A crónica que se segue foi publicada a 23 de MARÇO de 2012, e o futebol não mudou assim tanto desde então.

É uma conclusão como outra qualquer. Messi é, presunção à parte, o maior inimigo dos cronistas. Andamos nós a dar palmadas em seco no ar, enquanto ele, qual inseto invisível e chato, salta de letra em letra no ecrã, do «p» de puta para o «m» de madre, esperando uns centésimos a zombar de nós no ponto de exclamação. Pu-ta ma-dre! Rais`parta, falhei outra vez...

Léo quebra e estabelece novos paradigmas. Os pontos de partida para o próximo recorde, seja ele qual for. Se não fosse agora, César, seria amanhã ou depois, não te iludas! Torna impossíveis os meios-termos, os quases, os ses. Inúteis são os lamentos de passes mal feitos, cruzamentos mal medidos, bolas aos ferros. Um golo de Cristiano, belo como poucos, parece filmado em technicolor. Coisa de outros tempos, em que o futebol não era bem a mesma coisa. Dizem.

O que assusta é a simplicidade. Tudo parece tão fácil, como a insinuação que faz confessar o criminoso em ambiente de sauna e beatas ainda a fumegar. Os defesas parece que se afastam, os guarda-redes sofrem de nanismo momentâneo, as balizas transformam-se no dobro, em altura e largura, impossíveis de cobrir mesmo por super-heróis. Bola e bota não descolam, e ele acelera girando as pernas sem respeito por ligamentos e articulações, como num desenho animado do passado, daqueles que Vasco Granja (paz à sua alma!) teimava em esquecer, antes de fechar com «vaselina» e «punch line» para a história.

Os Kaká, Özil, Xavi, Iniesta, Rooney, Nani, Silva, Alexis, Di María, Agüero, Chicharito, Forlán, entre tantos outros, arriscam o anonimato. Um grande golo, mesmo de bicicleta e de fora da área, ficará obsoleto quando a bola virar ouro ao primeiro toque do seu pé esquerdo, naquele jeito desinteressado de quem aparenta fazer as coisas sem querer. Não há ser mortal que se aproxime e os outros, como Pelé e Maradona, rebolam na tumba que o futebol lhes deu, sentindo a imortalidade ameaçada, eles que se ameaçam reciprocamente praticamente todos os dias. É a tua vez, tio! «There can be only one!» e os vidros estilhaçam atrás de Connor McLeod. Lembrei-me, pronto.

É verdade que Messi escreve história a cada finta, mas que história seria essa com papéis invertidos: a «Pulga» no Real e Ronaldo no Barcelona, reinventado nas jogadas de Xavi e Iniesta. Talvez nunca saibamos. Não acredito nisso e o presente não se escreve com realidades alternativas. Quanto tempo vamos continuar a dizer que «enquanto não for campeão do mundo não será o maior de sempre?» E se nunca o for? Foi tudo em vão?

Tudo parece pequeno ao pé do minorca argentino que não conseguia crescer como os outros. Tamanha ironia essa! O que os outros fazem está destinado a ser irrisório, facultativo e, se eu tivesse dormido mais umas horas, encontraria mais depressa a palavra que me falta... Dispensável. Isso! E nós estamos obrigados a escrever sobre as suas jogadas, os seus passes, os seus golos, porque nada mais parece existir na periferia. E, mesmo assim, quando escrevemos, conseguimos mesmo escrever algo diferente dos outros? Espera pelos outros, Léo! Pela nossa saúde!

Vivi no tempo de Maradona e o futebol nunca mais foi o mesmo. Vivo no de Messi e sei, sem precisar de citar fontes, que haverá um antes e um depois do argentino. Mesmo que Mourinho também marque os seus golos do meio-campo e Ronaldo seja maior que todos os outros menos um. E tal como o «Olé» virou «Culé», aviso-vos esta crónica corre sérios riscos de mudar de nome. Talvez «Era capaz de viver no Camp Nou». Mas vou aguentar até ao próximo recorde.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»        é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no        FACEBOOK                e no        TWITTER       . O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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