Não foi um campeonato fácil, nem sequer para quem olhava à distância. Houve e-mails, toupeiras, padres e bispos, denúncias anónimas, insultos, videoárbitro e pouco público nas bancadas. Também houve esperas a jogadores, e estupidez tanta que os adeptos continuam a pensar que, com ameaças, eles passam a correr mais. Lá dentro, algumas deceções.

1. O ruído constante

Um campeonato feio, cheio de problemas culturais, sociais, estruturais e financeiros, muitos reais, alguns criados para alimentar a máquina.

Um campeonato feito de bate-boca, propaganda e demasiada conversa, desde as reuniões de clubes até às redes sociais, mas também com as câmaras desligadas, nos corredores, reais ou virtuais, à procura de favorecimentos ou pelo menos o não desfavorecimento por parte de quem manda. Um problema antigo, com capítulos novos, e que merece, no mínimo, reflexão profunda.

No que diz respeito aos e-mails, os tribunais decidirão causa-efeito. O princípio é, só por si errado, tal como o foi nos tempos do Apito Dourado, e condenável, tanto hoje como então. Marcou a Liga, e esta terá, de certa forma, ficado ferida com gravidade.

Depois, as denúncias anónimas vieram aumentar o barulho ensurdecedor. As suspeições lançadas colocaram ainda mais em xeque o produto futebol português, e sobretudo colocaram na zona de perigo terceiros que pouco ou nada terão a ver com o assunto. É o futebol do vale-tudo, protagonizado há muito pelos três grandes.

Falou-se de mais, de tudo menos do jogo. Ter-se-á visto, pela primeira vez, a maioria dos treinadores e jogadores realmente incomodada com a situação. Ao mesmo tempo, o principal patrocinador ficou preocupado, e disse-o abertamente. O futebol português bateu no fundo, e se houver pior a caminho deverá ser algo inimaginável.

2. Mental games falhados

Sérgio Conceição esteve quase sempre bem na sala de imprensa. Excedeu-se em um ou dois momentos, sobretudo quando os resultados não foram famosos, com críticas desproporcionadas e quase sempre a arbitragem como alvo. Mas também o fez em outras alturas, quando o Benfica goleou o mesmo Tondela que tinha dificultado e muito a tarefa ao FC Porto, tendo sido obrigado a retificar o discurso mais tarde. Ironia das ironias, a equipa de Pepa até teria um papel importante na luta pelo título ao vencer os encarnados na Luz nas últimas jornadas. Também o episódio do boneco, quando falava de Rui Vitória, obrigou o técnico portista a explicar posteriormente as próprias palavras.

Já o treinador do Benfica manteve um discurso quase inalterado, monocórdico, à exceção de duas ou três situações, quando teve de puxar os galões por ter sido feito réu pelos resultados menos conseguidos, e numa ou duas críticas ocasionais também à arbitragem, falhando rotundamente no discurso inconclusivo e despropositado após o nulo no último dérbi com o Sporting.

Foi uma época mais calma para Jorge Jesus na sala de imprensa, quase sempre a servir como contrapeso perante as constantes declarações do presidente, que iam abrindo feridas no plantel e até na sua própria relação com Bruno de Carvalho. No entanto, as célebres frases sobre o vento no Estoril e, este domingo, a abordar a temperatura e o antijogo do Marítimo acabaram por atingir apenas a si próprio.

3. Os tiros nos pés de Bruno de Carvalho

A pior época de Bruno de Carvalho no Facebook pode ainda ser a melhor desportiva da sua era, podendo o Sporting juntar a Taça de Portugal à Taça da Liga. Ver causa-efeito nas declarações do presidente para o insucesso no campeonato poderá numa primeira análise parecer exagerado, uma vez que a equipa estava já em desvantagem perante FC Porto e Benfica, mas a verdade é que as intervenções foram criando instabilidade em cima de instabilidade até à derrocada final, na Madeira, este domingo.

Bruno de Carvalho causou no grupo uma ferida profunda, que Jorge Jesus tentou suturar à pressa para as últimas jornadas e os desafios que faltavam. Os jogadores uniram-se e foram ganhando jogos e aguentando, mesmo perante o rival no dérbi de Alvalade, mas os pontos voltaram a abrir frente ao Marítimo. A equipa perdeu então o objetivo mínimo – garantir o segundo lugar e a manter a perspetiva de ganhar milhões ao apurar-se posteriormente para a fase de grupos da Liga dos Campeões – e voltou a sangrar.

É verdade que o líder leonino deixou o Facebook. O pai tomou o seu lugar nas críticas ao grupo nas redes sociais. Afastado dos posts, Bruno de Carvalho voltou à carga numa última entrevista, agora ao «Expresso», em que revela novamente uma indescritível falta de bom senso. Nada acontece por acaso.

Os adeptos vão cair em cima dos jogadores e até de Jorge Jesus, como se tivessem perdido de propósito. Já Bruno de Carvalho devia preocupar-se mais em ser o presidente do presente do que o do futuro.

Este verão está aí à porta e, com Taça ou sem Taça, não irá certamente ser pacífico.

4. O futebol praticado pelo Sporting

Dos três grandes, os leões foram aqueles que mais jogaram em quantidade (somadas todas as competições) e talvez menos em qualidade (na Liga), de tal forma que Jorge Jesus chegou a ser confrontado com a expressão Sporting à italiana, com a qual acabou por concordar. Contudo, serviu mais como desculpa de circunstância do que representação da realidade. Vários jogos ganhos no limite, contrastando com uma ou outra boa exibição em Alvalade, e três empates e uma derrota frente aos rivais. Perante o investimento e com um grupo muito equilibrado, o Sporting jogou menos do que devia. Na Madeira, à pobreza demonstrada em campo juntou-se o afastamento do segundo lugar. As coisas já não estavam fáceis em campo, não havia necessidade de mais pressão e falta de bom senso.

5. O que aconteceu a Rúben Ribeiro?

Um dos reforços de inverno do Sporting, que tinha convencido Jorge Jesus antes de chegar a Alvalade pela muito boa primeira metade da época, foi caindo aos poucos no esquecimento. O médio não convenceu, e aí terá a ver sobretudo com as diferenças de grandeza entre os dois clubes. Rúben Ribeiro não percebeu que tinha de ser ele a adaptar-se à equipa e ao que esta precisava, e não o contrário. É talvez a maior desilusão da temporada, quando comparadas as duas metades do campeonato.

6. O videoárbitro

Portugal foi cobaia, e isso diz muita coisa. Acredito que tenha vindo para ficar, e também que possa melhorar. Ou melhor, só pode melhorar. É verdade que anulou decisões erradas e acrescentou várias certas, mas deixou passar a imagem de que falhou em momentos a mais. Faltou comunicação. Explicações públicas das decisões, fosse em tempo real, ou a posteriori, por parte de quem as tomou.

O resto passa por mudança cultural. O que faz sentido é que o erro valha menos para o adepto e para os dirigentes, treinadores e atletas. Quando isso acontecer, e vai demorar, e a própria qualidade dos juízes que interpretam, com e sem câmara à frente, subir, o videoárbitro terá terra firme onde assentar e ganhar raízes.

Também ainda vai demorar a que nos habituemos a golos a dois tempos, e tantos minutos de paragem, mas parece-me que essa luta está definitivamente perdida. Já a Inglaterra, o país que mais pensa no produto futebol, decidiu adiar a sua introdução por mais um ano.

7. O desinvestimento no Benfica

Dos reforços, salvou-se Krovinovic, mas o croata lesionou-se a chegar e, depois, a meio da época, quando já recebia elogios. Bruno Varela acabou como número 1, mas sem grandes perspetivas de garantir continuidade como titular na próxima época, Svilar provou ser ainda muito inexperiente, e Douglas apresentou-se um pouco analfabeto no momento defensivo. Seferovic começou bem, mas entrou em depressão. Gabriel Barbosa saiu a meio da época para o Brasil, Chrien andou pela equipa B e de lá não saiu. O mercado dos encarnados foi pouco mais do que um deserto, depois de ter recebido mais de 100 milhões, com as transferências de Ederson, Lindelof, Nélson Semedo, Mitroglou, Marçal e Mukhtar, e outros negócios mais pequenos. O plantel perdeu qualidade e profundidade, e ter-lhe-á custado o penta. Mau planeamento e excesso de confiança evidentes.

8. Estoril e Paços de Ferreira

O Estoril venceu o Sporting, e teve uma grande primeira parte frente ao FC Porto, apesar do desastre absoluto no reatamento, semanas depois. O Paços de Ferreira venceu mesmo o futuro campeão. Provas da existência de qualidade nas duas equipas que desceram de divisão.

Com o mercado de janeiro, os canarinhos tentaram corrigir os erros profundos do início de época, mas já não foram a tempo. Impensáveis depois da época anterior os 11 jogos sem vencer, de Alvalade à Luz, com nove derrotas, oito seguidas. E, depois, novo ciclo mau, entre fevereiro e março. Com jogadores de qualidade, como Lucas Evangelista, Allano e Eduardo, o Estoril pecou muitas vezes por ser uma equipa demasiado macia e pouco objetiva na frente – a lesão de Kléber não ajudou – e bem instável atrás. Nem Pedro Emanuel nem Ivo Vieira conseguiram reequilibrá-la.

Já na Mata Real, houve três treinadores: o rapaz da casa Vasco Seabra, depois Petit e, por fim, João Henriques, ex-Leixões. O segundo, cuja saída foi imputada a si próprio, salvaria o Moreirense. Demasiada instabilidade, num conjunto sem grandes nomes e que até perdeu a sua maior referência, Welthon, em janeiro, para o V. Guimarães.

Permeáveis e ingénuos defensivamente, P. Ferreira e Estoril baixaram mesmo à II Liga.

9. Assistências continuam baixas

Dos oito clubes com maior assistência nos seus estádios, apenas o campeão FC Porto subiu, de 686735 para 725461 espectadores. Benfica, Sporting, Vitória de Guimarães, Sporting de Braga, Marítimo, Boavista e Vitória de Setúbal baixaram, tal como Rio Ave, Belenenses e Moreirense. No entanto, o crescimento do Dragão e também dos promovidos Portimonense e Desp. Aves face a Nacional e Arouca, que baixaram ao segundo escalão, garantem que as médias permaneçam praticamente idênticas. Em média, um clube da Liga leva 203067 adeptos ao seu estádio (201242 em 2016/17), 5972 por jogo (5918 na época anterior). As pessoas continuam longe dos jogos, e o ruído extra-futebol e os preços dos bilhetes, que contrastam com o nível de vida dos portugueses, não serão certamente alheios.

10. Mais deceções

Se Rúben Ribeiro é talvez a maior decepção entre os grandes, face à excelente primeira metade da temporada, há nomes de quem se esperava mais. Seferovic, Rafa, apesar de uma segunda volta razoável do português, e Douglas no Benfica. Óliver Torres e André André, pelos escassos minutos, e Corona, pela irregularidade, mas também Waris e Paulinho, como reforços de inverno sem continuidade, no FC Porto. Sobretudo Doumbia e Fredy Montero no Sporting, se quisermos excluir Wendel e Misic, que estão, segundo Jesus, a ser preparados para o futuro. Também no Sp. Braga deixa alguma surpresa o apagão de João Carlos Teixeira após bom arranque.