Diyarbakir, sudeste da Turquia. Por ali, o conflito é rotina. Na oficiosa capital do Curdistão Turco, um estado que não existe, homens armados lutam entre si. Uns por direitos que não lhes vêm reconhecidos, outros porque consideram que os primeiros são separatistas. No meio de tudo, o futebol e Deniz Naki, que quis passar uma mensagem de paz e acabou por escapar à prisão por apoio ao terrorismo.

Nasceu em Düren, Alemanha. Formou-se no Bayer Leverkusen II, passou por St. Pauli e Paderborn. Antes destes dois, estreou-se como profissional pelo Rot Weiss Ahlen, ao substituir Marco Reus frente ao Augsburgo. Foi internacional alemão nos sub-19 e até chegou a ganhar o europeu da categoria. Em 2013, Deniz Naki chegou à Turquia para representar o Gençlerbirliği. Nunca esqueceu as raízes curdas, porém, e isso colocou-o num grande sarilho.

Deniz Naki em 2008, em representação dos sub-19 alemães no Europeu que os germânicos viriam a vencer

Amedspor. Clube de futebol de Diyarbakir que está a tentar subir ao segundo escalão e vai defrontar o grande Fenerbahçe na taça neste mês, tal como acontecera na época passada. Os holofotes viraram-se para o emblema que em 2014 fora multado pela federação devido à mudança de nome sem autorização oficial: Amed é o nome curdo de Diyarbakir.

Naquele ano, Deniz Naki já estava na Turquia, no Gençlerbirliği. Em novembro sofreu o que apelidou de ataque racista, em Ancara, capital turca. O motivo: as origens étnicas e religiosas.  O médio é Curdo-Alevita (ramo do Islão Xiita).

«Fui buscar qualquer coisa para jantar e fui abordado por três pessoas, numa rua secundária. Ameaçaram-me e disseram-me que este era o primeiro aviso, que o clube não precisava de alguém como eu e que devia ir embora. Desta vez, pude defender-me, foram apenas punhos, mas, eventualmente, será uma faca. Não me sinto seguro aqui.», in Bild

Por isso, Deniz Naki resolveu ir para Diyarbakir e para o Amedspor. Apesar de ter nascido na Alemanha, são curdas as suas raízes e o clube tem essa identidade.

Dersim 62. No braço direito, Naki tem aquela palavra e número tatuados. Refere-se ao antigo nome de Tunceli, a cidade dos pais, e a identificação das matrículas automóveis da zona. No outro braço, nova palavra: Azadi. Liberdade em Curdo, portanto. Apesar das marcas distintivas de identidade na pele foi uma publicação no Facebook que o pôs em apuros com a justiça.

Com a queda do Império Otomano nos anos 1920, gerou-se a ideia de um Curdistão, um só estado para a etnia curda, que habita território da Turquia, Arménia, Síria, Iraque e irão. No entanto, essa esperança desvaneceu-se quando no Tratado de Lausanne, que definiu as fronteiras turcas após a I Guerra Mundial, não havia espaço para a criação do Curdistão: o que aconteceu foi que os curdos ficaram espalhados por aqueles países e sempre em minoria, o que levou a conflitos étnicos, com graves consequências nos dias de hoje, incluindo com o Estado Islâmico

O «Curdistão»: em 1992, de acordo com os serviços norte-americanos, era este o panorama dos Curdos na região

Para o governo turco, o problema sempre foi relevante. O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) é considerado uma organização terrorista pela Turquia, União Europeia e Estados Unidos. Foi formado nos anos 1970 e começou uma luta armada contra o estado turco em 1984.

Reinvindica um estado Curdo independente, embora o líder militar, Cemil Bayik, tenha dito em abril à BBC: «Não queremos separar-nos da Turquia e criar um Estado. Queremos viver dentro das fronteiras turcas, na nossa terra, livremente. A luta continuará até que direitos inatos dos Curdos sejam aceites.» 

Depois de um cessar-fogo de dois anos, o conflito reanimou-se de novo em julho de 2015.

O St. Pauli mostrou-se solidário com o antigo jogador e ofereceu-lhe uma camisola assinada por todos so futebolistas do atual plantel

Em dezembro, os adeptos do Amedspor vaiaram o hino turco e, de seguida, num encontro em Istambul, cantaram contra a política do governo em relação ao sudeste do país, a zona em que habita a maior parte dos curdos-turcos. «Os miúdos não devem morrer, devem vir a jogos de futebol», entoaram.

E em janeiro de 2016, Deniz Naki marcou um golo. Dedicou-o «àqueles que perderam a vida e àqueles que foram feridos na repressão da nossa terra» numa publicação no Facebook.

A federação turca de futebol aplicou uma sanção ao Amedspor pelo comportamento dos adeptos e suspendeu Deniz Naki: por 12 meses. O caso não ficaria por ali, porém.

O ministério público levou-o a tribunal. Acusou o jogador turco-alemão de propaganda ao terrorismo e de defender a causa do PKK.

Deniz Naki nesta terça-feira após a audiência em Diyarbarkir

Naki foi nesta terça-feira presente a um juiz. O Bild alemão reportou que a audiência durou 35 minutos. Dois membros do parlamento alemão deslocaram-se até Diyarbakir. O médio enfrentava uma possível pena de cinco anos de prisão.

No entanto, o próprio procurador pediu que o caso caísse. «Estou contente, simplesmente, não esperava que fosse tão rápido», disse Naki à saída da audiência.

Ainda na sexta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão convocou o representante turco em Berlim, depois de uma dúzia de políticos do HDK, partido pró-Curdo, terem sido detidos. O presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz, também se pronunciou sobre o tema.  

Já um dos parlamentares que se deslocou até à Turquia foi bastante claro quanto ao desfecho do caso de Deniz Naki.

«Por uma vez, a pressão internacional resultou», disse Jan van Haken, citado pelo Bild