Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Acompanhe os testemunhos no Maisfutebol e na Maisfutebol Total. Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.

Fernando Nélson Jesus Vieira Alves ou simplesmente Nélson. Tem atualmente 44 anos, terminou a carreira em 2003 e ficou com um currículo de respeito: campeão da II Liga pelo Salgueiros, campeão pelo FC Porto, vencedores de três Taças de Portugal (Sporting e FC Porto) e quatro Supertaças (Sporting e FC Porto).

Lateral discreto e eficiente, disposto a cumprir com idêntica qualidade à esquerda, Nélson lamenta apenas não ter conseguido maior projeção na Seleção Nacional. Foi campeão do Mundo de sub-20, vice-campeão da Europa de sub-21 e fez parte da primeira seleção lusa a vencer o Torneio de Toulon.

Uma carreira rica, repleta de sorrisos, que terminou sem que ninguém desse por isso. Pouco dado à exposição pública, Fernando Nélson despediu-se aos 31 anos, após uma época 2002/03 em que não conseguiu evitar a despromoção do V. Setúbal.

O que tem feito este antigo lateral? É antes de mais um membro assumido do Opus Dei, a nem sempre consensual organização da Igreja Católica.

«Foi algo que abracei ainda durante a carreira de jogador e mantenho a forte ligação até aos dias de hoje.»

A conversa com o Maisfutebol, de qualquer forma, incide essencialmente sobre a sua atividade profissional. Por onde anda o ex-jogador?

Quem passou pela Arena da In Time Sports na Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa, ao longo do último ano viu Nélson fazer de tudo um pouco naquele espaço.  Um verdadeiro homem dos sete ofícios.

«Algumas pessoas estranham, de facto. Mas tem a ver com a minha forma de ser. Estive em Lisboa um ano, para lançar o espaço, e nesse período envolvi-me em tudo. Tratava das reservas, fazia a receção, sempre que era necessário fazia limpezas, tentava arranjar o que tinha quebrado, enfim. O que fosse preciso.»

ITS Arena (Foto: Facebook oficial da In Time Sports)
ITS Arena (Foto: Facebook oficial da In Time Sports)

O antigo jogador de clubes como Sporting e FC Porto voltou recentemente à Invicta e continuará a dedicar-se à gestão de espaços desportivos.

« Esse espaço de gestão própria entrou nos carris e estou no Porto. Temos ainda mais um espaço em Telheiras, e outro no Porto, ou melhor em Vila Nova de Gaia, na zona da Arrábida.»

Fernando Nélson trabalha na empresa desde 2008. O desafio partiu de três amigos, os investidores na área de negócio que se centrava, nessa altura, em Academias de Futebol (Superball).

«O bichinho da exploração de espaços desportivos ainda estava em fase embrionária. Entretanto essa área de negócio cresceu, pediram-me para ficar com isso e saí da parte das Academias. Cá estou há mais de três anos e gosto bastante porque lido com muitas e todo o tipo de pessoas.»

Essa tem sido a vida do antigo jogador, entre campos de futebol, futsal e até padel, modalidade que vai despertando enorme curiosidade. Porém, não foi a primeira aposta de Nélson quando terminou a sua carreira.

«O que tinha em mente era trabalhar numa estrutura profissional de futebol. Acabei a carreira em agosto de 2003 e no mês seguinte inscrevi-me na Universidade Católica. Tirei um MBA em Gestão Desportiva mas como nunca vive conectado com lobbys ou grupos, não surgiram convites de cima.»

O destino levou-o de volta da ponta de partida: o Sport de Rio Tinto. Não ao pelado do Campo da Ferraria, onde deu os primeiros pontapés na bola a par do irmão Albertino, mas ao novo Estádio do clube da cidade nortenha.

«Como sou de Rio Tinto e comecei no Sport, convidaram-me para integrar a estrutura, como vice-presidente para a área de futebol. Não surgiram convites do futebol profissional e aceitei trabalhar no futebol amador.»

Nélson abraçou o novo desafio e chegou com naturalidade à presidência do seu Sport.

«Os desafios diários são muito superiores a um clube profissional. É um desgaste tremendo, um pincel como se costuma dizer, tinha de tratar desde simples aquisições como papel higiénico, champôs, detergentes, até às questões técnicas da equipa de futebol. Foi exaustivo mas deu-me grande bagagem.»

Sport Clube de Rio Tinto (Foto: Facebook oficial do SC Rio Tinto)

O antigo lateral esteve na liderança do clube dos arredores do Porto entre 2004 e 2008. Um susto levou-o a mudar de direção.

«Saí porque tive um problema de saúde. Pensava que era uma questão cardíaca, mas fiz exames e foi-me detetada uma crise vagal. Vi que toda a minha vivência podia estar a influenciar a minha saúde e decidi retirar-me, baixar o ritmo. Desde que tenha um ritmo controlado, não há problema nenhum.»

Pelo caminho foi ficando a experiência no ramo imobiliário, que chegou a partilhar com Albertino. Entretanto ficou com a quota da empresa que pertencia ao irmão mas trata-se de uma atividade residual, afetada pela crise no setor.

Aos 44 anos, o ex-internacional português vive da gestão dos espaços desportivos para a prática amadora e lamenta nunca ter trabalhado numa estrutura profissional. Aliás, sente que o futebol virou as costas a dezenas de antigos jogadores com altos pergaminhos.

«Há muito abutre, muito parasita. Pessoas que não tendo nada a ver com o meio, se aproveitam do meio. As estruturas precisam de pessoas qualificadas em outras áreas, que não no futebol, mas os ex-profissionais de futebol foram sendo postos de lado em outras funções, essencialmente técnicas, que não em graus de decisão.»

«Ninguém soube quando acabei a carreira»

Fernando Nélson sempre optou pelo low profile e sabe que isso o terá prejudicado em alguns momentos da carreira. Saiu de cena sem alaridos, como entrou, e nunca colocou a hipótese de seguir uma carreira de treinador. Estava desgastado.

«Ninguém soube quando acabei a carreira. Nunca fiz alarde do que quer que seja. A minha vida pautou-se sempre pela discrição. Por outro lado, nunca me despertou ser treinador, é a posição mais ingrata numa estrutura do futebol. Fui tendo saudades do tempo em que jogava mas ao mesmo tempo foi um alívio quando acabou. Era como um balão que estava completamente cheio.»

Surgiu no Sport de Rio Tinto e chegou à formação do FC Porto em 1983. Nos juniores transitou para o Salgueiros e faria a estreia na Liga, com tenra idade, pelo histórico de Paranhos. Surgiu nessa altura o lateral Nélson, que tinha a ambição de fazer carreira…como ponta-de-lança!

«Fiz a formação toda como avançado, goleador, ponta-de-lança! E o que mais gostava na vida seria ter feito a carreira como ponta-de-lança. Mas também sei que não conseguiria ter a carreira como tive. Joguei a central, muitas vezes a lateral esquerdo, em Inglaterra joguei muito a meio-campo, mas nunca como avançado. Se nos seniores tivesse recusado jogar a lateral direito quando Filipovic me propôs isso, nos Salgueiros, não teria tido a carreira que tive.»

Em 1991 é contratado pelo Sporting e fica cinco épocas no clube leonino. Não se lembra exatamente quando jogou pela primeira vez como lateral esquerdo, como solução de recurso, mas essa polivalência viria a marcar o seu percurso.

«É algo que prejudica sempre. No fundo estamos a abrir uma brecha para que o colega que jogue à direita agarre a posição. Sempre fiz várias posições mas isso não é muito bom para um jogador. Lembro-me que a primeira vez como lateral esquerdo foi no Sporting. E a partir daí passei a ser visto como solução para esse lugar.»

Mas Nélson guarda boas recordações dos anos em Alvalade.

«Ainda tive momentos muito bons em Alvalade, o único senão foi nunca termos conseguido o título de campeão e estivemos perto de o conseguir por duas vezes. Mas tivemos o 3-6 com o Benfica e no ano seguinte o 0-1 com o FC Porto, golo do Domingos Paciência. Foi pena, porque tínhamos uma equipa fantástica, que jogava um futebol de grande qualidade.»

Algumas etapas importantes na carreira profissional de Nélson

O Aston Villa deu-lhe a possibilidade de jogar no campeonato inglês, entre 1996 e 1998.

«Jogar no futebol inglês foi uma experiência fantástica, inesquecível. Lá vive-se o futebol de forma completamente diferente.»

«Senti que estava a mais quando o FC Porto contratou o Ibarra»

O regresso a Portugal seria feito pela porta do FC Porto, permitindo o regresso de Nélson ao norte do país. Curiosamente, numa época marcada por inusitadas lesões, conquistou o seu único título de campeão. Era, aliás, o Pentacampeonato dos dragões, garantido em 1999.

«Depois seguiram-se anos horríveis no clube. Ainda joguei bastante mas a certa altura percebi que estava a mais. Porquê? Porque o FC Porto contratou o Ibarra, depois havia o Secretário e eu pura e simplesmente deixei de jogar. Nem com a chegada de Mourinho isso mudou.»

Nélson considera que a decisão partiu da direção do FC Porto. Seria o início de uma fase negra para o lateral.

«Quando Mourinho chega, pede que eu regresse à equipa principal. E regressei de facto, mas sempre que fui chamado às convocatórias, fui para o banco. Mesmo quando não havia lateral direito, jogou lá o Cândido Costa e eu fiquei no banco. Acredito que por decisão da direção, não pelo Mourinho.»

O defesa português, então com 30 anos, sai do clube portista em 2002 e assina pelo Vitória de Setúbal. Volta a sentir-se importante, a jogar com regularidade mas não consegue impedir a despromoção da equipa sadina.

«Foi outro ano horrível, mas a jogar sempre. A equipa foi montada para fazer época de excelência, mas sentimo-nos empurrados para a segunda. Coincidiu com o ano das obras dos novos estádios para o Euro2004 e foi isso que senti, sinceramente…»

O V. Setúbal vai para a segunda e o tempo passa para Nélson. As negociações para a saída arrastam-se, o jogador chega a fazer parte da pré-época e chega finalmente a acordo. Já em agosto, com poucas ou nenhumas portas abertas.

«Já tinha começado a pré-época em Setúbal porque as pessoas não tomaram decisões. Isso prejudicou-me imenso. Nessa altura estava praticamente tudo fechado, aqui e lá fora. Não tinha empresário, ficou extremamente complicado. Ainda tive uma proposta do Feirense, para jogar um ano na segunda divisão e depois passar a diretor-desportivo. Mas estava farto, não queria jogar, muito menos na segunda divisão.»

Fernando Santos termina assim a carreira profissional em 2003, com apenas 31 anos. O ponto final chegou de forma amarga, sem pré-aviso, ficando como um dos grandes desgostos de um percurso interessante.

«Foi pena de facto terminar essa forma, não estava programada. Também lamento nunca ter sido campeão no Sporting e não ter estado em fases finais pela Seleção Nacionais. Tive 10 internacionalizações e mais 20 ou 30 jogos como suplente! Sinceramente, acho que tinha menos peso que outros. Senti isso sobretudo na seleção. Sempre fui discreto, tinha menos projeção mediática e era mais fácil deixar o Nélson no banco. Eu não tinha nem boa nem má imprensa, tinha sim inexistência de relevância na imprensa.»

A Seleção Nacional de Sub-20 que venceu o Mundial em 1991

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