José Tavares, treinador que colaborou com o projeto Crónicas Made in Portugal nos últimos meses, faleceu de forma inesperada neste fim-de-semana. O técnico português estava na China e não resistiu a um ataque cardíaco. Como forma de homenagem e agradecimento, aqui fica a sua crónica de apresentação, publicada originalmente a 13 de dezembro de 2013:

JOSÉ TAVARES, BEIJING GLORY FC

«Olá ,

No mundo do futebol conhecem-me como José Tavares ou apenas Zé. Sou treinador de futebol e estou nesta altura na China a orientar o Beijing Glory FC.

Para mim, tudo começou na Pedreira dos Húngaros, um bairro de imigrantes (na sua maioria cabo-verdianos) em Algés/Linda-a-Velha. Passava horas a jogar num campo de terra batida atrás de uma caserna. Só parávamos para comer.

Sempre fui um apaixonado pelo futebol e esse desporto faz parte da minha vida até aos dias de hoje. A escola ficou para trás desde cedo, assim que fui à experiência para as camadas jovens do Estrelas da Amadora.

Estive dois anos no Estrela e foi aí que consolidei o sonho de ser profissional de futebol. Nessa altura, fui chamado à seleção portuguesa de sub-15 e por lá andei até aos sub-18. São momentos que guardo na minha memória com muito carinho e saudade. Fiz amigos que perduram até hoje.

Fui tentado por colegas da seleção que jogavam no Boavista a ir para o norte. Tinha receio de me mudar para o Porto, deixar o bairro, os amigos e a família, mas fui porque queria disputar as fases finais e era lá que estavam as grandes equipas.

O Boavista é a minha casa e o meu clube. Foi no lar do Boavista, com jogadores de outras partes do país e da Guiné-Bissau, que me fiz homem e onde aprendi valores que até hoje carrego comigo. Estive três anos no Bessa e fui campeonato de juniores com grandes talentos que chegaram ao mais alto nível do futebol português.

Depois surgiu aquela fase difícil de transição para o futebol profissional. Nessa altura, muitos sonhos se desfazem. Tive a sorte de assinar contrato com o Boavista e fui emprestado ao Esposende, da II Divisão B. No ano seguinte fui para o Penafiel, depois União de Lamas, Marco e Barreirense.

Estive três épocas no Barreirense, praticamente sem jogar, e foi esse período que me impediu de atingir patamares mais elevados. Ainda passei pelo Vilafranquense mas já era tarde para mim.

No clube do Barreiro conheci um jogador dos Camarões que me desafiou a ir para a Indonésia. Começaram aí as minhas aventuras no estrangeiro, que duram até hoje. Fiquei dois anos em Persebaya, mesmo com tremores de terra, bombas e inundações. Pelo meio passei por África do Sul, Austrália e Bélgica, mas sempre de forma fugaz, porque os empresários acabavam por não chegar a acordo com os clubes.

Quando saí da Indonésia, por falência do meu clube, tinha 27 anos e estava perturbado por um desgosto familiar. Acabei por ir para Londres, onde estive a trabalhar e a jogar numa equipa amadora chamada Lowesoft FC. Não era a mesma coisa, trabalhava 12 horas e não conseguia treinar em condições devido ao cansaço.

Ainda voltei a Portugal e tentei mais uma vez. Estive numa equipa da terceira divisão nos arredores de Coimbra mas as condições eram precárias e acabou ali mesmo a minha carreira de jogador.

Regressei a Inglaterra para trabalhar, mas sempre com o futebol na minha cabeça. Certo dia, estava sentado num banco de jardim a ver miúdos treinar e fui perguntar ao técnico o que fazer para tirar o curso. Foi aí que voltei ao jogo. Trabalhava, tirava o curso e treinava jovens ao fim-de-semana.

A certa altura, tirei o curso UEFA B e mandei o meu currículo para alguns clubes. Acabei por exercer funções nas academias de futebol do Brentford FC e Fulham. Mas os anos passavam e queria voltar a casa. Felizmente, um treinador meu nas camadas jovens falou-me na possibilidade de ir trabalhar para a escola de futebol de Carlos Queiroz em Lisboa.

Estive quatro meses em Portugal, até que a escola de futebol de Carlos Queiroz fez uma parceria com o melhor jogador indiano de todos os tempos: Bhaichung Bhutia. Como parte da parceria, segui para a Índia para dar formação a treinadores locais.

Nessa fase surgiu um convite de uma equipa da segunda divisão, o United Sikkim FC. Fui para os Himalaias, a seis mil metros de altitude, muito perto do Nepal! Inicialmente, estava previsto ser treinador de guarda-redes e adjunto mas rapidamente passei a treinador principal. Passado algum tempo, faltou dinheiro, a equipa foi desfeita e tive de sair.

Estive dois anos e meio na Índia. E para lá ia voltar no verão passado, mas surgiu um convite do meu amigo Moreira para ir para a China. Nesta altura, estou a trabalhar em Beijing. Abracei o projeto de um clube novo, chamado Beijing Glory FC.

Para além disso, durante os verões vou para os Estados Unidos da América. Há cinco anos que trabalho nos campos de férias da escola de futebol de Daniel Gaspar, que faz parte da equipa técnica de Carlos Queiroz. Faço parte dessa família com muito orgulho.

Como perceberam, a minha história é grande e tenho vários episódios marcantes ao longo deste percurso. Espero partilhar alguns deles convosco em breve.

Um abraço,

José Tavares»