Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? O dinheiro ganho ao longo dos anos chega para subsistir? Confira os testemunhos, de forma regular, no Maisfutebol.

Carlos Manuel Borges Sebastião chegou rapidamente ao topo mas não conseguiu manter-se por lá. O médio ofensivo despontou no Vitória de Setúbal e motivou a cobiça dos principais clubes, optando pelo seu FC Porto.

Portista assumido, o jogador natural de Sesimbra rumou à cidade Invicta em 1998 e participou na inesquecível temporada do Penta. Titular na Taça frente ao Torreense (0-1) e suplente utilizado no último jogo do campeonato, na receção ao E. Amadora (2-0). Foi o ponto mais alto de uma carreira que terminou em 2004, quando Carlos Manuel ainda tinha 27 anos.

Desiludido com o futebol, o protagonista desta reportagem abraçou um novo desafio e passa os dias atrás de uma secretária, a realizar vários trabalhos administrativos.

De segunda a sexta-feira, pode encontrar um funcionário público pentacampeão na Tesouraria da Câmara Municipal de Sesimbra.

Leia ainda:  a lesão, o pesadelo Torreense e a festa do Penta

Carlos Manuel trabalha para a autarquia desde 2006, ou seja, há oito anos. Encerrou a carreira no emblema local, tirou alguns meses para passear com a família e deu rapidamente o salto para uma nova realidade, longe dos relvados.

«Sempre tive a ideia de tirar um ano sabático quando terminasse a carreira, pois o futebol é um mundo desgastante, física e sobretudo psicologicamente. Aproveitei para recuperar energias e passear com a família, que é sempre a grande afetada durante a carreira e para mim tem de vir em primeiro lugar», começa por dizer, ao Maisfutebol.

Entretanto, assumiu o cargo de Assistente Técnico na Câmara de Sesimbra: «Foi através de um concurso normal e, como tinha o 12º ano, teve a felicidade de ser contratado. Fiquei quatro anos nessa condição e entretanto entrei nos quadros, ou mapa de pessoa como se chama agora.»

«Ter concluído o 12º ano, quando era jovem, acabou por ser essencial para mim. Cheguei a inscrever-me em Comunicação Social no Instituto Politécnico de Setúbal, tive duas matrículas, mas por causa da carreira não consegui dar continuidade», recorda.

Carlos Manuel não se queixa da vida após o futebol. «Faço pagamentos, trato de documentação, enfim, tudo relacionado com a parte administrativa. É um horário das 9h00 às 17h00, com almoço das 12h30 às 14h00, de segunda a sexta-feira. Como uma pessoa normal.»



Bem aconselhado e ponderado, o antigo médio ofensivo foi planeando o futuro e, aos 38 anos, sente que não deu passos em falso.
 
«Não sou rico mas tenho a vida organizada», admite, explicando: «Hoje em dia tenho uma moradia, um emprego estável, se é que essa expressão ainda faz sentido nos dias que correm, e sou feliz.»

Carlos Manuel recorda algumas decisões importantes: «Assinei contrato profissional com o V. Setúbal quando tinha apenas 16/17 anos. Entretanto, com a ajuda dos meus pais, decidi comprar um apartamento e pagar as mensalidades. Quando fui para o FC Porto, com um salário melhor, paguei logo a totalidade do apartamento. Foram decisões como essa que me ajudaram no futuro.»

«Lembro-me de ir assinar com o FC Porto e Pinto da Costa contar-me que o João Manuel Pinto, logo após chegar, foi comprar um grande Porsche. O presidente disse-me para ter cuidado, para evitar gastos desses. E a verdade é que, sem ser forreta nem deixar de ter alguns luxos, tive sempre a preocupação de juntar um pé-de-meia», recorda, ele que «era dos jogadores que menos ganhava no FC Porto».

«Essa mentalidade depende também de quem te rodeia, era o que faltava e falta a muitos jogadores, e nisso tenho de agradecer o apoio da minha esposa e dos meus pais», salienta.

Zé Albano, que passou pelo FC Porto na década de 80, trabalha com Carlos Manuel na Câmara Municipal de Sesimbra, «mas em outra área».

Os traquinas de Sesimbra e o sonho de morar no Porto

Carlos Manuel afastou-se do futebol por iniciativa própria. Descontente com um mundo de interesses e desilusões, manteve-se à margem durante largos anos. Porém, abriu uma exceção recentemente e voltou a ter prazer em pisar um relvado.

«Fui pressionado, no bom sentido, por uma pessoa próxima a treinar miúdos no GD Sesimbra. Terminei a carreira um pouco chateado com o mundo do futebol e quis afastar-me, mas agora voltei e treinar os miúdos e tem-me feito bem. Treino os Traquinas, nascidos em 2006, do clube. Não queria ser treinador, mas entretanto aceitei esta experiência e motivei-me, até penso tirar o curso, mas para ficar a este nível.»



O antigo jogador passa os seus dias em Sesimbra, um destino apetecível, mas gostaria de estar mais a norte. Carlos Manuel tem o desejo assumido de voltar a morar no Porto.

«Um dos meus grandes arrependimentos foi não ter ido morar para o Porto logo no final da carreira, e não é por causa do clube. É pela cidade, pelas pessoas, pela comida, tudo. Quando vou ao Porto, gosto de passear na Foz e sinto que podia passar lá longas horas», revela, acrescentando de pronto: «A carreira possibilitou-me conhecer muitos sítios mas nenhum me cativou como o Porto. É um sonho por cumprir e sei que o irei fazer, seja quando for.»

O atual Assistente Técnico na Câmara Municipal de Sesimbra já equacionou a transferência para um organismo público na Invicta. «Já cheguei a sondar, mas dizem-me que nesta altura é muito difícil, quase impossível. Também tenho de pensar no melhor para a minha família, mas é algo que ficará como um objetivo de vida.»

«Quando posso, visito o Porto e faço questão de coincidir datas com jogos no Estádio do Dragão. Serei sempre portista e os meus filhos também são», remata o funcionário público pentacampeão.