De equipa sensação com o 5.º lugar em 2015/16 à despromoção nesta temporada.

O Arouca começou a época a disputar o acesso à fase de grupos da Liga Europa – eliminando o Heracles Almelo até ser afastado na ronda seguinte pelo Olympiacos, apenas no prolongamento. No entanto, uma reta final em plano inclinado ditou a surpreendente descida à II Liga na última jornada, após derrota por 4-2 no Estoril.

Da Europa à II Liga em apenas uma época não é caso incomum no futebol português.

É paradigmático o caso do Paços de Ferreira, que em 2014/15 começou a época a disputar o acesso à Liga dos Campeões, depois de um inacreditável 3.º lugar na Liga alcançado na época de Paulo Fonseca, mas terminou o campeonato no penúltimo lugar, com apenas 24 pontos, quatro abaixo da linha de água. Os pacenses foram, porém, salvos pelo alargamento de 16 para 18 equipas e pelo seu triunfo no play-off sobre o Desp. Aves.

Também em 2007/08 o Paços de José Mota disputou a então Taça UEFA, terminou o campeonato no penúltimo lugar e acabou por não descer. Dessa vez foi salvo pela descida na secretaria do Boavista.

Quatro quedas após aventura europeia

Na história do futebol nacional há porém outras quatro equipas antes do Arouca que desceram no ano em que disputaram provas europeias.

O mais recente exemplo é do Vitória de Guimarães, que desceu de divisão em 2005/06 (ano em que foi orientada por Jaime Pacheco e mais tarde por Vítor Pontes), quando disputou a fase de grupos da Taça UEFA.

Bem mais remoto é o caso da Académica em 1971/72, despromovida após participar numa eliminatória da UEFA (afastada pelo Wolverhampton).

Entre estes exemplos, separados por mais de três décadas, outros dois quase seguidos: o Vitória de Setúbal em 1999/2000 e o Santa Clara em 2002/03.

Pedro Henriques, antigo lateral que representou também Benfica e FC Porto, esteve nos plantéis das duas equipas que jogaram as competições europeias e acabaram época despromovidas e salienta desde logo as diferenças:

«O V. Setúbal conseguiu uma qualificação europeia inesperada, mas de um ano para o outro piorou o plantel: saiu por exemplo o Toñito e outros jogadores importantes. Fomos eliminados pela Roma na Taça UEFA (7-0 no Olímpico seguido de uma vitória sadina no Bonfim), o campeonato foi correndo pior e a direção foi arrastando a troca de treinador (saiu Carlos Cardoso, homem da casa, que havia conseguido a proeza da qualificação, entrou Rui Águas). No Santa Clara foi diferente. Desde logo porque era a Taça Intertoto (prova europeia secundária em que os clubes participavam por inscrição) e aquilo era como um castigo para os jogadores (os açorianos disputaram duas eliminatórias, contra os azeris do Shirak e os checos do Teplice). O clube contratou muito mas o plantel era muito desequilibrado e as condições não eram as melhores. Construíram a casa pelo telhado. Tínhamos de andar com a casa às costas para treinar. O relvado era mau e não conseguíamos tirar partido do fator casa. E não houve grande critério para trocar de treinador. Quando saiu o Manuel Fernandes o presidente prometeu um jovem ambicioso e conhecedor do futebol português: veio o Carlos Alberto Silva, que já não treinava cá há 10 anos... Ainda assim, não foi por culpa dele. Quase conseguimos a manutenção. Foi “à pele”.»

Já no papel de comentador, função que ocupa atualmente, Pedro Henriques salienta que no caso recente do Arouca a saída de Lito Vidigal para o Maccabi Telavive foi crucial para o desfecho: «A escolha foi disparatada… Faltou critério. Manuel Machado não tinha nada que ver com Vidigal.»

Pedro Henriques viveu a experiência de descer de divisão após as competições europeias em duas épocas

Na verdade, os números falam por si. Vidigal saiu à 20.ª jornada, após um triunfo por 2-1 sobre o V. Setúbal, deixando o Arouca em 10.º lugar com 27 pontos, 13 (!) acima da linha de despromoção.

Desde esse jogo, a 5 de fevereiro, a equipa da Serra da Freita empatou duas vezes e venceu uma nas 14 jornadas que se seguiram. Ainda assim, na jornada 31, após vitória por 2-0 sobre o Feirense, na jornada 29, os arouquenses assumiram a manutenção como um objetivo quase garantido. Não estava. E quem se salvou in extremis pela segunda época consecutiva foi o Tondela (além do Moreirense).

Europa como «risco para os pequenos»

A Europa também influencia estas quebras abruptas? Pedro Henriques defende que sim.

«A preparação da equipa é afetada desde logo porque começa mais cedo e isso ressente-se com o decorrer da competição. Há um desgaste e saturação maior a meio da época sobretudo por uma questão de mentalidade de jogadores que não estão habituados a jogar à quinta e ao domingo. Os plantéis dos “pequenos” não estão preparados para isso. Os melhores jogadores têm de jogar mais vezes, não têm tempo de treinar e recuperar fisicamente e isso faz com que o rendimento deixe de ser o mesmo. Mesmo para os grandes muitas vezes diz-se que o que sair mais cedo das provas europeias tem mais aspirações no campeonato. É mais fácil preparar a equipa para jogar só uma vez por semana», salienta Pedro Henriques, alertando para «o risco grande que as provas da UEFA podem representar no desempenho interno das equipas mais pequenas, se não for feito um investimento maior no plantel».

Em jeito de conclusão, Pedro Henriques lança por isso o aviso a V. Guimarães e Marítimo, que regressam na próxima época à Liga Europa: «O Marítimo poderá ter algumas dificuldades na Europa, se não reforçar a equipa, já o Vitória de Guimarães, se mantiver a qualidade do plantel e o treinador Pedro Martins, que já tem a experiência de Rio Ave e Marítimo nas últimas épocas, certamente terá boas prestações nas duas frentes. Há que saber gerir não só física mas também mentalmente, ter um plantel equilibrado em qualidade e também em quantidade, sobretudo se a equipa for avançando na prova europeia.»