pesos-pesados da luta contra o crime para investigarem uma série de suspeitas de corrupção que envolvem o órgão máximo do futebol mundial. O norte-americano Michael J Garcia, antigo procurador de Nova Iorque, e o juiz alemão Hans-Joachim Eckhert foram os eleitos para o Comité de Ética.
A decisão surge por recomendação de um painel de ética associado à FIFA que considerou que os casos já conhecidos não foram suficientemente investigados. Foi agora anunciada por Joseph Blatter, o presidente da FIFA, ele próprio muito pressionado e envolvido em suspeitas de procedimentos irregulares. A nomeação de dois independentes pretende dar credibilidade a um processo até aqui muito pouco claro.
A partir de agora o Comité de Ética passa a ter duas câmaras, com poderes de investigação e judiciais. Não há qualquer limite temporal para investigações de corrupção e subornos, pelo que os novos responsáveis têm luz verde para ir a fundo em casos do passado.
Isso inclui vários processos já conhecidos. Para começar o caso da ISL, que vai ser reaberto pela FIFA. Um tribunal suíço deu como provado que a entretanto extinta empresa de marketing que fez muitos negócios com a FIFA nos anos 90 pagou subornos a João Havelange, que foi presidente da FIFA durante 24 anos, até 1998, e a Ricardo Teixeira, antigo membro do Comité Executivo da FIFA, ex-presidente da Federação brasileira e também ex-genro de Havelange. O dinheiro foi pago em troca de vantagens no processo de venda dos direitos de transmissão do Campeonato do Mundo.
O acordão do tribunal foi divulgado na semana passada, após uma longa batalha judicial em que a FIFA se recusou a responsabilizar os dois dirigentes, e tentou evitar que os pormenores do caso fossem tornados públicos. Blatter admitiu entretanto que sabia das acusações sobre Havelange e Teixeira, mas não atuou. Quando foi divulgado o acordão, a FIFA publicou-o também no seu site, sublinhando que apenas tinham sido incriminados «dois dirigentes internacionais». Portanto, que Blatter não tinha sido envolvido no processo judicial. Sobre este caso, o presidente da FIFA acredita agora que os novos responsáveis vão avaliá-lo apenas do ponto de vista ético. «O caso ISL está resolvido legalmente. Agora vai ficar também resolvido moralmente», disse em conferência de imprensa
Mas há mais casos já sobre a mesa. A maioria envolve subornos nos processos de atribuição das grandes competições e nas eleições para a presidência da FIFA. Para já espera-se uma investigação mais rigorosa à forma como foram atribuídas à Rússia e ao Qatar as organizações dos Mundiais 2018 e 2022, no final de 2010, numa votação que foi desde o início manchada por suspeitas de pagamentos ou outros favores a delegados com direito de voto. A candidatura conjunta de Portugal e Espanha a essa competição também foi investigada, por suspeitas de um pacto de troca de votos com o Qatar, tendo acabado por ser ilibada pela FIFA.
E a lista continua. Já nesta semana foi o próprio Joseph Blatter a lançar suspeitas sobre a forma como a Alemanha ganhou a organização do Mundial 2006. O presidente da FIFA insinuou que um delegado se ausentou na altura da votação, dando a vitória à Alemanha. Franz Beckenbauer apressou-se a dizer que a acusação não tinha fundamento e a Alemanha juntou-se às vozes que criticam a figura e a permanência de Blatter à frente da FIFA.
Os dois homens agora chamados pela FIFA têm longos currículos. Michael J Garcia foi responsável pelo ministério público de Nova Iorque e pela agência norte-americana de Imigração e Costumes na administração de George Bush, tendo liderado vários casos mediáticos de luta contra o terrorismo. Chegou a ser cogitado para liderar o FBI. Hans-Joachim Eckhert é especialista em corrupção e foi responsável na Alemanha pela mega-investigação a pagamentos ilegais feitos pela Siemens.