O lançamento de umas novas chuteiras de Cristiano Ronaldo trouxe Rio Ferdinand a Lisboa e proporcionou uma viagem no tempo até ao dia 6 de agosto de 2003. A data da inauguração do Estádio José Alvalade, relegada para segundo plano pela exibição de um miúdo que encantou os responsáveis do Manchester United.  

«A primeira vez que lhe coloquei os olhos em cima era um rapaz alto e magrinho». «Fraquinho», acrescenta o ex-jogador num português esforçado, enquanto sorri para o antigo colega. «Dissemos aos responsáveis do Man Utd para se certicarem de que o Cristiano viajava connosco para Inglaterra», recordou depois.

O jogador português viajaria dois dias depois, mas logo após o encontro já Fernando Santos era um técnico preocupado, apesar da vitória por 3-1, antecipando o que aí vinha.

«No final do jogo estava muito arrependido de tê-lo metido a jogar. Pensei que tinha sido maluco. Dois dias depois ligaram-me a dizer que ele ia ficar em Manchester. Não tinha nada de o ter metido a jogar. Já tinha perdido aquele (ndr. aponta para Quaresma) uma semana antes, e depois foi este. Queria ser campeão, fiquei despachado», recordou o agora selecionador nacional, então treinador dos «leões».

«Antes do jogo o José Semedo, que está no Sheffield Wednesday, disse-me que se eu jogasse bem, talvez tivesse a oportunidade de ir para lá. Eu respondi-lhe: “Nem pensar, é muito cedo”. No final do jogo o Sir Alex Ferguson veio falar comigo e dois dias depois estava em Manchester», recordou o capitão da Seleção.

Cristiano dizia adeus ao Sporting, seis anos depois de ter trocado a Madeira por Lisboa. Foi a 7 de junho de 1997 que Ronaldo assinou, no Hotel Dom Henrique, a ficha para representar o emblema leonino, conforme recordou Aurélio Pereira.

O contexto é relativamente conhecido. O Nacional devia cinco mil contos ao Sporting e queria saldar a dívida com a transferência. «Eu disse ao Dr. Marques de Freitas (presidente do núcleo do clube na Madeira) que não via forma de fazer isso com um menino de 12 anos, mas para salvaguardar-me sugeri-lhe que enviasse o miúdo, que lhe pagasse as viagens, para ser observado. Não vi o primeiro treino dele, mas o Osvaldo Silva, que era o técnico, gostou muito. Depois estive no segundo treino e confirmei que o “menu” estava lá todo», lembrou.

Antigo colega de Cristiano na formação, e agora no «staff» do capitão da equipa das quinas, Miguel Paixão recorda uma vontade constante de melhorar. «Ele ia observar a secção de atletismo para ver o que faziam para melhorar a impulsão e a velocidade, e depois de noite metia-se a fazer esses exercícios. Ainda chegou a treinar com alguns atletas».

«Quando estava nos infantis e iniciados diziam que eu tinha um grande talento, mas que era franzino e pequeno. Eu meti na cabeça que isso se podia solucionar. O talento ou tens ou não tens. Crescer também não depende muito de ti, mas se fizeres desporto...», disse Ronaldo, antes de revelar a solução encontrada.

«O centro de estágio tinha um ginásio em baixo, que fechava às 10h da noite. Nós arranjámos uma porta para saltar lá para dentro. Ao fim de alguns meses já se via a veia saliente. Comecei a ficar mais forte, já aguentava melhor a carga nos treinos. Eu cresci quinze centímetros em dois anos, entre os 14 e os 16. Nessa altura dizia também que era preciso comer duas sopas antes da refeição, para crescer», lembrou entre sorrisos.

Para Ricardo Quaresma é a mentalidade que distingue o colega e amigo. «Ele nunca vai abaixo e nunca está satisfeito. Isso faz a diferença. O talento nasce contigo, mas sem trabalho não atinges os objetivos», defendeu.

«Nos primeiros tempos do Sporting chamei-o e disse-lhe: “Miúdo, tu comigo vais jogar sempre, mas tens de deixar esses truques de circo”. Só quando se junta talento e trabalho é que se consegue ser génio. Nessa altura disse-lhe também que ele tinha uma impulsão muito boa, mas que não acertava uma de cabeça. No dia seguinte chego ao treino e ele tinha metido alguns colegas a cruzar para ele», recordou Fernando Santos.

«Ter talento não chega. É preciso muito trabalho. Dedico-me sempre a cem por cento para ser o melhor, para manter o meu nível o mais alto possível», diz o próprio Ronaldo.

«É difícil, mas com dedicação, trabalho e vontade...As pessoas não falam muito de vontade, mas é muito importante. Teres vontade de continuar a trabalhar depois do que eu ganhei, a nível desportivo e também financeiro...se não tens essa vontade não faz sentido continuar», resumiu Ronaldo, no dia em que regressou ao dia que lhe mudou a vida.