Alemanha, Argentina e Espanha já deixaram o Campeonato do Mundo.

A Mannschaft caiu com estrondo na fase de grupos, com derrotas frente a México e Coreia do Sul, e apenas um triunfo, no limite, perante a Suécia.

O talento individual de Messi e companhia atenuou o atropelamento da Argentina por Mbappé e pelos velocistas franceses, já nos oitavos de final.

Também a Espanha foi derrubada no primeiro embate a eliminar, já no desempate por penáltis, frente à anfitriã Rússia.

São, curiosamente, à data, as três seleções com maior percentagem de posse de bola.

Porque Alemanha e Espanha têm o seu presente de certa forma ligado, comecemos pela Argentina. A seleção albiceleste chegou à Rússia com uma ambição sustentada na cooptação de um treinador de topo, Jorge Sampaoli, e claro no talento individual de alguns jogadores, com o óbvio Lionel Messi no topo da pirâmide. No entanto, o terceiro técnico desde o início da campanha de apuramento não trouxe união, não impôs as suas ideias e foi foco de ainda maior confusão, isolando Messi num papel que dificilmente seria capaz de cumprir sozinho.

Sampaoli foi o terceiro. Depois de Tata Martino e da escolha inexplicável de Edgardo Baúza, a federação argentina optou pelo então treinador do Sevilha, um ano depois de este ter chegado à Andaluzia. Os efeitos não foram imediatos e a Argentina qualificou-se no limite, com uma exibição extraterrestre de Messi no Equador.

Como é o técnico argentino? Discípulo de El Loco Marcelo Bielsa, o antigo selecionador chileno e sem currículo no seu próprio país, privilegia o ritmo alto, o futebol de ataque, assente na verticalidade de passe e de movimentos, e a pressão alta e agressiva, quando sem bola. Foi esta a Argentina que vimos na Rússia? Longe disso. Lenta, estática, sem movimentos de rotura, e com Messi muito afastado da baliza e Dybala esquecido no banco, os argentinos facilitaram também à frente da sua baliza, tremendo nas bolas divididas, e não controlando a profundidade defensiva, praia para a velocidade terminal de Mbappé.

A uma preparação sem nexo, marcada pela goleada aos pés da Espanha, mas também por jogos estéreis com o Haiti, por exemplo, somou-se a instabilidade emocional de Sampaoli, que oscilou entre as linhas de quatro e três defesas, o meio-campo a dois ou a três, com Enzo Pérez – que nem estava na lista inicial de 23 –, mas ainda entre Biglia e Banega, ou Agüero e Higuaín, com Dybala sentado no banco. Em vez de agregador, porto seguro e líder, também Sampaoli não encontrou o rumo, nem quando plagiou o falso 9 de Pep, facilmente anulado pelo duplo-pivot assimétrico gaulês, formado por Kanté e Pogba.  Apesar de ser ele o selecionador mais desejado, esta Argentina nunca foi dele.

A grande Espanha e ainda a Alemanha têm um pai comum: Pep Guardiola. Foi ele quem construiu, à volta dos fora de série Xavi e Iniesta, o modelo de jogo mais bem sucedido do Barcelona e da Roja. Posse de bola, ataque posicional, mas sempre a pensar na progressão, um ou dois passos à frente do tiki-taka sem progressão que disse abominar. Ao deparar-se com a exigência de uma cultura diferente, em campo e fora dele, Guardiola reconstruiu-se na Saebener Strasse, em Munique. Juntou o ataque posicional à verticilidade e objetividade do futebol alemão, criando novos espaços para o melhor dos seus intérpretes, Thomas Müller. Inspirando-se nas ideias do treinador da sua melhor equipa, entre as quais o novo posicionamento de Lahm – que usou, por exemplo, contra Portugal –, a Alemanha também cresceu e venceu o Mundial de 2014.

Guardiola deixou a Alemanha dois anos depois.

A Alemanha tinha-se reiventado por si própria há 18 anos. Ou começado a fazê-lo. A queda nos oitavos de final de 1998, e o último lugar no grupo no Euro-2000, depois de um hat-trick de Sérgio Conceição precipitam uma nova reconstrução, mais uma num país que já tinha recuperado de duas Grandes Guerras: os responsáveis federativos viajam pelo mundo à procura de novas ideias; o treino deixa de privilegiar a corrida e a força para dar atenção à técnica e à habilidade; investe-se em inovações tecnológicas como o Footbonaut; os cursos UEFA passam a ser mais baratos fazendo disparar o número de treinadores habilitados; os clubes são obrigados a criar e a manter academias de formação – o investimento ultrapassa os 100 milhões por ano –, o que também faz crescer a percentagem de sub-23 na Bundesliga; e é lançado um programa de scouting extenso, capaz de detectar talentos desde tenra idade e até alimentar os próprios clubes.

A Mannschaft ganha profundidade em termos de talento, e várias gerações garantem-lhe o futuro a médio prazo. Campeã do Mundo em 2014, vence o Europeu sub-21 e a Taça das Confederações em 2017, esta última com uma equipa de segunda linha.

No entando, recorde-se, Guardiola já não mora em Munique. O Bayern ainda domina a Bundesliga, mas representa o último baluarte de algumas das suas ideias, com o resto das equipas a privilegiarem a reação e a vertigem: Dortmund, Bayer Leverkusen, RB Leipzig e Hoffenheim, entre outros. Mesmo em Saebener Strasse, Niko Kovac trará provavelmente o futebol mais de contenção que Carlo Ancelotti não conseguiu que imperasse.

A Alemanha chega ao Mundial deste ano com um futebol um pouco fora de prazo, baseado num tiki-taka estéril, já ultrapassado há muito pelo próprio Guardiola. A vitória na Taça das Confederações já tinha surgido com um futebol de transição e reação, e sugerido a mudança que, posteriormente, Joachim Low se recusou a implementar. Com uma herança cada vez mais diluída e todo um país a reivindicar outro tipo de jogo, o falhanço surge como fim de ciclo, não de jogadores, mas da ideia. Esta Alemanha bipolar, com problemas que alastraram à transição defensiva, dificilmente iria vingar.

A tudo isto ainda se junta a não chamada de Leroy Sané, a gestão de Neuer e Ter Stegen e os incidentes diplomáticos com os médios de ascendência turca Özil e Gundogan.

Também a Espanha, há mais tempo sem Guardiola e sem Xavi e com muito menos Iniesta, apresentou-se assente em ideias antigas, ainda mais fora de prazo. Perdeu Lopetegui antes do jogo com o Portugal, mas não foi com o antigo treinador do FC Porto que perdeu a objetividade. O tiki-taka está enraizado, mas é aquele que Pep não gosta: a posse pela posse, sem sentido de baliza. Mais de 1000 passes frente à Rússia e muito pouca presença na área ditaram a eliminação precoce.

O bis de Diego Costa frente a Portugal terá disfarçado os problemas e acabado com a discussão, mas agora percebe-se que a situação era bem mais grave.

Nos três países, houve uma falência da ideia de jogo. Na Argentina, onde o talento tem crescido até debaixo das pedras, a questão é bem mais estrutural, atravessa a formação, de jogadores e técnicos, e as organizações que têm superintendido o futebol. Em Espanha, será necessária uma reinvenção total. Se há quatro anos já se falava em fim de ciclo, a perda de uma das últimas referências em Iniesta, sublinhará a urgência. A Alemanha, por sua vez, parece ter a solução debaixo da língua.