O pai dele era um apaixonado e até tinha cumprido o trajecto entre o Porto e Maputo de moto. Ora por isso Osvaldo Garcia, que traz de criança a mesma paixão e no currículo um título nacional, vivia com a fixação de atravessar África em duas rodas. A ocasião surgiu com o Mundial: foram 18 mil e 300 quilómetros de caminho.

Durante dois meses e cinco dias, sozinho, este natural do Porto, de 52 anos, percorreu dezassete países. Foi assaltado, extorquido e proibido de entrar na Nigéria. Mas não desistiu. Com o nome do neto, Martim Garcia, no visor da portuguesa AJP, modelo Xutos e Pontapés (200 cc), foi até ao fim. «Pelo meu neto», diz.

Assaltado em Lisboa...

Na quarta-feira chegou finalmente a Magaliesburgo e esta tarde foi ao hotel da selecção entregar duas bandeiras. Amanhã viaja novamente para Moçambique. Não foi o futebol que o trouxe, foi a aventura. «Correu melhor do que pensava. Nunca tive sequer um furo e nunca me acabou a gasolina», diz ao Maisfutebol.

Só foi assaltado uma vez... e em Portugal. «Foi em Lisboa, junto à Torre de Belém. Levaram-me o computador.» Outra vez também o roubaram, mas recuperou o material. «Em Brazzaville levaram-me o spot, mas do outro lado da fronteira, em Kinshasa, vi um polícia com ele. Dei-lhe dinheiro e recuperei o spot.»

... extorquido em todo o lado...

As extorsões de dinheiro por parte da polícia, diz, são o mais frequente. «Os polícias são do pior. Uma vez, em Moçambique, um deles veio pedir-me para tirar uma foto comigo. Disse-lhe que sim, claro, e então exigiu-me dinheiro para ele tirar uma foto comigo. No fim foi embora com o dinheiro e deixou a foto.»

São o que ele chama de... «contratempos». «Tem de se estar preparado para tudo. Passei por zonas, sobretudo no Mali e na Mauritânia, onde tive medo. Na Nigéria não me deixaram entrar. Disseram que era impossível um branco percorrer o país e sair de lá vivo. Por isso não tive visto. Mas o importante é manter sempre a calma.»

... e obrigado a partilhar a cama de hotel com desconhecidos

Manter a calma e a paciência. «Sou uma pessoa paciente por natureza. Sei esperar e manter a serenidade», diz, ele que em Angola, por exemplo, foi colocado a dormir numa cama de casal com um desconhecido. «Ele dormiu por baixo dos lençóis e eu por cima», brinca, com um sorriso de quem sabe que em África tudo é possível.

Mas nem sempre teve hotel para dormir. «Passei algumas noites ao relento, diz. «Nas cidades não, é perigoso. Só em aldeias. O segredo é perguntar pelo chefe, porque há sempre um chefe. Depois pedia-lhe se podia dormir nas ruas da aldeia dele, ele sentia-se importante e eu ficava descansado: sabia que ninguém me ia tocar.»

No fim da aventura, chegou Magaliesburgo. E uma grande alegria. «Cumpri um sonho. Houve momentos muito difíceis, momentos em que estive quase a cair para o lado. Sentia-me a desfalecer. Então parava, nem que fosse à uma da tarde, e descansava. Mas valeu a pena», termina Osvaldo Garcia, ele que aos 52 anos não quer parar.