Na Corunha mora um daqueles clubes que nasceu marcado para sofrer.

Basta lembrar que já perdeu um então inédito título de campeão com um penálti falhado em casa, no último minuto: Djukic acusou o peso da responsabilidade da marca de onze metros, depois de Bebeto ter pedido para não ser ele a bater, como geralmente acontecia.

Também conquistou o primeiro troféu da história, a Taça do Rei, numa final que perdeu o clima de festa ao ser disputada em dois atos, após um dilúvio obrigar a interromper o jogo. E desceu ao terceiro escalão (I Divisão RFEF) sem entrar em campo, devido a um surto de covid no adversário.

Há meia dúzia de dias, já agora, venceu em casa, marcou três golos no segundo jogo fora e mesmo assim foi eliminado do play-off de subida.

Ora por isso, bem vistas as coisas, nada do que possa acontecer a este Deportivo devia verdadeiramente surpreender os adeptos, é verdade.

Mas também é verdade que nada fazia prever o que se está a passar. Um gigante mergulhado nas catacumbas do futebol espanhol e sem perspetivas de encontrar um rumo acertado.

O Deportivo, vale a pena lembrar, é um dos nove clubes que já foram campeões em Espanha.

Já disputou as meias-finais da Liga dos Campeões e já eliminou o Milan com uma goleada (4-0) que foi eleita pelo The Guardian um dos três melhores jogos da história da Champions.

Mesmo no terceiro escalão consegue ser o décimo clube em todo o futebol espanhol com mais lugares anuais vendidos no estádio: para cima de 25 mil.

O que diz muito sobre a paixão que move a Corunha.

Sempre foi um clube do povo. Arsènio Iglesias, o mítico treinador que construiu as bases do Depor campeão, chamava-lhe o clube da classe operária. Augusto César Lendoiro, o histórico presidente, dizia que era uma sociedade governada pelo capitalismo popular.

Até que um dia isso mudou.

Anos e anos de má gestão, que se arrastam há cerca de duas décadas, atiraram o clube para uma grave crise financeira, que foi sendo maquilhada por sucessivos empréstimos bancários, o que deixou o Deportivo exposto à capitalização da dívida que transformou o Abanca no maior acionista da sociedade. A partir de então, em 2020, o banco tornou-se dono do clube.

Desde então, a equipa disputou três campeonatos da I Divisão RFEF e por três vezes falhou a subida à II Liga Espanhola. No primeiro ano, foi até obrigada a disputar o play-off de descida, acabando por se safar de cair na II Divisão RFEF (quarto escalão). O que levou o Abanca a afastar o presidente Fernando Vidal e a assumir ele próprio o comando do clube.

Nos dois anos seguintes, já sob gestão da entidade bancária, apurou-se para o play-off de subida e perdeu no jogo decisivo. Tanto esta época, como na anterior, a Corunha veio para a rua coberta de azul e branco, milhares de pessoas encheram a praia do Riazor, mas acabaram em depressão após o fracasso. O Depor não conseguia sair do bucaro em que mergulhara.

Lá está, é um clube a quem tudo acontece.

Curiosamente, a equipa teve sempre orçamentos astronómicos, completamente irrealistas para o contexto do terceiro escalão.

Esta última temporada, por exemplo, o orçamento era de 7,2 milhões de euros, o qual ainda recebeu um reforço de mais cinco milhões. Isto num clube que gera receitas totais de oito milhões e que acumula prejuízo superiores a 50 milhões de euros.

Mesmo assim, com um orçamento lunático para a realidade competitiva do terceiro escalão, o Deportivo tem acumulado insucessos e arrasta-se num universo que não é o dele.

Entregue à gestão de uma entidade bancária liderada por um venezuelano que não gosta e não entende de futebol, o clube tem feito consecutivos desvios que nunca lhe permitiram endireitar o rumo. Em dois anos, por exemplo, a equipa principal já teve quatro treinadores.

Agora, aí vem mais uma revolução.

Após mais um fracasso, o Abanca basicamente demitiu toda a gente. A começar no treinador, Ruben de la Barrera, apesar do apoio dos adeptos.

A direção está também toda de saída: o presidente António Couceiro, e os administradores Carlos Cantó, Miguel Juane, Emma Lustres e David Villasuso. Por fim, também foram despedidos os secretários-técnicos Carlos Rosende e Juan Giménez.

O Abanca vai nomear uma nova administração, a qual terá de ser ratificada em assembleia geral marcada para 17 de julho. Falta mais de um mês, portanto. Até lá, numa altura decisiva para construção da equipa que vai atacar a subida, o Depor vai estar em gestão corrente.

A 17 de julho, quando for a assembleia geral, o plantel já devia estar a fazer a pré-temporada, preparando o campeonato que começa no final de agosto. Mas a verdade é que nessa altura ainda nem terá uma direção desportiva definitiva.

A informação que existe é que o administrador David Villasuso vai manter-se como diretor-geral do clube, fazendo a gestão dos dossiers inadiáveis para o funcionamento da sociedade. Será ele, portanto, que está de saída do clube, a contratar um treinador e a compor o plantel.

Tudo o resto, terá de esperar pela nova administração.

A ideia do Abanca é clara: revolucionar a política de gestão do clube, acabar com o profundo desequilíbrio financeiro e criar um novo modelo de gestão.

Juan Carlos Escotet, o venezuelano que não gosta de futebol e é o CEO do Abanca, está farto de perder dinheiro e diz que o clube não pode ser diferente das outras empresas do grupo.

«Com qualquer outra das nossas participadas, e havendo uma aposta estratégica, mesmo que seja forçada, tem de estar devidamente equipada e com um quadro de gestão competitivo o suficiente para seguir em frente», avisou.

Por isso, e rejeitando tudo o que foi feito antes, o Abanca segue de revolução em revolução, ano após ano, procurando um rumo sempre a partir do zero. Ignorando até a opinião dos adeptos: a opinião daqueles mais de vinte e cinco mil sócios que fazem deste Depor uma das equipas com maior assistência em todo o futebol espanhol.

Enquanto isso, nas bancadas do Riazor, há provavelmente um criança de olhar triste ao colo do pai.