DESTINO: 80's é uma nova rubrica do jornal Maisfutebol. De 15 em 15 dias iremos recuperar personagens e memórias dessa década marcante para o nosso futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. De duas em duas semanas, DESTINO: 80's.

MAGDI ABDEL-GHANI, BEIRA-MAR, de 1988 a 1992

1988-1992, Aveiro sob os bons auspícios de um faraó. Magdi Abdel-Ghani, o egípcio tranquilo. Barba cerrada, olhar sorridente, futebol de fino quilate. «Piramidal», escreveu um dia o génio de Carlos Pinhão.

Camisola dez, craque de bola no pé e cabeça erguida. Quarto melhor jogador africano em 1987, vencedor de duas Taças dos Campeões africanos, três Taças das Taças, mais de 90 internacionalizações pela seleção do Egito. O Beira-Mar não voltou a ter ninguém assim.

20 anos depois, Abdel-Ghani atende o Maisfutebol a partir do Cairo. Distante Cairo. Responde num português quase perfeito. Rigoroso na construção de frases, como rigoroso era na edificação do futebol aveirense.

«Que saudades de Portugal», replica de pronto. «Não vou aí há três anos. Só tenho memórias boas. Sabe que fui a uma final da taça com o Beira-Mar?» Sim, sabemos. Abdel-Ghani refere-se ao jogo perdido para o F.C. Porto em 1991, no Jamor, por 3-1. Já no prolongamento.

«O Beira-Mar estava sempre entre as cinco/seis melhores equipas de Portugal. Quase ninguém nos ganhava em Aveiro. As bancadas estavam sempre a abarrotar. No inverno estávamos no relvado, olhávamos em volta e só víamos guarda-chuvas», conta o presidente do Sindicato de Futebolistas Egípcios.

As condições, é fácil perceber, nada tinham a ver com as atuais. «Só tínhamos um relvado, por isso treinávamos muitas vezes nos campos pelados. Acho que isso nos deixava mais fortes, agressivos. Quando chegávamos à relva, chegávamos ao paraíso».

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«Passear pela Barra, comer um arroz de marisco no Restaurante da Costa, ir à Figueira da Foz para o bacalhau no forno e treinar. Tinha uma vida muito sossegadinha em Aveiro», recorda Abdel-Ghani.

Tranquilidade absoluta, feita de jejum e abstinência no Ramadão. «No primeiro ano o Jean Thissen [treinador] não me queria deixa jogar. Disse-lhe que não precisava de comer. A fome deixava-me louco, doido por correr atrás da bola», atira, a rir do outro lado da linha.

Dias de paz, dedicação, entrega ao Beira-Mar. A serenidade reinante só quebrou «com a inauguração da primeira loja da Zara». «O nosso plantel ia lá todo fazer compras. Todos os dias alguém tinha uma roupa nova, para fazer inveja. E eu lá comecei a ir também».

Recordações simples de um homem simples. «Andava nas ruas e parava de dois em dois metros. Toda a gente me conhecia em Aveiro e eu conhecia toda a gente. Adorava falar com os adeptos. Não percebo como é que os jogadores de hoje não aproveitam isso. Têm medo, fogem».

Abdel-Ghani semeou amizades e colheu conhecimentos. Com uma exatidão sacramental enumera os seus melhores amigos no balneário. «Dinis, Redondo e Alan, o belga».

«Quero voltar rapidamente a Aveiro e jantar com todos eles. Como jantei com o plantel que ganhou a Taça de Portugal em 1999. Fui a Portugal de propósito ver esse jogo [vitória sobre o Campomaiorense por 1-0] e celebramos a noite toda».

Abdel-Ghani, o faraó de Aveiro. O Beira-Mar jamais terá um jogador assim.

Abdel-Ghani em dois Beira Mar-F.C. Porto