Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.

Está preparado? Respire fundo...aqui vai: Esposende, Trofense, Ovarense, Canelas, Vila Real, Sp. Espinho, Santa Clara, Paços de Ferreira, Gondomar, Moreirense, Desportivo de Chaves e Ribeirão.

Depois de representar 13 clubes como sénior em Portugal, Tiago Martins fez as malas e jogou por outros 3 em França. Aceitou o convite para ser futebolista amador em troco de um contrato de trabalho numa empresa de instalação de ar condicionado.

Por cá, o extremo/avançado teve encontros curiosos com várias personagens que se destacam no futebol português: foi companheiro de equipa de um jovem Pizzi no Ribeirão, puxando pelo atual craque do Benfica. Antes, tinha sido orientado por Leonardo Jardim em Chaves e travado duelos com Marco Silva, brioso lateral direito do Estoril.

Aposta forte de José Mota após boas épocas na II Divisão B - «marquei 21 golos no Vila Real e 19 no Sp. Espinho» -, Tiago Martins acompanhou o treinador do Santa Clara e mais tarde no Paços de Ferreira. Subiu de divisão e teve a única experiência na Liga: apenas 6 jogos em 6 meses.

Insatisfeito com a falta de oportunidades na Mata Real, onde perdeu o lugar para Rui Dolores, o extremo/avançado pediu para sair em janeiro e não mais voltou ao escalão principal.

Aos 33 anos, cedeu aos convites que ia recebendo de França e fez as malas. Chegara a hora de preparar um futuro com sustentabilidade financeira.

«Eu costumava vir a França nas férias, porque os meus sogros estão emigrados cá, e nessas alturas os portugueses que formaram aqui um clube estavam sempre a convidar-me para vir de vez».

Já sem esperança de regressar à Liga, Tiago Martins representou sucessivamente Gondomar, Moreirense, Desp. Chaves e Ribeirão, já na 2ª Divisão B. Era o momento de decisões.

«Em 2008/09 fui para o Ribeirão e, nas férias de Natal, acabei por concordar em ir para França no final da época. Já tinha 33 anos e decidi pensar no futuro: fui como jogador amador mas com trabalho garantido. Estarei para sempre grato a David das Neves, na altura presidente, e ao vice José Curto, os dois portugueses que formaram o A.S. Perpignan Méditerranée e me convidaram para vir.»

«Nunca tinha trabalhado na minha vida»

Tiago Lino do Rosário Martins, nado e criado em Esposende, era jogador profissional de futebol. Ponto. Não tinha outras apetências, nunca tinha experimentado outro tipo de funções, sabia pouco mais que tratar com carinho uma bola de futebol.

«Nunca tinha trabalhado na minha vida. O Sr. David das Neves falou com outro português, Diamantino Teixeira, que tinha a Littoral Climat. Comecei com um contrato de quatro meses e cá estou há sete anos e meio, já como chefe de equipa.»

O antigo jogador aprendeu a língua, aprendeu a função, adaptou-se a um estilo de vida completamente diferente. Claramente mais exigente.

«Costumo dizer aos jovens para aproveitarem o futebol enquanto podem, porque acaba rápido. Trabalhar de dia e treinar à noite é bem mais duro. Ainda por cima, quando cheguei nem sabia falar a língua. O meu chefe meteu-me a trabalhar com um francês e foi a melhor forma de me desenrascar.»

Tiago Martins é por esta altura um técnico experiente na instalação de condutas para ar condicionado.

«Fazemos sobretudo instalações novas, por vezes em espaços de grandes dimensões, como por exemplo a Câmara Municipal de Montpellier ou o Aeroporto de Toulouse. Os serviços são feitos muitas vezes em alturas que podem chegar aos 32 metros.»

Atualmente com 40 anos, Tiago ainda jogou como amador em três clubes franceses e procura lançar a sua carreira de treinador.

«Tenho o meu diploma de treinador que tirei a Portugal e quero dar continuidade a essa carreira, embora saiba que o meu trabalho é a gasolina para o carro, é o principal na minha vida.»

A viver em Perpignan com a esposa e três filhos, um deles já nascido em solo francês, Tiago Martins opta pela estabilidade profissional e não equaciona um regresso a Portugal a médio prazo.

«Há dois anos construí aqui a minha casa. Gostaria mais de estar em Portugal, claro, mas estou contente em França. Tenho a minha mulher, que é a minha grande muleta, o meu apoio. Os meus filhos, os meus sogros, agora uma irmã, não penso em regressar para já.»

«O meu maior erro foi ter saído de Paços»

Tiago Martins deixou para trás uma formação no Esposende, clube da terra, que permitiu a estreia como sénior na II Divisão B em 1995. Seguiram-se Trofense, Ovarense, Canelas e Ovarense.

Na época 2001/02, o jogador – atuando como avançado-centro - atinge um plano de destaque com «21 golos no Vila Real», aos quais somou «19 no Sporting de Espinho».

Aos 27 anos, Tiago Martins estava preparado para outro nível e chamou a atenção de José Mota.

«José Mota levou-me para o Santa Clara e depois para o Paços de Ferreira, onde garantimos a subida à Liga. Nessa época 2005/06, até comecei como titular mas depois apontou no Rui Dolores e eu pedi para sair em janeiro. Foi o meu maior erro.»

No espaço de um ano, o extremo foi da Liga à 2ª Divisão B, uma vez mais. Saiu do Paços para o Gondomar e de lá para o Moreirense, do terceiro escalão. Ficaria nesse patamar até final da carreira profissional.

Em 2007 rumou a Chaves e teve a oportunidade de conhecer um jovem treinador que se destaca em França.

«Estou com o Leonardo Jardim e o Luís Campos algumas vezes aqui em França. Foram os dois meus treinadores. Quando o Jardim chegou a Chaves, ele era mais novo que alguns jogadores e lançou de imediato a frase que se tornou famosa: que se não chegasse à Liga em cinco anos, voltava para a Madeira.»

Ribeirão foi o último destino em Portugal. Tiago Martins era já um veterano, um trintão a percorrer os flancos e a dar conselhos aos mais jovens. Pizzi, por exemplo.

O atual médio do Benfica cumpria a primeira época completa como sénior, ainda com 18 anos, e ocupava uma posição mais avançada no retângulo de jogo.

«Nessa altura jogávamos na mesma posição, chegámos a jogar os dois nos flancos mais o Bacari na frente. Eu puxava por ele, assim como pelo Tiago Mesquita, que está agora no Boavista. Tenho orgulho do nível que o Pizzi atingiu.»

«Durante quatro anos, estamos por cima dos franceses»

Tiago Martins partiu para França. De jogador profissional e amador e técnico de instalação de condutas para ar condicionado. Seria esse o futuro, a médio prazo.

Em terras gaulesas representou três clubes: A.S. Perpignan Méditerranée, FC Albères/Argelès e Canet Roussillon Football Club.

«Trabalhar e treinar à noite é bem mais duro. Mesmo assim, fui por três vezes o melhor marcador aqui da região. No final do primeiro ano ainda tive um convite de um clube profissional, o Bayonne, que me oferecia 4000 euros, mas eu tinha acabado de chegar a Perpignan, instalei-me com a família com a perspetiva de ficar e não quis também perder a oportunidade de trabalho.»

O português deixou de jogar há ano e meio, com 38 anos, e iniciou a carreira de treinador principal no A.S. Perpignan Méditerranée. Porém, a experiência terminou em novembro de 2016 e a fome de bola fez-se sentir.

«Tive um convite do FC Albères/Argelès e voltei a jogar neste fim-de-semana, com 40 anos. Deu para confirmar que ainda ultrapasso alguns jovens, portanto tenho algo para dar.»

Instalado desde 2009 em Perpignan, nos Pirenéus Orientais – bem próximo da fronteira com a Catalunha – Tiago Martins vibrou como bom português com a conquista do Euro2016 em solo gaulês.

«Para os portugueses que estão aqui, não podia ter acontecido nada melhor que isto. Antes da final, os franceses diziam que nunca lhes tínhamos ganho, ainda hoje reconhecem que acharam que iam vencer o jogo facilmente.»

O antigo jogador não esquece a postura francesa antes da final e conclui que esse sentimento de afirmação nacional vai perdurar até 2020.

«A postura, as críticas, o rirem-se de nós, dizerem que não jogávamos nada, tudo nos deu mais força para aquele dia. Aqui há cerca de 11 mil portugueses e a maioria foi para o centro, para a praça, fazer a festa. Agora, durante quatro anos, estamos por cima dos franceses.»

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