Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? O dinheiro ganho ao longo dos anos chega para subsistir? Confira os testemunhos, de forma regular, no Maisfutebol.

Três golos ao FC Porto com a camisola do FC Maia, internacionalizações pelas seleções sub-20 e sub-21, um contrato de oito temporadas com o Sporting.

Em 1998, Ivo Damas era uma das maiores promessas do futebol português. Dezasseis anos mais tarde, procura agarrar o futuro já sem a bola nos pés.

Comercial do ramo automóvel aos 37 anos. O antigo jogador enfrenta a nova realidade numa concessionária com forte presença no mercado nacional.



Ivo Damas terminou a sua carreira em 2010, no Atlético Clube de Vila Meã, já após uma experiência pouco feliz no futebol de Chipre. Chegara a altura de pendurar as chuteiras e garantir uma nova forma de subsistência.

«Enquanto ainda jogava no Vila Meã, comecei a trabalhar como comercial mas nada a ver com o ramo automóvel. Entretanto terminei a carreira e mudei para esta área. Trabalho em Paredes, com a marca Peugeot, e fui aprendendo a gostar do que faço», explica.

Divide o seu tempo entre o stand e as ruas, contactando diretamente empresas e particulares. Habituou-se ao fato e gravata, à linguagem cuidada e às críticas pontuais. Para além disso, conta, continua a ser reconhecido.

«Algumas pessoas têm a ideia errada dos comerciais, acham que pretendem apenas enganá-las, e por vezes são desagradáveis em algumas coisas que dizem. Não posso aceitar isso, porque sempre me regi por princípios, quer no futebol quer agora na nova profissão. Para além disso, alguns clientes ainda me reconhecem e perguntam o que é que estou ali a fazer.»

Em 2008, o Maisfutebol entrevistou Ivo Damas em Termas de São Vicente, a sua terra. Preparava-se para a primeira experiência fora do país, era presidente do clube local e tinha uma escolinha de futebol.

O que mudou entretanto?

«A experiência em Chipre não correu bem, tive problemas físicos e não me sentia útil. Estava longe da família, portanto voltei. Ainda joguei no Vila Meã e foi lá que acabei a carreira. No clube da minha terra, ainda consegui federar a formação mas a certa altura percebi que eu e a minha família estávamos a fazer quase tudo, foi um desgaste enorme, e acabei por sair. Quanto à escolinha, com muita pena minha, não tive os apoios necessários e também acabei por encerrar o projeto», sintetiza Ivo Damas.

O terceiro filho (filha, neste caso) e o divórcio acentuaram a necessidade de um afastamento completo do futebol, por ora.

«Cheguei a exercer funções de treinador mas entretanto tive de deixar, precisava de tempo para estar com os filhos, sobretudo a minha filha mais nova. Não é um adeus definitivo porque continuo a ter convites e sonhos. No futuro, espero tirar o II Nível do curso de treinadores e abraçar a carreira, mas começando de baixo para cima, e não de cima para baixo, como foi a minha carreira de jogador. Para além disso, quero ter um espaço meu, um sintético para aluguer e para utilização própria, para um projeto de formação.»

Ivo Damas não deixa de sonhar. De qualquer forma, a antiga promessa do futebol português foi-se adaptando a uma nova realidade.

«Sou comercial e sei que seria difícil arranjar outra coisa porque não tenho estudos. Fiz o 9º ano mas entretanto fui para Lisboa (ndr. para o Sporting) e deixei o 10º ano incompleto. Foi um erro e por isso digo sempre ao meu filho, que adora futebol, para não fazer o mesmo. Ronaldo só há um, apanhei-o no Sporting e ele já dizia que ia ser o melhor do Mundo. Também costumo repetir um pensamento muito importante: uma coisa é ir ao treino, outra coisa é treinar.»



O comércio de automóveis é um desafio estimulante mas bem menos rentável que no passado recente.

«Claro que ganho menos do que na carreira como jogador, sobretudo se pensar nos contratos com o Sporting ou o Alverca. Mas falo com colegas meus que há uns cinco anos, antes da crise, tiravam 2.000/2.500 euros por mês. Isso já é mais do que se ganha em alguns clubes da Liga e nesta área não há salários em atraso, mas infelizmente agora é difícil ganhar mais de metade disso. Se antes de venciam 12/13 carros por mês, agora vendemos 3/4.»

O antigo jogador passou a controlar as despesas.

«Olhe, ganho menos mas também gasto menos. Um jogador trabalha 3/4 horas por dia, tem muito tempo livre e muito dinheiro para gastar. Vou ganhando o possível numa área que já esteve melhor. A classe média está a desaparecer, já não há crédito para os mais jovens comprarem um automóvel e as prestações são altas para os orçamentos mensais. Eu, por exemplo, não conseguiria trocar de carro nesta altura».

Esta é a segunda vida de Ivo Damas, à volta de um stand de automóveis em Paredes.

«Tive de me adaptar e ando de cabeça erguida, mudei a minha vida mas consegui manter-me de pé. Só tenho é de agradecer a muitas pessoas que me apoiaram, em especial aos meus pais, aos meus filhos (Beatriz, Ivo, Vitória) e à minha namorada (Fátima). São eles o suporte desta minha mudança.»

O futebol espera. Ivo Damas voltará, por certo, com as marcas de feridas que tardam em sarar.

«Orgulho-me da carreira que tive, lutei por ser e fui. Queria um grande e a seleção principal, joguei no Sporting e cheguei aos sub-21. Podia fazer mais, mas fui desaproveitado.  Na altura do Sporting o Simão Sabrosa era meu suplente, correspondi mas depois tudo mudou, foram incorrectos comigo. Ainda hoje me custa falar disso. O futebol levou-me a várias desilusões e também foi por isso que me afastei por completo quando acabei, precisava desse tempo. Agora sinto-me preparado para voltar, havendo uma boa possibilidade.» 

Para a história ficam jogos como este, para a Taça de Portugal, em que marcou três golos ao FC Porto.