Depois do Adeus é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? O dinheiro ganho ao longo dos anos chega para subsistir? Confira os testemunhos, de forma regular.

Em 1999, Lixa era um dos nomes mais entusiasmantes no futebol português. Dono de uma técnica apurada, encara os adversários com uma confiança inabalável. Estava no Vitória de Guimarães e na seleção sub-21 de Portugal, tinha dito não ao Benfica e preparava-se para rumar ao FC Porto.

Domingos Alexandrino Fonseca Gomes, vulgo Lixa, não concretizou o seu sonho. Uma lesão gravíssima no joelho direito afastou o jogador dos relvados. Ainda voltou, após um longo e errático processo de recuperação, mas foi traído pelo outro joelho. Nada a fazer.

Em 2002, já sem o rótulo de enorme promessa, despediu-se do Vitória do Guimarães. Terminou a carreira quatro anos mais tarde, ao serviço do Odivelas.

«Ia andar ali a arrastar-me, com as pessoas a chamarem-me coitadinho, a lembrar-me o que podia ter sido. Não valia a pena. Decidi mudar de vida e vim para Paris, já que tinha aqui a minha mãe e o meus irmãos. Tinha de me afastar de tudo o que me lembrava o futebol», desabafa.

O Maisfutebol encontra Lixa à frente da receção de um hotel em Paris, bem perto do Aeroporto Charles de Gaulle. Uma década após o final abruto da sua carreira, com apenas 27 anos, o antigo jogador é novamente feliz.

«Quando cheguei a França, tive de aprender a língua, antes de mais. Andei dois ou três anos para conseguir falar bem francês e pelo meio fui tendo alguns empregos, como trabalhar com placas de gesso nas obras», recorda, com humildade.

Não é fácil começar de novo após uma carreira que prometia imenso. Lixa desceu ao inferno, agarrou-se à vida terrena e cresceu fora do futebol.

«A certa altura, fui tirar um curso de rececionista de hotelaria. Sempre gostei do contacto com outras pessoas e o futebol, nos estágios e em outros momentos, ajudou-me a saber outras línguas como o inglês e o espanhol. Acabei a formação em 2011 e desde então estou nesta área. Tendo o diploma, posso trabalhar em qualquer lado.» 

«Há muitos antigos jogadores sem emprego nem dinheiro»   

Domingos Gomes (Lixa) é atualmente o supervisor da equipa de receção do hotel onde trabalha. Encara o futuro com alegria, gosta do que faz e sente-se valorizado.

«Gosto do meu trabalho e sou feliz. Posso dizer que sou um sortudo porque sei que as coisas não são fáceis. Há muitos antigos jogadores sem emprego nem dinheiro, ou porque não o souberam gerir, ou porque investiram mal e agora não sabem o que fazer. Eu tinha o 10º ano, aproveitei isso, formei-me e aceitei este novo desafio com entusiasmo»

Os responsáveis Park Inn acabaram por descobrir que Lixa vinha daquele mundo encantado que traz incertezas para o futuro. «Eu não costumo falar muito disso, é raro, mas o diretor do hotel soube e agora têm orgulho em me apresentar às pessoas como ex-profissional de futebol. Dizem que para um jogador passar para a receção de um hotel tem de ser humilde. Não é fácil aceitar essa reconversão.»

«Posso dizer que sou um vencedor, foi uma prova a que Deus me submeteu e felizmente superei. Não fui feliz no futebol mas agora sou, graças ao meu filho que nasceu há dois anos e ao apoio da minha família», frisa.

O futebol ficou para trás. Lixa afastou-se para não cair no abismo. «Sinceramente, já via pouco futebol quando jogava e agora muito menos. Só vejo os grandes jogos. Quis desligar-me um pouco e também saí de Portugal por isso. Os que atravessaram o deserto comigo sabem aquilo que passei», desabafa.

«Agora sou feliz na minha nova vida mas ainda trago a mágoa comigo. Podia ter ido com o Deco para o FC Porto, ganhar muito dinheiro e ter sucesso. Vejo como foi a carreira dele e de outros que jogaram comigo, como o Fernando Meira, o Maniche, o Ricardo Carvalho, e claro que isso vai sempre mexer», remata.

Nesta conversa com o Maisfutebol, Lixa admitiu os erros da adolescência, explicou o não ao Benfica e revelou quando ia ganhar no FC Porto, se a grave lesão não tivesse alterado o rumo da sua carreira. Tudo para ler na segunda parte desta entrevista. Leia AQUI.