A Vila não dorme. Três da madrugada de domingo, movimento já invulgar. Culpa-o a ocasião.

Carros, luzes, bandeiras, cachecóis, camisolas. Filas intermináveis. É a primeira final de Taça dos 87 anos de história do Desportivo das Aves.

A Vila vai toda - ou quase toda - ao Jamor. Há só quem acorde só para ver, da janela de casa, os cerca de 80 autocarros partir das Aves até ao Estádio Nacional. Um até já.

Cândido Campelo é um dos milhares de sócios que vai ao Jamor pelo clube da terra. Veio da Alemanha, de Frankfurt, como o faz a cada 15 dias, sem nunca pôr o Desportivo de parte.

«É um momento inesquecível para toda a Vila. Acontece uma vez na vida. Todos estamos contentes com a equipa ter chegado à final. Os avenses têm estado mais unidos. Mesmo para o concelho, é uma fase bonita do nosso clube», atira Campelo.

Dos quilómetros de viagem aos de experiência, a voz de um ex-presidente reforça o apelo. E o momento. «É uma festa bonita, que significa que os pequenos clubes, também grandes, conseguem alcançar grandes êxitos. A Taça é a festa do futebol, a presença deixa orgulho, mas deixem-nos sonhar», ilustra António Freitas, sócio n.º 285.

Outros, mais jovens, como Vítor Coelho, têm pouca memória, mas desejo infinito. «Sonho desde criança ver o Aves no alto do futebol português», atira o sócio de 19 anos.

São 5h30 da manhã. Nos arredores do estádio, festa já há antes do nascer do dia: os 59 autocarros facultados pelo município, os cinco da claque «Força Avense» e outros 15 particulares estão prontos para arrancar. Barulho dos motores e muita vontade na partida.

António Sousa acaba de tomar o seu café na única paragem no caminho até ao Jamor. Em Vagos, «ansiedade nenhuma». «Sê fôssemos para trabalhar, era mais complicado. Vamos todos para convívio, festa», atira, admitindo, no entanto, coração dividido. «Coração, Sporting, clube, Desportivo das Aves», confessa.

Adeptos do Desp. Aves na saída para o Jamor

A primeira parte da viagem dura pouco mais de cinco horas. São 11h e a mata do Jamor é invadida pelas primeiras centenas de fãs avenses. O percurso mereceu escolta policial à partida e à chegada e uma «operação gigante» à escala da Vila.

«Houve 22 semanas de preparação, trabalho, gestão e o resultado é este. Temos 60 autocarros na estrada, fora os particulares. Temos muitos carros particulares, vendemos 7 a 8 mil bilhetes», explica José Carlos, elemento da direção do Desp. Aves, responsável pela organização dos autocarros.

«Vai ser o golo da vitória»

Esta era a convicção de um adepto especial de Alexandre Guedes. O pai, José, não quis perder a ocasião. O seu filho vai marcar? «Acho que sim, vai ser o golo da vitória. Estamos agora no lanche ainda vem o almoço», atira. «Temos o meu genro, a minha parceira, a minha filha, a minha nora, que está nervosa (risos). Queremos levar o caneco à força, não faltam aí autocarros para levar o caneco», completa.

A parte superior da mata está pintada de vermelho e branco. Há bifanas, rissóis, presunto, saladas, cerveja ou sumos. Crianças montam uma rede para jogar voleibol. Outros descansam para ganhar fôlego. Não é o caso de Vera Azevedo e da família, cujo piquenique salta à vista pelo fumo e cheiro a churrasco. «Estamos a grelhar umas febrinhas, umas tiras, temos chouriça assada, vinho, cerveja, tudo. Mais logo, o futebol. Ganhemos a Taça ou não, a festa está garantida», atira a sócia de 34 anos.

Família e amigos de Vera Azevedo reunidos no petisco antes do jogo entre Desp. Aves e Sporting

A cada canto, horas antes do jogo, a festa da Taça. Vermelha e branca cara pintada e veste a rigor, Carlos Lima espera «um jogo muito difícil». Mas «o Aves é um mundo». Por isso veio com a família num autocarro com 70 pessoas. E faz a festa com a família de Guedes. Daniel Martins, adepto do Aves, veio de Fafe com a família para «desfrutar deste dia». «Cá estamos a fazer o piquenique. Oxalá ganhando, é o momento mais alto da nossa história», defende.

Mais abaixo, um extenso corredor com barracas e a zona de fãs com um autocarro alusivo ao clube. Há música e porco no espeto. E muita juventude. João Andrade não pregou olho na última noite. «Cansativa. Mas há muita comidinha, cerveja, estamos bem servidos. É um dia histórico, 1-0 para o Aves, Alexandre Guedes. Fácil», lança, em jeito de prognóstico. «Aqui vejo povo que não vejo nas Aves. A Vila está aqui!», ilustra o amigo, Daniel Mendes.

«Faltei ao casamento do príncipe para ver o Aves»

Hélder Batista salta à vista pela bandeira vermelha, preta e branca que ostenta. «Aves Sempre», pode ler-se. Está emigrado em Inglaterra, mas fez questão de viajar até ao Jamor. «Faltei ao casamento do príncipe para ver o Aves», atira. Defende que o Aves «é na derrota e na vitória» e diz-se a «Força Avense B». «Os meus comparsas da força estão no local deles e eu estou junto aos sócios a ver se, em vez de estarem a fazer um funeral, se estão a apoiar a equipa», garante. E a Taça? «Vai para cima, nem se põe em questão».

Hélder Batista (à direita) e vários conterrâneos da Vila das Aves, momentos antes do jogo

Pelo caminho, Manuela Pimenta faz festa sem fim. Reencontrou a filha, Marta, que trabalha em Oeiras. Ocasião especial para juntar a família e ver o clube da terra. Manuela tem uma taberna na Vila e «fechou» o negócio para ver o Desportivo. «E amanhã não vou abrir», remata. Quer o Aves ganhe ou não.

A Taça é encarada com tanto de otimismo como momento único. «Posso viver mais 200 anos que certamente não venho mais cá. Já bebemos, brincámos, falámos, tá tudo. Agora, cafezinho e siga a bola. Ao ir embora, vamos ver se vamos dormir. É festa, é festa na Vila das Aves».

E foi.

VÍDEO: a efusiva receção ao vencedor da Taça na Vila das Aves

Na bancada, a primeira explosão de alegria na chamada dos jogadores. Apito inicial, um, dois golos de Guedes, sofrimento e lágrimas a antecipar a vitória da «maior Vila do futebol português», como diria a gigante tarja preparada pelos adeptos. É para lá que segue a Taça.

«É quase irrepetível, temos de usufruir», reage o antigo jogador do Desp. Aves, Hugo Dias, na viagem de regresso. A que, do cansaço de muitas horas, é substituída pela euforia no regresso da equipa a casa. «Amanhã de manhã toda a malta na empresa não vai trabalhar», atira Cândido Campelo.

A Vila está de volta. Com a Taça. O «caneco» está em casa.

Alexandre Guedes, autor dos dois golos avenses na final, ergue a Taça na chegada à Vila