Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? Confira os testemunhos, de forma regular, no Maisfutebol.

Estoril, 1995/96. A equipa orientada por Carlos Manuel apresenta um ataque promissor com dois jovens portugueses: Pedro Pauleta e Luís Cavaco. Juntos, marcam trinta golos na Divisão de Honra e despertam o interesse de clubes de renome.

Vinte anos mais tarde, Pauleta está na estrutura da Federação Portuguesa de Futebol e guarda recordações de uma carreira ao mais alto nível. Cavaco, por outro lado, sente que podia ter chegado mais longe e trabalha como segurança num centro comercial de Almada.

O antigo jogador, atualmente com 43 anos, acumula o emprego no 'shopping' com a representação de uma marca desportiva internacional.

«Não sou pessoa de andar a pedir favores e acabei por me afastar do futebol. Comecei por trabalhar como funcionário da empresa de representação de uma marca desportiva mas senti que precisava de um rendimento fixo e surgiu esta oportunidade como segurança no Almada Fórum.».

Cavaco trabalha a tempo inteiro na empresa de segurança e ainda tira umas horas do seu dia para negociar a venda de equipamentos a clubes, escolas de futebol e empresas.

«São muitas horas, é certo, mas tenho duas mãos e duas pernas para trabalhar e é isso que faço, sem problemas. Claro que ao início tinha pessoas que olhavam para mim e pensavam no que estava a fazer ali, como segurança num centro comercial, depois de ter sido jogador. Mas precisava de estabilidade, tenho família e há sempre contas por pagar, portanto há cinco anos que tenho este emprego e não me arrependo.»



O ex-avançado terminou a carreira em 2006, com a camisola do Portimonense, e teve uma breve passagem pelos bancos.

«Fui treinador-adjunto no Olivais e Moscavide mas as coisas não correram da melhor forma e percebi entretanto que não podia ficar à espera de outra oportunidade. Tive de cair na real. Pode ser que no futuro volte, claro que gostava, mas para já a minha realidade é esta.»


Em 2008 entrou para uma empresa de representação de uma marca desportiva e ocupa essa função até aos dias de hoje.

«Passa pela venda de equipamentos e já temos algumas equipas da Liga: V. Guimarães, Académica e, na próxima época, o Marítimo. Gosto dessa atividade, cheguei a exercê-la a tempo inteiro mas tive de procurar algo mais entretanto. E quando se abdica dos estudos para se dedicar ao futebol, como me dediquei em 16 anos como profissional, há poucas alternativas. Temos de nos agarrar ao que aparece.»

Luís Cavaco abraçou uma nova realidade, passando os seus dias – e noites – no Almada Fórum.

«É um trabalho por turnos, ainda hoje por exemplo vou entrar à meia-noite. E não dá para dormir ali! Há sempre coisas a acontecer. Estamos capacitados para primeiros-socorros, para usar desfibrilhadores, para lidar com incêndios e somos sempre os primeiros a agir.»

O que faz então um segurança de centro comercial no dia-a-dia? O antigo jogador explica ao Maisfutebol.

«Já tivemos vários carros a incendiar-se no parque de estacionamento e felizmente resolvemos sempre a situação, nunca tivemos de chamar os bombeiros. Para além disso, o mais habitual é lidar com roubos e também com os grupos que vão aparecendo, de 30 ou 40 jovens, para arranjar problemas.»



«Arrependo-me de não ter continuado em Inglaterra»


Estoril, 1995/96. Regressemos ao passado. Depois de crescer nas camadas jovens do Almada AC, Luís Cavaco passa por Silves, Estrela da Amadora e Casa Pia até chegar à equipa da Linha.

Os golos de Pauleta e Cavaco na Divisão de Honra chamam a atenção de vários clubes mas, no final da temporada, os dois avançados portugueses emigram.

Pedro Pauleta segue para Salamanca, Luís Cavaco assina pelo Stockport County de Inglaterra. Porquê?

«Tínhamos um acordo assinado com o Belenenses, estava tudo tratado, mas houve eleições entretanto e gerou-se ali uma confusão, a transferência caiu por terra. O Estoril pediu 90 mil contos pelos dois, não sei se foi por isso. Foi pena porque na altura o Belenenses estava bem na Liga.»

Enquanto o Ciclone dos Açores vai conquistando o futebol espanhol, o parceiro de ataque faz as delícias dos adeptos do Stockport numa época histórica para o clube, que garante a subida na Division Two e chega às meias-finais da Taça da Liga inglesa.

Na Taça da Liga, o modesto emblema afasta clubes do escalão principal como o Southampton e o West Ham. Cavaco foi o autor de um golo importantíssimo em Upton Park.



«O primeiro ano no Stockport County foi muito bom, só que entretanto fiquei marcado uma lesão grave. Fraturei a tíbia e o perónio, tinha 25 anos e estive quase dois sem jogar, numa altura decisiva da carreira.»

O avançado continua a ser recordado no emblema inglês e regressou nos últimos anos a Stockport para participar em iniciativas do clube. Aliás, sente que devia ter ficado em Inglaterra, onde se sentia reconhecido.

«Arrependo-me de não ter continuado em Inglaterra. O segundo ano no clube foi difícil por causa da lesão e acabei por regressar a Portugal, mas penso que a minha carreira teria sido diferente se tivesse continuado lá, onde fui mais reconhecido.»



Cavaco assina pelo Boavista mas faz penas um jogo na Liga portuguesa, já em maio de 1999. Segue então para o sul do País onde representa o Farense durante três épocas.

«Só comecei a ser utilizado com maior frequência na segunda volta da primeira temporada e até como lateral direito. Aliás, começaram a olhar para mim como um jogador polivalente e não como o avançado que sempre fui. Passei a extremo, a médio, a lateral, enfim, de tudo um pouco.»


Fez 55 jogos no campeonato nacional pelos Leões de Faro e despediu-se dos grandes palcos. Em 2002, já trintão, rumou ao Felgueiras da Liga de Honra e ficou por esse escalão, pendurando as chuteiras após um ano no clube nortenho e três no Portimonense.

«Esperava mais da minha carreira, sobretudo depois daquele ano no Estoril e a passagem pelo Stockport. Mas enfim, não foi possível e sou pouco de me agarrar ao passado. Ficam as memórias e a certeza de que tenho de olhar em frente, sabendo que ainda tenho objetivos para cumprir.»