Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt

Ramires, lembra-se?

Lembra, seguramente. Foi formado no Sporting, passou pelo Benfica, mas foi no Alverca que criou uma história. Hoje afastou-se do futebol, mas não afastou o futebol dele.

É líder de uma equipa de venda de suplementos naturais e conta nessa equipa com o antigo guarda-redes Paulo Santos, que passou por Benfica, FC Porto e Sp. Braga, com o ainda guarda-redes Carlos Fernandes, que passou por Boavista e joga agora no Vilafranquense, e com João Martins, que representou o Alverca, o Desp. Chaves e hoje joga no Luxemburgo.

Continua rodeado portanto de amigos do mundo da bola.

«Não somos vendedores, não se trata de venda agressiva, é digamos uma economia de auto-consumo. Basicamente o meu dia a dia consiste em abordar amigos, familiares ou conhecidos sobre os suplementos e os efeitos no nosso bem-estar, explicar-lhes que são suplementos que funcionam ao nível do sistema imunológico», conta.

«Abordo basicamente os benefícios do suplemento, mas também do próprio negócio, porque qualquer um pode ser empresário  e adquirir liberdade financeira.»

Ora a liberdade financeira, precisamente, foi o que em primeiro lugar o trouxe para este novo mundo. Quando terminou a carreira, Ramires precisava de dinheiro.

«A hipótese de fazer isto surgiu através de uma amiga minha que conheci no Luxemburgo. Infelizmente com o divórcio a minha vida desestabilizou-se um pouco na fase em que estava a acabar a carreira e fui à aventura para o Luxemburgo a pensar em fazer o que mais gosto, que é jogar futebol, mas também entrar no mercado de trabalho», diz.

«O futebol no Luxemburgo é semi-profissional, a maior parte dos jogadores trabalha e joga. Nesse sentido fui também para trabalhar e para conseguir alguma estabilidade financeira. Infelizmente as coisas não correram como queria, durante quatro anos ainda trabalhei e joguei, mas depois tive de deixar de jogar por causa de lesões musculares. Também deixei o trabalho que fazia e nessa altura decidi voltar para Portugal.»

Foi então que apareceu a 4Life.

«Essa minha amiga convidou-me para uma reunião, como nós temos todas as semanas. Fui uma vez, não entendi muito este tipo de negócio. Voltei uma segunda vez, e aí percebi melhor as coisas e decidi avançar. Não me arrependo e vou continuar nisto.»

Mas compensa financeiramente?

«Dá para ter a estabilidade que procurava. Até mais. Dá para ganhar mais do que ganhei no futebol. A 4Life já fez mais de cem milionários. É normal. A saúde e o bem estar é a próxima indústria a chegar ao trilião de dólares: estou a falar de suplementos, ginásios, produtos de beleza, tudo o que tenha a ver com isso», refere Ramires.

«Conto-lhe até a história de uma pessoa, que é um fisioterapeuta colombiano que estava emigrado em Barcelona. Dizia ele que ganhava com a clínica dele 12 mil euros, mas depois tinha de pagar as instalações, tinha de pagar aos funcionários, conclusão, ganhava três mil euros por mês. A 4Life mudou a vida dele, porque para fazer dinheiro não precisa de dar cabo da saúde. Agora diz que tem liberdade financeira, tempo e saúde.»

Mas afinal que suplementos são estes?

«Temos um suplemento natural, que é único no mundo, que se dirige ao sistema imunológico, para dar mais qualidade de vida às pessoas. Para além desse, temos vários outros, todos naturais. Temos 41 suplementos patenteados em Bruxelas, os suplementos estão registados no PDM dos Estados Unidos, que é o livro a que os médicos recorrem para estudo. Enfim, há estudos minuciosos, não são apenas mais suplementos», refere.

«Tomo três ou quatro suplementos por dia, e vou continuar a tomar, percebi que eles eram realmente bons. A alimentação de hoje em dia deixa-nos com um défice de sais minerais, vitaminas e proteínas, até porque os alimentos são muito alterados para crescerem rapidamente, por isso estes suplementos corrigem esse défice. Para além disso temos de ter uma alimentação saudável, como já tinha quando jogava, e temos de fazer exercício.»

Aos 41 anos Ramires não descura o bem estar físico e continua a tratar do corpo como tratava antes. Não perdeu os bons hábitos, no fundo: come bem, descansa e faz exercício.

«Corro, treino, embora faça treinos não muito exigentes, muitas vezes treino com o meu amigo Jorge Andrade e com os filhos dele, que também jogam futebol, ainda hoje estivemos a treinar no Jamor. Tento ter o mais possível a rotina do treino», sublinha.

«Até porque para tirar mais proveito dos suplementos, e para ter melhor saúde, há que treinar. Nem que seja meia hora de caminhada, já é suficiente para a maioria das pessoas.»

O futebol está hoje aprisionado entre uns jogos com os amigos, muito de vez em quando, e as memórias que Ramires partilha com orgulho.

Não fez uma carreira fabulosa, mas fez uma boa carreira.

Foi por exemplo campeão europeu de sub-18 e integrou a seleção sub-20 que ficou em terceiro lugar no Mundial do Qatar. Naquela que era uma grande seleção, aliás: Dani, Nuno Gomes, Quim, Beto, Mário Silva, José Soares, Bruno Caires, Rui Jorge, enfim.

«Só não fomos campeões mundiais porque o Dani ficou doente antes da meia-final com o Brasil e ele era fundamental na equipa.»

Era de facto. Um craque. Inesquecíveis os golos à Maradona que fez frente às Honduras e à Argentina, a fintar toda a gente desde o meio-campo. Só o Brasil, de Zé Elias, Denilson e Luizão, travou Portugal, nas meias-finais. A Argentina, que a seleção já tinha vencido na frase de grupos, acabou por ser campeã, e Portugal terminou no terceiro lugar.

«Tínhamos uma geração muito forte. No Mundial sub-20 praticamente todos os jogadores já jogavam na primeira divisão.»

Ramires jogava então no V. Guimarães, depois de vários anos na formação do Sporting.

«Tinha contrato profissional com o Sporting desde os 17 anos e desde essa altura que fazia jogos de reservas com o plantel principal, nos tempos de Bobby Robson. O Bobby Robson gostava de mim e se ele ficasse eu subia ao plantel principal na minha passagem para sénior. Era um plantel cheio de craques, com Figo, Balakov, Paulo Sousa, Cadete, Valckx, enfim. Eu ia ficar no plantel, mas o Bobby Robson é despedido e vem o Carlos Queiroz.»

Tudo mudou.

«Fui emprestado ao Torreense primeiro e a seguir vou para Guimarães incluído com o Capucho, o Edinho e um central brasileiro chamado Arley no negócio do Pedro Barbosa e Pedro Martins para Alvalade. Assinei por um ano. Tínhamos uma equipa também fantástica e eu para a minha posição tinha só os dois melhores extremos do futebol português: o Capucho e o Vítor Paneira. Mesmo assim entrei várias vezes como suplente do Capucho e no final desse ano vou para o Benfica.»

No V. Guimarães tinha assinado apenas por um ano, Pimenta Machado tenta renovar, mas não chegam a acordo. Quando o Benfica surge no horizonte, Ramires não hesita.

«Foi uma grande alegria», lembra.

«Cheguei ao Benfica quando a pré-época já estava praticamente acabada, sem ritmo, por isso eu, o Edgar e o Akwá quando não éramos convocados íamos jogar ao Alverca, que era satélite na altura. Depois também tive um microrrotura, parei três semanas e acabei por jogar quase sempre no Alverca. Em dezembro terminou o protocolo entre o Benfica e o Alverca e eu fui emprestado definitivamente. Nunca mais voltei.»

No Alverca fez três anos e meio cedido pelos encarnados e quatro anos já como jogador do clube ribatejano. Ao todo foram sete anos e meio, praticamente oito, que explicam que quando alguém hoje fala em Ramires a resposta seja quase sempre: o do Alverca?

«Sempre fui dos jogadores emprestados que mais fez e devia ter tido a oportunidade de fazer uma pré-época no Benfica. Houve jogadores como o Maniche e o Ricardo Carvalho que passaram pelo Alverca e chegaram ao topo, se calhar também merecia ter tido uma oportunidade. Não aconteceu, paciência.»

Seguiu-se o Santa Clara, o Imortal, de Albufeira, o Zamora, de Espanha, e o Luxemburgo, onde jogou nos últimos cinco anos da carreira.

«Ainda houve a oportunidade de ir para o Chipre, mas preferi ir para o Luxemburgo.»

Não foi uma carreira de topo, portanto, mas foi um boa carreira, estável, madura, duradoura, que passou por bons clubes, passou por todos os escalões das seleções jovens e passou sobretudo por dois grandes do futebol português.

Por falar nisso, por qual deles bate hoje o coração de Ramires?

«O meu clube é o Benfica. Antes de ir para o Sporting, desde miúdo, sempre fui benfiquista. Tenho um grande carinho pelo Sporting, devo-lhe tudo como jogador, fez de mim desportista e homem, mas o meu clube de coração é o Benfica.»

Talvez por isso seja possível vê-lo hoje, por vezes, nas bancadas do Estádio da Luz. A vida dele, afinal de contas, é esta nos dias que correm: venda de suplementos naturais, cuidado do corpo e o futebol como adepto.

Ramires não se queixa: é uma vida boa.

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