Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? Como subsistem longe do mundo do futebol? Confira os testemunhos, de forma regular.

Idalécio. Não representou um grande do futebol português mas está seguramente na memória dos adeptos. Central de elevada estatura (1,96 metros), importante no período de crescimento do Sp. Braga – clube que representou entre 1996 e 2002 – e com três épocas de bom nível no Rio Ave.

O antigo defesa algarvio, nascido em Loulé, tem atualmente 42 anos e viu-se obrigado a emigrar para garantir um futuro estável para a sua família. Idalécio chegou a Londres em 2013 e tem desenvolvido competências na área da restauração.

Por estes dias é Chef D’Pass no Novikov londrino, um dos restaurantes mais famosos da capital de Inglaterra. Espaço badalado, com dimensões consideráveis e uma extensa lista de clientes onde se podem encontrar centenas de caras conhecidas.


[Paul Pogba (Juventus) e Idalécio]

Idalécio Rosa sente-se realizado. Foi para o Reino Unido por conta própria, deixando a família para trás numa primeira fase. Começou por trabalhar num casino, passou entretanto pelos Caffé Concerto e chegou ao Novikov em maio de 2015. Fez de tudo um pouco, foi empregado de mesa e evoluiu com a mesma naturalidade com que se impunha nos relvados do futebol português.

«Em março completam-se três anos desde a minha chegada a Londres. Comecei por vir sozinho, durante uns meses, e a minha família juntou-se a mim mais tarde. Vim sobretudo a pensar no futuro das minhas filhas e hoje posso dizer que valeu a pena. Estava a trabalhar na formação do Quarteirense mas as coisas não corriam da melhor forma e fiz as malas. Tinha o desejo do futebol mas sem grandes ilusões.»

O antigo central ainda jogou futebol em Inglaterra, no FC Porto of London e no Sporting Clube de Londres, para além de treinar jovens num clube local. Porém, a sustentabilidade financeira passaria pelo mundo da restauração.

«Sendo algarvio fui sempre falando inglês e isso foi importante quando cheguei aqui. O processo não foi nada fácil, ainda assim. No casino, por exemplo, o trabalho incluía a manutenção e a limpeza do espaço, era duro. Mas valeu a pena e hoje temos uma situação que consideramos boa.»

Idalécio trabalha no espaço asiático do Novikov – cadeira de restaurantes do multimilionário russo Arkady Novikov – em Mayfair, enquanto a esposa faz reservas para restaurantes e as duas filhas estudam em escolas londrinas.

«A grande dificuldade foi a casa. Quem vem normalmente vive em casas partilhadas mas nós precisávamos do nosso espaço. Aqui, Os dois membros do casal têm de ter contrato de trabalho e os proprietários ligam para os empregos a pedir referências. Mas existem coisas muito boas, como as escolas públicas: aí só temos de comprar as fardas, que existem nas escolas e nos hipermercados, e depois as miúdas só precisam de levar uma caneta e um lápis. Todos os livros e material de apoio são por conta da escola.»


A família de Idalécio trocou o calor e o sol do Algarve pelo tempo cinzento de Londres. Sem espaço para arrependimentos.

«Não é do sol que vamos viver. Infelizmente, Portugal está muito mal gerido. Acredito nesta altura que o futuro das minhas filhas passa por Inglaterra, um país onde não se liga à idade, onde somos valorizados, assente numa filosofia que tem tudo a ver connosco.»



Marisco português, clientes famosos e o restaurante sempre cheio

O ex-jogador conversa com o Maisfutebol a meio de uma saborosa folga. Os longos horários de trabalho, não raras vezes até altas horas, obrigam a sacrifícios e a contacto reduzido com as filhas. É a outra face da moeda num cenário animador.

«Ganha-se bom dinheiro embora os horários sejam complicados. A pouco e pouco vou conquistando o meu espaço e sinto que o futebol também me preparou para isto. No restaurante é preciso lidar com equipas, com diferentes tipos de pessoas, e durante a carreira fui várias vezes escolhido para ser capitão de equipa, talvez porque as pessoas gostavam da minha presença e do meu perfil.»

É possível encontrar Idalécio no espaço asiático do Novikov, junto a uma enorme mesa de mariscos que divide a sala de jantar da cozinha.

«Sou no fundo o intermediário entre a cozinha e o pessoal de 'floor', os 'waiters', empregados de mesa. Temos uma mesa com diversos mariscos, onde é possível encontrar marisco vindo do Algarve por influência do Décio, também antigo jogador de futebol, que tem uma boa relação com o proprietário do restaurante.»


O ritmo de trabalho é intenso e as salas estão sempre cheias.

«Ao almoço costumamos ter entre 60 e 150 pessoas, enquanto ao jantar pode chegar às 300 ou 400 pessoas! É um ritmo louco. Eu estou na parte de restaurante asiático, existe outro italiano e ainda uma zona de Lounge. Costumam passar por aqui várias personalidades ligadas ao futebol e vai dando para matar saudades. Já tive aqui portugueses como o Ricardo Quaresma, o Raul Meireles, o Bosingwa. O Cédric e o José Fonte também costumam passar por cá com alguma regularidade, para além de outras figuras do futebol.»


[Idalécio e Brahimi (FC Porto)]

Idalécio não descarta a possibilidade de abraçar novos projetos no mundo do futebol mas o futuro imediato passa pela restauração. Para além de trabalhar no Novikov – a sua função principal – o antigo central iniciou uma colaboração recente com a ACRSoccer, empresa portuguesa de gestão de carreiras.

«Experiência mais gratificante foi jogar pelo Sp. Braga na Europa»

Idalécio fez mais de 300 jogos como profissional no futebol português. Formado nas camadas jovens do Louletano, o defesa estreou-se no primeiro escalão com a camisola do Farense, na época 1995/96. Daí seguiu para Braga, para se tornar uma referência do Sporting local.

«A experiência mais gratificante da carreira foi jogar pelo Sp. Braga na Europa, sendo que nessa altura o Sp. Braga não tinha as condições que tem hoje. Fizemos coisas muito bonitas. Também fui feliz no Rio Ave mas as coisas não terminaram bem. No 2º ano, fui dos jogadores mais utilizados e quando Carlos Brito saiu para o Boavista quis levar-me com ele. Não deixaram, diziam que era muito importante. Mas passados um par de meses deixei de jogar e fui riscado.»


Foram seis anos no Sp. Braga e três no Rio Ave. Pelo meio, Idalécio representou ainda o Nacional da Madeira. Quando saiu do clube de Vila do Conde, em 2006, rumou ao Trofense e posteriormente ao Gondomar. Em 2008, regressou por fim ao seu Algarve, representando Louletano, Farense e Quarteirense na reta final da digna carreira.

«Fico feliz pelo que consegui. Gostava de ter tido uma oportunidade num grande e, claro, na seleção nacional, mas tenho muito orgulho no que fiz durante a carreira. Atualmente, não preciso do futebol para sobreviver mas as pessoas lembram-se de mim, é bom sinal.»


[Idalécio no Sp. Braga]

Quando pendurou as chuteiras dedicou-se pontualmente à formação de jovens e teve de procurar meios de subsistência em outras áreas.

«Quem joga no futebol português, exceto se passar pelos grandes ou pelo estrangeiro, não consegue juntar um grande pé de meia. Tive de fazer-me à vida, lutar. Trabalhei numa imobiliária no Algarve mas também não correu da melhor forma e acabei por emigrar.»


Idalécio não esconde algum desalento pelo atual estado do futebol jovem em Portugal e pela necessidade de afastamento de um desporto que foi o seu ao longo de duas décadas.

«O futebol jovem em Portugal atravessa um período muito mau, perderam-se muitos valores e não há uma mensagem positiva por parte dos pais. Por outro lado, claro que tive alguma mágoa pela falta de oportunidades no futebol quando terminei a carreira, mas agora estou bem e só volto ao futebol se for algo com pés e cabeça. Estou a deixar boa imagem aqui e posso crescer muito no mundo da restauração em Londres.»