O Benfica estará em crise, de confiança, de ideias e também de resultados. À sexta jornada, encontra-se cinco pontos atrás de FC Porto e Sporting, e vê-se já no horizonte uma complicada visita à Madeira para defrontar um Marítimo rei no Caldeirão e que prima por sofrer poucos golos. A isto soma-se que a derrota com o CSKA na Luz, para a Liga dos Campeões, obriga igualmente a contas mais complicadas.

O primeiro objetivo de Rui Vitória terá agora de ser evitar prolongar a espiral negativa, reagir e voltar a vencer, a fim de retomar os níveis de confiança. Se possível vencer bem, se não apenas vencer. Senso comum, portanto. Seis jornadas e muito campeonato pela frente, uma ronda fechada e mais cinco em aberto no grupo milionário da Champions, está tudo demasiado fresco e compete ao treinador, com o mercado fechado, não deixar a equipa cair em depressão e mantê-la viva, pelo menos, por mais três meses e pouco. Isto se a política desportiva de alguma forma mudar, o que não é, para já, claro.

Olhando para trás, existe uma ideia transversal a várias épocas, e que vem até mesmo antes de Rui Vitória ter chegado: os encarnados têm demasiada dificuldade em controlar os jogos. Não é de hoje, e acontece mesmo com Fejsa em campo, embora se sinta mais o desnorte sem o sérvio em determinados momentos. Tem a ver com a autonomia, e com o espaço que cobre em campo, libertando outras unidades para missões mais ofensivas, além da forma como apaga os muitos fogos deflagrados durante as partidas, sobretudo nas descompensadas transições defensivas. Filipe Augusto tem tentado fazer esse papel, mas, apesar do esforço, nem a defesa nem o resto do meio-campo se sentem protegidas o suficiente para ser uma ideia duradoura, sobretudo agora que Fejsa parece quase de volta.

Também não é de hoje a quebra de qualidade de jogo, sobretudo fora de casa. O que mudou das temporadas anteriores para a atual prende-se com a menor capacidade em aproveitar o igualmente menor número de oportunidades criadas longe da Luz, num ataque que trocou o objetivo Mitroglou pela acutilância de Seferovic e o samba de Gabriel Barbosa. A eficácia, tem-se visto, está longe de ser a ideal. Foi deficiente em Vila do Conde depois do 1-1, e também no Bessa na sequência do golo inaugural de Jonas e no melhor período do conjunto.

O que se passou em frente ao Rio Ave – e se compararmos esta exibição com a do FC Porto no passado domingo – não foi obviamente só eficácia. A equipa de Rui  Vitória preocupou-se de menos com o adversário e chegou tarde a todos os momentos de pressão sobre a saída de bola, desequilibrando-se e nunca se sentindo confortável durante toda a primeira parte. A imagem dada foi, no mínimo, penosa.

Foi incrível como, em 45 minutos, uma equipa tarimbada como a do Benfica não conseguiu parar para pensar, reequilibrar-se e adoptar uma outra estratégia, menos arrojada, mas potencialmente bem mais eficaz. Como, por exemplo, recuar linhas e esperar para pressionar o jogador certo no momento ideal.

A tudo isto soma-se a incapacidade de manter-se fiel a um plano que está a ser eficaz durante muito mais tempo, e más entradas nos jogos, ideia que tentou, e de certo modo conseguiu, contrariar no Bessa. A intensidade da equipa anda longe da dos grandes rivais, e se a vertigem é filosofia que há muito abandonou a Luz, a verdade é que tem sofrido muito mais por essa maior expetativa.

Quem de cinco tira três

Ederson, Nélson Semedo e Lindelof. Três vendas do Benfica neste defeso. Feitas cedo, com tempo para escolher bem, sem gastar demasiado com o baixar da oferta. Bruno Varela e Svilar chegaram para a baliza, como substitutos respetivamente a médio e longo prazo para Júlio César, mas a lesão – esperada, de certa forma – do brasileiro antecipou prazos. Agora, está de volta, mas andará sempre sob suspeita: quanto tempo resistirá até novo problema?

Parêntesis.

(Júlio César foi mais um caso de entre muitos em mais um início de temporada anormal no que a lesões diz respeito. Há muito que as lesões já ultrapassaram a barreira da sorte e azar, sobretudo quando listamos os outros clientes recorrentes, como Grimaldo, o já referido Fejsa, Jardel, Salvio e até Jonas.)

Fecha-se parêntesis.

Os encarnados começaram a preparar a saída de Nélson Semedo com Pedro Pereira. O jovem ex-Sampdoria chegou com tempo para adaptar-se ao grupo e à equipa, e a ideia, ainda em bruto, parecia interessante. Só que antes de se conseguir avaliar o impacto que o miúdo de apenas 19 anos teria no futebol da equipa, este começou por falhar no básico: mostrou insegurança, pouca eficácia defensiva e escassa participação no ataque, que não podem dissociar-se uma da outra. Tremeu, e a teoria, mais uma vez válida em potência, falhou.

André Almeida, primeiro; Aurélio Buta depois; e de novo André Almeida. Antes do final do defeso, já era o antigo jogador do Belenenses o dono do lugar, e por lá ainda se mantém. Ao que lhe falta ofensivamente (e é alguma coisa) tem contrapondo com esforço e trabalho, e até já salvou a equipa frente ao Portimonense, com um golo pelo menos no limite do intencional. Tudo o que mudou entretanto foi mudando à sua volta. Buta emprestado; Mato Milos contratado e emprestado; e chegou Douglas mesmo em cima do fecho do mercado. Até hoje, o brasileiro que o Barcelona recrutou no São Paulo e emprestou antes ao Sp. Gijón falhou todas as convocatórias (e, obviamente, boletins clínicos).

Parece claro que a esta nova versão do Benfica, com menos capacidade de construção, faltará dinâmica nos flancos, ou seja alguém mais parecido com Semedo do que com Almeida.

O que se passou com Kalaica?

Já para o lugar de Lindelof, Rui Vitória não teve reforços. Recuperou a dupla Luisão-Jardel até à lesão do segundo, apostou depois em Lisandro López e com a gripe do argentino chamou o jovem Rúben Dias à titularidade no Bessa. Esta quarta, na Taça da Liga, voltou Jardel para o lado de Dias, e descansou Luisão. Estranha-se a queda súbita das opções por parte de Kalaica, que até marcou o golo do empate na derradeira jornada da última temporada, precisamente no Bessa, e é (ou era) visto com uma opção válida a curto/médio prazo.

Ao ter de refazer o setor, o Benfica não acautelou a quebra de velocidade de algumas unidades e, como tal, o menor controlo da profundidade defensiva. A diferença de Nélson Semedo para André Almeida, e de Bruno Varela para Ederson, aqui a reagir e a sair de entre os postes, é evidente. Com Luisão em campo, o setor preocupa-se muito em compensar as limitações do capitão, e a conjuntura atual deixa-o mais fragilizado quando comparado com o que se passava na última época, apesar das valências próprias na cobertura dos metros mais próximos, no jogo aéreo, no desarme e ainda, claro, na liderança. A verdade é que o Benfica pode até não ter ido ao mercado porque o que é mais urgente é alguém para fazer de Luisão, e o lugar está ocupado (e o próprio Jardel está no ocaso da carreira e com evidentes limitações físicas para poder-se-lhe confiar uma eventual transição). Gente para fazer dupla parece haver, e com qualidade, embora essa visão esteja nesta fase um pouco perturbada pelo momento menos bom.

Com Luisão em campo, não só um dos lugares da defesa está ocupado, mas também o lado previamente definido. O defesa brasileiro joga sempre à direita e condiciona tudo o resto. Até «obrigou» Lindelof a deslocar-se para a esquerda, depois de uma época toda do outro lado a fazer dupla com Jardel, o que ter-se-á refletido no rendimento inicial. Sem o sueco, também o Benfica perde saída de bola, embora também aqui Lindelof fosse mais forte precisamente no lado direito.

O capitão é obviamente importante, e vem de uma temporada em crescendo, mas a equipa estava antes montada para o «suportar» (talvez uma palavra um pouco forte de mais), e ainda necessite de adaptação.

A ligação entre Pizzi e Jonas

Enquanto tudo o que está acima demora a consolidar, os maus resultados têm agudizado o problema. O moral está longe de ser o mesmo do início, e o empate caseiro com o Sp. Braga só o terá piorado. Ou seja, quando mais tempo passa sem o regresso aos triunfos maiores os problemas se tornam, mais difíceis parecem de ultrapassar.

Na última época, Pizzi suportou boa parte da temporada sem Jonas. O ex-Valência estava lesionado, jogava Gonçalo Guedes, e o cérebro da equipa foi muitas vezes chamado a fazer golos, além de criá-los. Quando Jonas voltou pegou no que Pizzi tinha feito e voltou ao papel de um dos melhores avançados que a Liga portuguesa já viu, anulando um pouco do efeito do cansaço no médio.

Este ano, ambos começaram a temporada e Jonas continua a marcar golos, e a bom ritmo. Pizzi deixou de chegar tão perto da baliza para poder combinar com o brasileiro. Sem Fejsa, tem menos liberdade, sente-se mais constrangido, e com a equipa tão refém dos dois, ao que se soma o evoluir das defesas contrárias e da percepção de uma dependência nessa zona nevrálgica por parte do Benfica, regista-se a quebra. Jonas marca, mas Pizzi já não cria tanto, logo há menos oportunidades e, com menos objetividade, soma também menos golos e perde-se ainda mais o controlo das partidas.

Krovinovic, um dos reforços, só esta quarta-feira realizou o primeiro jogo pelas águias, e entrará mais num modo de gestão dos esforços de Pizzi do que se tornará aposta inicial, sobretudo neste tradicional 4x4x2.

Os extremos que ainda tentam afirmar-se

As lesões de Salvio, a necessidade de Cervi emparelhar com Grimaldo e um Zivkovic ainda à procura de constância têm também atrasado o acerto do onze por parte do treinador.

O argentino, não sendo dos melhores do mundo a definir no último terço , é mesmo assim um jogador fundamental e atinge estatísticas bem razoáveis no que a golos e assistências diz respeito. Ajudava muito no passado ter Nélson Semedo, porque era muitas vezes entre os dois, com o apoio de um médio ou de um dos avançados, que o Benfica partia em progressão para a área contrária. A asa direita era muito importante para os encarnados. Hoje, com as lesões de Salvio e a saída de Semedo, essa asa simplesmente não existe.

Sente-se que Zivkovic precisa de continuidade.

Do outro lado, é interessante sobretudo a dinâmica de Cervi e Grimaldo quando juntos no onze, porque se substituem a defender e a atacar, mas a junção de ambos tapa Zivkovic, um dos melhores a colocar a bola na área, além de todos os outros recursos técnicos que possui. É verdade que o sérvio pode jogar na direita, mas não para Rui Vitória quando há Salvio, e Zivkovic precisa muito de continuidade.

Rafa é, neste momento, a maior incógnita. Foi um investimento caro, demasiado caro, e a lesão não o terá ajudado, mas as deficiências do ex-Sp. Braga na definição das jogadas estava plenamente identificada antes de chegar à Luz. Tudo somado é pouco, apesar de até ser dos extremos a que Vitória mais vezes recorre, embora nesta fase já essencialmente quando não tem os seus habituais titulares.

Como aprender a voltar a ser cirúrgico sem Mitroglou

Haris Seferovic chegou e começou a marcar golos a um ritmo que ele próprio desconhecia. O suíço junta características de Raúl Jiménez e do próprio Mitroglou, seja na mobilidade ou na capacidade de segurar a bola, ou mesmo na força física, e a verdade é que não se pode dizer que tenha desiludido, bem pelo contrário. Só que o grego tem uma presença mais forte na área, e vive exclusivamente para o golo, e quase sempre é importante ter alguém assim, que ultrapassa com facilidade os dois dígitos em cada época. Já o mexicano tem muita força de vontade, energia, e anda sempre no limite da titularidade, mas também não é esse nove puro, casado com o remate à baliza. Porque tendencialmente cria pouco fora de casa (nesta fase até em casa), o reencontro com o golo deverá ser o foco principal da equipa técnica.

O discurso monocórdico, agora com menos firmeza?

Podemos todos achar que o discurso de Rui Vitória é sempre correto e bem balanceado, mas sem grande sumo. Sem grandes alterações, oscilações, muito provavelmente usado dessa forma para não provocar instabilidade, seja no grupo seja fora dele. Se «programado» assim para o bem da equipa é defensável, embora gostemos todos mais de ver os técnicos falarem sobre as suas ideias e sobre as suas equipas. No entanto, apesar de monocórdico, o treinador falhou na firmeza no pós-Braga, na confiança nas palavras que usou, e deu a entender que pouco há a fazer e que o mau momento «há-de passar». Curto. Do seu ponto de vista, talvez nesta altura precisasse de dizer: «Em maio vamos estar aqui a festejar!»

Se é que acredita nisso, porque, afinal, parece que ainda é setembro.