Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.

Formoso celebra esta quarta-feira o seu 43º aniversário. Nome famoso no futebol português, sobretudo nos finais dos anos 90, o antigo pé-canhão adapta-se a uma nova vida nas Caxinas.

O esquerdino jogou cinco épocas na Liga, da estreia pelo Gil Vicente (1996) ao adeus com a camisola do Paços de Ferreira (2001). Depois de passar por Barcelos, brilhou com intensidade no Sp. Braga. Esteve meio ano no Boavista, foi cedido ao Santa Clara e logo depois ao Paços. Anos dourados.

António Formoso deixou de jogar em 2011, ao serviço do tradicional Salgueiros. Iniciou nessa altura uma carreira de treinador que aguarda melhores oportunidades.

Enquanto treina jovens no Varzim e mulheres no CSB Amorim, com escasso retorno financeiro, o antigo jogador teve de encontrar outras formas de subsistência.

Quanto deixou de orientar os seniores do FC Infesta, na época 2014/15, o esquerdino aceitou um convite para trabalhar com redes de pesca.

António Formoso passou a acordar todas as manhãs para auxiliar na preparação das redes que são utilizadas no barco Maria Manuel, pertencente a um casal da zona.

Dos relvados da Liga a um improvisado armazém nas Caxinas, Vila do Conde, a vida deste célebre pé-canhão sofreu uma mudança abrupta.

Sem atravessar uma fase de desespero financeiro, Formoso reconhece que o trabalho é necessário para ocupar o tempo e proporcionar estabilidade no final do mês. Avesso a luxos, ainda utiliza diariamente o Opel Corsa que lhe deram em 1997, quando assinou pelo Sp. Braga.

O carro com vinte anos, marcado pela utilização ininterrupta e mais de 300 mil quilómetros, é o reflexo da postura de Formoso perante a sua realidade.

«Repare, eu podia vir para a entrevista com a nossa carinha, mais moderna, que a minha mulher costuma utilizar. Mas este é o carro que eu uso no dia-a-dia, com orgulho e sem complexos. Foi o meu empresário, Manuel Barbosa, que me deu quando fui para o Sp. Braga.»

A conversa com António Formoso começa no café, passa pelo armazém onde trabalha diariamente e termina à frente do carro que lhe traz boas lembranças.

«Estou muito orgulhoso da carreira que fiz. Fui à final da Taça de Portugal, disputei a Supertaça, a Taça das Taças, a Taça UEFA e a Liga dos Campeões. Só me faltou um grande e a seleção. Ah, e ganhar alguma coisa.»

No final da primeira época no Sp. Braga, em 1997/98, abrilhantada com cinco golos em quarenta jogos, Formoso teve a oportunidade de dar o salto para um dos grandes do futebol português. Esse momento, reconhece, deixou marcas.

«Em Braga, com Castro Santos, fiz uma das melhores épocas de sempre. Ele saiu para o Sevilha e queria levar-me com ele, mas o Braga não aceitou. No final da época estive para sair para o Benfica de Souness, tinha um contrato-promessa, mas algo falhou no último momento. Tive de deixar o Manuel Barbosa, porque o Benfica não negociava com ele, mas não deu em nada. Quem foi para o meu lugar foi o Luís Carlos, que jogava no Salgueiros.»

Formoso tinha 24 anos e sentia-se preparado para chegar ao topo do futebol português.

«O que me disseram foi que falhou o acordo entre os clubes. Comigo estava tudo acertado. Era um contrato de quatro anos, com objetivos, com objetivos de seleção, com número de jogos, etc. Cheguei a estar no Estádio da Luz, o António Simões chegou a vir ter comigo à Póvoa, para falarmos, enfim, tudo parecia certo. Mas não se concretizou.»

O médio esquerdino ficou mais uma época no Sp. Braga. Antes, tinha representado Varzim, Gouveia, Infesta e Gil Vicente. Depois, foi para o Boavista, Santa Clara, Paços de Ferreira, Ovarense, Vizela, Lixa, Joane, Esposende e Salgueiros. Uma carreira rica, com bons momentos para recordar.

«Encho agulhas e preparo o material para quem faz as redes»

O passado já lá vai. Formoso não se agarra ao baú de memórias, aceitou com humildade o que a vida lhe deu e relata de cabeça erguida a sua situação atual.

«Quando saí do Infesta, estava desempregado e apareceu esta oportunidade, que tive de agarrar. Tinha dias de ver a minha mulher sair para o trabalho, as minhas filhas a sair para estudar, e eu ficava a dormir até ao meio-dia, ia almoçar, depois voltava para casa…»

O antigo jogador admite que a transição para o pós-futebol é dura. Enquanto a bola rola, poucos são os que se preparam devidamente para o futebol.

«Um jogador profissional de futebol não está preparado para isto. Se calhar muitos não falam por vergonha. Pensam: trabalhar? O que é que as pessoas vão pensar de mim? Mas o dinheiro não cai do céu…O pós-futebol é complicado. Mesmo que ganhes algum, vais ter de o gastar. Já tive uma grande vida, uma vida boa, mas agora não estou desesperado. Tenho uma vida estável, sem luxos: ganho para a sopa, por assim dizer.»

António Formoso chegou a ter um centro de estudos, já que a sua esposa é professora, mas a falta de tempo – nessa altura, ainda jogava – levou ao fim do projeto. Anos mais tarde, perante a escassez de opções e uma carreira de treinador sem o necessário retorno financeiro, entrou na porta que estava aberta.

«Foi muito difícil porque não trabalhava desde os 18 anos. Em miúdo passei por dificuldades, tive de deixar de estudar aos 13 anos para trabalhar como serralheiro mecânico, enquanto jogava. Deixei isso quando cheguei a sénior e nunca mais trabalhei. É uma etapa nova, custou muito mas agora já estou habituado. Já aprendi algumas coisas, já sei que redes pescam que peixes, por exemplo.»

O mar já ceifou muitas vidas nas Caxinas. Formoso cresceu por ali, entre Vila do Conde e a Póvoa de Varzim. Aceitou trabalhar na retaguarda mas não se imagina a entrar num barco de pesca com o Maria Manuel.

«Isso não, nunca! Tenho respeito, até medo do mar e conheço muita gente que lá ficou. O meu trabalho é mais no armazém. Sou funcionário dos donos do barco e ajudo uma senhora com experiência que faz as redes. Eu ajudo, encho agulhas para ela, preparo o material que ela precisa. Quando está mau tempo, só se trabalha de manhã. Se eles estiverem no mar, é uma rotina normal. Das 8h00 às 12h00, da 13h30 às 18h30.»

Formoso vai conciliando essa atividade com os treinos na equipa sub-10 do Varzim e a equipa de futebol feminino do Amorim.

«À quarta-feira tenho treino dos miúdos e logo depois da equipa feminina. Saio dos miúdos às 20h00 e tenho as raparigas às 21h00. É duro, mas tem de ser. Neste momento o mais importante são as minhas filhas, trabalho para elas. Hoje em dia não podemos desperdiçar nada, a vida não está fácil. Se tiver que ficar neste trabalho quatro, cinco, seis anos, ficarei. Enquanto não aparecer nada melhor, é nisto que tenho de estar focado.»

«É só professores…o futebol não se joga nos computadores!»

António Formoso tirou o II Nível do curso de treinador. Iniciou esse percurso em 2010, nos sub-13 do Salgueiros, passando igualmente pela formação de Infesta, Padroense e Varzim. Pelo meio treinou os seniores de Balasar e Infesta.

Em 2015, o antigo jogador aceitou um desafio interessante: treinar uma equipa feminina. O CBS Amorim disputa o Campeonato Nacional de Promoção, segundo escalão do futebol nacional.

«É uma experiência nova, fabulosa. São pessoas que jogam por amor à camisola, não ganham, treinam às 21 horas, vêm de Barcelos, de Santo Tirso, e nem dinheiro para as despesas ganham. Dou-lhes muito valor. No ano passado não conseguimos a subida à primeira divisão, este ano estamos a discutir o primeiro lugar com o CP Martim, de Braga.»

Formoso gosta igualmente de trabalhar com jovens e considera que a sua experiência como jogador profissional é decisiva.

«É um grande orgulho trabalhar no Varzim, onde joguei nas camadas jovens, partilhar a minha experiência… Isto para a formação também é bom. Os miúdos precisam de ter exemplos, de ter respeito por quem os treina. Só há professores…não tenho nada contra eles, mas eles não sabem o que é um balneário. Tudo de computadores, computadores…O futebol não se joga nos computadores!»

Depois de orientar os seniores de Balasar e Infesta, o esquerdino gostava de receber um novo convite para treinar adultos. Porém, não esconde algum desencanto.

«Vamos ver, vamos ver. Eu gostava muito de seguir a carreira de treinador, mas sei que isso pode não acontecer. Tenho de continuar a trabalhar e a acreditar. No futebol há muitos paraquedistas…eu não caí aqui de para-quedas.»

«Mourinho parou no centro comercial para me cumprimentar»

Para a história fica uma carreira de vinte anos, entre os primeiros passos no Varzim e os últimos no Salgueiros. Entre 1991 e 2011. António Formoso recorda a aventura em Gouveia, no primeiro ano como sénior, antes de se destacar no Infesta e chegar à Liga com a camisola do Gil Vicente.

«Na altura não era fácil trocar de clube, como agora. O meu empresário era o Manuel Barbosa e para eu sair do Infesta teve de pagar 12.500 contos. Fiz uma boa época no Gil Vicente. Lembro-me de um Gil Vicente-União Leiria, um livre à entrada da área. Vou…e pimba, metia-a lá dentro. O árbitro mandou-me repetir, porque não tinha apitado, e eu metia-a novamente no mesmo sítio. E as bolas não eram como são hoje, hoje em dia fazem montes de efeitos.»

Formoso cativou os adeptos com as épocas no Gil Vicente e no Sp. Braga, antes da tal mudança falhada para o Benfica. A segunda temporada no clube arsenalista já não teve o encanto da anterior.

«A segunda época em Braga já não foi tão boa. Nesse ano tivemos três treinadores: Vítor Oliveira, Carlos Manuel e Manuel Cajuda. O clube também passou uma fase complicada, estávamos a lutar para não descer. No final da época, saí para o Boavista, que estava na Liga dos Campeões. Joguei contra o Rosenborg, o Borussia Dortmund e o Feyenoord.»

Jaime Pacheco gostava do médio português mas a sua preferência ia para um tal de Ion Timofte. Grande concorrência, reconhece Formoso.

«Lembro-me que o Pacheco me colocava a marcar livres com o Timofte, mas eu nem marcava. Ficava só a ver. Ele metia todas no saco! Depois, quando o Boavista foi eliminado da Liga dos Campeões, o Jaime Pacheco começou a encurtar o grupo. A meio da época saí eu e Pedro Martins para o Santa Clara, mais o Emanuel para o Aves.»

Em 2000, o médio esquerdino é novamente cedido pelo Boavista. Curiosamente, estava vinculado ao clube mas não foi campeão nacional. Seguiu para o Paços de Ferreira de José Mota por empréstimo.

«Quando acabei a ligação ao Boavista fui para a Ovarense, na II Liga, mas foi quando aquilo começou a descambar. Nunca mais voltei à Liga e acabou no Salgueiros08, no Distrital, em 2011.»

Olhando para trás, Formoso reconhece que chegou a aspirar a uma carreira melhor. Partilha responsabilidades sem esquecer a sua: tinha o coração demasiado perto da boca, dizia o que pensava e essa postura trouxe-lhe vários dissabores.

«Estou orgulhoso do que fiz mas sei que a carreira podia ter sido melhor. Houve obstáculos, sim, mas também houve culpa minha. A minha maneira de ser…se fosse mais puxa-saco, mais bufo, se andasse mais atrás, a paparicar…mas não conseguia ser assim.»

De qualquer forma, o antigo jogador sente que deixou boa imagem no futebol português e não esquece um episódio em 2004, quando já andava entre o Lixa (II Divisão) e o Joane (III Divisão).

«Lembro-me de estar no NorteShopping com a minha mulher e de repente surge o Mourinho em sentido contrário, com a sua família. Foi na altura em que ele foi para o Chelsea. O Mourinho fez questão de deixar a família, aproximou-se de mim e cumprimentou-me: ‘então, Formoso, tudo bem?’ E as pessoas ali a pensar: ‘quem é este gajo?’ Ele nunca me treinou, eu já não andava pela Liga mas aquilo fez-me ter a certeza que deixei a minha marca. Fiquei feliz.»

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