Esta poderia ser a história do menino que roubou a bola a Cristiano Ronaldo, no palco dos sonhos, qual gigante catalão disfarçado de adepto de palmo e meio. Ou, gesto contínuo, o relato de um adolescente, mais rápido que Usain Bolt, fugindo a uma dezena de polícias para abraçar o colosso português. Nesta noite quente de Verão, no primeiro capítulo de um sonho galáctico, CR9 não fintou ninguém.
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Em Portugal, muitos ainda desconhecem, ou preferem desvalorizar, a real dimensão deste fenómeno. Estando no epicentro do fervilhante ambiente em Santiago Bernabéu, vibrando interiormente ao som de Xutos&Pontapés, «à minha maneira», sentimo-nos orgulhosamente lusos. Sim, em dado momento, um jornalista pode exteriorizar sentimentos. Em Espanha, por exemplo, passam essa barreira com via verde, vestindo camisolas sem pedir licença.
Na casa do Real Madrid, engalanada para uma segunda-feira quente, sempre quente, acotovelaram-se 500 jornalistas e cerca de 80 mil adeptos. Isso mesmo, 80 mil pessoas, mais que Maradona, e tantos milhares lá fora, esperando um milagre. Todos queriam lá estar. Até atrás do palco, com vista tapada pelo ecrã gigante. Nada importava. Era dia de Ronaldo.
Abençoado por Eusébio e Di Stefano
Florentino Perez, o homem dos faustosos milhões, anunciava «uma noite sem precedentes»: «Obrigado aos milhares dos portugueses que nos acompanham hoje. Agradeço também a presença de um dos melhores jogadores de sempre: Eusébio!» O Pantera Negra ouvia as palavras amáveis enquanto subia ao palco, sorriso aberto, cânticos sinceros da afficion, com outro monstro à sua espera: Di Stefano. Que classe. Não dispensa a bengala, nem o estatuto. Na recta final da festa, quando Ronaldo voltou ao centro, acompanhado de um leque, pediu ao milionário reforço para abanar aquilo, só um bocadinho, que está calor. E Ronaldo abanou. Nesta noite, ele não fintou ninguém.
Aqui e ali, falava-se em Kaká. Foram 50 mil adeptos para o brasileiro, menos 30 milhões de euros, mas a classe é comparável. O puto que ganhou a primeira camisola de Ronaldo al Madrid, pelo menos, admitiu que preferia o brasileiro. Mas sejamos claros. Num espectáculo digno das maiores bandas mundiais, CR9 subiu ao nível de U2.
Branco e puro
«Olá, buenas noches. No trouxe nada preparado. Estoy muito feliz de estar aqui. Cumpri un sonho de criança, jogar en el Real Madrid!». Os cépticos começavam a baixar armas. Tinham saído de casa para o insulto, mas caíram numa finta improvisada. A única. Naquelas vestes brancas, com sorriso de menino, Ronaldo parecia um anjo. Mais um pouco de portunhol e um remate potente, arrebatando corações: «Voy a contar até três e vamos todos dicer: Hala Madrid!». Assim foi, estavam todos a seus pés.
80 mil almas juntaram-se para ver um português a dizer umas palavras de ocasião e dar uns toques. Um, dois, bola na cabeça, chega um miúdo, sai um passe inusitado. O puto, sem saber onde se metera, faz o que qualquer um faria: bola debaixo do braço e hasta luego! Ronaldo sorriu, esperou pelo seu regresso e deu-lhe um beijo. Partiu para a volta triunfal com as gentes merengues encantadas.
O dia foi longo, teve viagem, testes médicos, assinatura e milhões de fotografias, mas o homem resiste. Sorri, brinca, sorri mais um pouco e brinca ainda mais. Afinal, é o seu sonho de criança. Volta ao palanque, mais umas fotos, e lá aparece o intruso, braço engessado, boné laranja nada a propósito, fugindo entre cordões policiais. Ronaldo recebe-o, pede um momento aos braços da lei e dá mais um autógrafo. Sem querer, desencadeia uma rebelião. Sentem-se 20, 30, já 40 adeptos sem controlo, rumo ao relvado.
Desligam-se as câmaras, recolhem as estrelas, sobram pontapés e detenções. No final, todos felizes. Ronaldo não fintou ninguém. Está mesmo no sonho galáctico.