Hélder Calvino terminou a carreira aos 28 anos. Tomou a opção depois de representar Boavista, Paços de Ferreira, Marco, Estoril, Lourosa, Lousada, Candal, Cinfães, Vila Meã, Sp. Espinho e Oliveira do Douro. Começou por cima, na Liga, e pendurou as chuteiras nos escalões secundários do futebol português.

Atualmente, o antigo médio trabalha como segurança num condomínio privado. Nas noites de fim-de-semana, surge como barman ou animador em espaços de diversão noturna. Durante a entrevista ao Maisfutebol, Calvino apresenta um retrato alarmante.

A sua experiência serve como exemplo. A certa altura, percebeu que estava a viver uma ilusão.

«Cheguei ao ponto de pensar: ando aqui a ganhar 1.000 ou 1.200 euros, já nas divisões inferiores, para depois não receber? Para quê, para andar por lá com um saquinho da moda e dizer que sou jogador de futebol? Há muito essa ideia. Uns ganham 500 ou 600 euros, quando ganham, mas não desistem por causa da imagem. Sei de muitos jogadores que acabam por viver à custa dos pais, sem a ajuda deles não conseguiriam.»

Hélder Calvino: segurança, barman e animador noturno

Calvino assinou contrato profissional com o Boavista em 2003. Não esconde que se deslumbrou com a perspetiva de um salário elevado, mais casa e carro pagos pelo clube.

«Se ganhas 5.000, fazes vida de 5.000, não de 500. Ninguém faz isso, é muito bonito falar, mas infelizmente não é assim. Aconteceu comigo e acontece com muitos.»

O ex-jogador procurou juntar algum dinheiro mas cedeu a inúmeros desvios no percurso. Faltou «uma pessoa que dê bons conselhos». «Tinha os meus pais a tentar colocar-me no bom caminho, mas de resto era tudo a dizer-me para gozar a vida», explica.

«Sei do meu valor, sei que podia ter chegado ao topo, tinha qualidades mais que suficientes, mas sei que não cheguei por lá por minha causa. Para além disso, faltou um aconselhamento. Um miúdo que está habituado a ganhar 200 euros e depois passa a ganhar 5.000 tem de ter alguém ao lado que lhe diga como é o mundo. Sempre fui um bom miúdo, cometi erros mas também sei que merecia mais oportunidades, sobretudo naquele ano do Boavista.»



A fama chega rapidamente e com ela vêm os convites. As tentações.

«Foi isso que me aconteceu aos 18/19 anos. Fui ganhando fama de sair à noite, mas qual é o jovem que não gosta de sair de vez em quando? Tinha mais fama que proveito. E agora, que trabalho na noite, vejo muitos profissionais de futebol a sair à sexta e ao sábado. Quando estou no bar até me vêm pedir bebidas, seja depois dos jogos ou mesmo tendo jogo no dia seguinte.»

Hélder Calvino sabe que tudo pode mudar em poucos anos. Quando deixou de andar pela Liga e começou a poupar dinheiro sentiu que vários conhecidos se foram afastando.

«Já não havia dinheiro para pagar jantares, garrafas de uísque, champanhe. Já não andava de BMW, andava de Megane, e vi as pessoas a afastaram-se. Andou muita gente a viver às minhas custas. Quando ganhava 5.000 euros, não faltam amigos, convites, interesse. Quando comecei a ganhar menos, 2.000, 1.700, as pessoas começaram a afastar-se e a falar mal de mim. Percebi que só tinha a família e meia dúzia de amigos de verdade.»



O fim da carreira chegou em 2012/13. Seguiu-se um período de nojo, de afastamento total do futebol. Calvino não esconde o seu desencanto, lembrando que os salários em atraso acabaram por condicionar a sua vida: «Se tivesse o dinheiro que me ficaram a dever não estaria nesta situação.»


«Nesta altura só quero distância do futebol e já não vou ver jogos há muito tempo. Fiquei tão desiludido que prefiro jantar com os amigos, ver cinema ou passear do que ver um jogo. Às vezes vejo uns DVDS dos meus jogos, mas sei que já passou, não vivo da ilusão, tenho de viver do presente.»


Hélder Calvino olha em frente e reinventa-se. Trabalha dia e noite, geralmente sem folgas, para subsistir longe do futebol. Não descarta ainda assim a hipótese de um regresso para aconselhar os mais jovens. Transmitir as boas experiências e igualmente as más.

«Se calhar um dia gostaria de ser treinador de futebol de miúdos. Isso sim, isso iria dar-me prazer, porque a experiência é importante para os jovens, até na vertente de aconselhamento. É essencial e é algo que me faltou.»