Sabem que gosto de agrupar jogadores, amontoá-los em pilhas de virtudes e defeitos, catalogá-los por impressões genéticas de parentes distantes. Divirto-me a identificar alelos de talento em novas promessas e semelhanças homozigóticas com outros heróis.

- Um exemplo? Ah, um exemplo, um exemplo para o senhor da terceira fila? OK, OK!

Encontro Romário em Kun, o tal genro do Pelusa que é mil vezes melhor que Pelé. Ele e Messi, juntos e em embalagens separadas, porque antes era a preto-e-branco e o brasileiro nunca toma o comprimido certo antes de se vangloriar dos feitos. Diz o infame D10S, e reforça: «Y qué la sigan chupando!» Como via Baros em Nuno Gomes, um checo de Valasské Meziříčí, cheio de circunflexos invertidos, e o outro, tuga de Amarante, mas quase (se quiserem, um grande quase) irmãos gémeos no jogo.

Parece parvoíce de conversa de café, na dúvida entre tremoços e amendoins a acompanhar o fino. Um disparate para chamar a atenção da camisa axadrezada de pescador que prefere a novela da SIC, e atrasa a entrada no túnel. Falta de bom senso, pelo menos. Que seja!

Olho para Rodrigo e sinto-me no vazio. Inverto Torres à frente do espelho para que o centro de gravidade se incline para a esquerda, mas espero que o miúdo do Rio nunca tenha de ir à bruxa nem de esfolar galinhas pretas para pôr fim a uma malapata daquelas. Viro-o do avesso para o direito, e de novo ao contrário; pinto-lhe uma cabeleira de surfista que não tira a prancha de debaixo do sol, realço-lhe as sardas, e deixo-o pisar a relva do Anfield mais perto. Youtube, 81 ou sei-lá-quantos golos pelos «Reds», e... há ali qualquer coisa. Qualquer coisa de lado escondido de «El Niño». A explosão, aquele sentido de oportunidade, o jeito de oferecer a finta de frente ao defesa. Mas, desta vez, não comparo. Deixo as blasfémias para vocês.

A Rodrigo acho-o um predador. Mais dez por cento de ossos do que os outros, morfologia felina virada na totalidade para caçar a presa. Arrancada pesada, com as unhas das botas a enrugar o tapete no primeiro arranque, e toda a potência a pesar-lhe para o peito, insuflado também por uma vontade indestrutível, empurrando-o para chegar primeiro do que o resto do mundo.

O ex-merengue não pisa leve como Gaitán, o argentino que não deixa pegadas, «sniper» que se move no silêncio. Ou James, que dá a bola como um croupier talismã, sem olhar, sem deixar que se extravie, oferecendo pokers de ases e full houses a quem nele acredita. Ele que, de repente, se livra do visor verde com um movimento, atira o laço para longe, passa a «dealer» de rua, fazendo desaparecer a bola, acelerando-a por baixo de um de três copos de plástico, em cima de mesa de madeira barata, comprada no Leroy Merlin. Mago.

A James e a Gaitán também não lhes comparo o talento. Não hoje, talvez outro dia. A Europa que se encha de inveja e ciúme, que olhe para nós a divertir-nos com eles, e com o instinto incandescente de Aimar, com o portfólio de classe de Lucho, com a irreverência de Capel e Carillo. Com Saviola quando quiserem. Wolfswinkel, Moutinho. Com Hulk sim, o senhor 100 milhões por enquanto e «nunca abaixo disso». Talvez valha a pena pedir. O Passos que também é Coelho que não nos ouça. No entanto, acho que não será lamechice apelar a que a crise nos proteja um pouco mais. Mas só aqui. Shiuuuuuuuuuu!

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião da autoria de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol. Pode ver o seu BLOG e segui-lo no TWITTER