DESTINO: 80's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 80's.

KIKI: F.C. PORTO, DE 1989 A 1992

1989 é o ano de Kiki. O rapaz das tranças longas, o Bob Marley da Cidade da Praia. A paixão pelo F.C. Porto, de criança, é enfim correspondida. Os dragões antecipam-se ao Benfica (criativo, não?) e vão a Braga buscar este médio: raçudo, competitivo e nada trapalhão de bola nos pés.

Kiki atende o telefone, 24 anos depois, em Cabo Verde. É empresário nas áreas da construção e alimentação. Está completamente afastado do futebol, mas com saudades do mundo da bola. O Maisfutebol convida-o a uma viagem ao passado e à noite em que tudo começou a fazer sentido.

A noite em que o F.C. Porto raptou Kiki.

«Estava a chegar a casa, lá para as 22h30, entro na minha garagem e estava tudo escuro. Normal. Quando abro a porta, aparece-me um senhor já de alguma idade à frente, a poucos metros», conta Kiki, um bem disposto por natureza.

«Apanhei o maior susto da minha vida». Não custa a acreditar. «Eu reconheci o homem e percebi que era o Domingos Pereira, funcionário do F.C. Porto. Disse-me que o presidente estava à espera. Tínhamos de ir a correr para o Porto».

Assim foi. Kiki entra no automóvel, faz a viagem a pensar no momento Soprano e é levado à presença da cúpula azul e branca. «Pinto da Costa, Reinaldo Teles e Pôncio Monteiro. Que simpatia, todos eles. Em cinco minutos ficou decidido: ia para o F.C. Porto e a minha vida ia mudar completamente».

«Vítor Baía era o meu gémeo falso»

Tudo muda, de facto, para Kiki. Em três temporadas ganha duas vezes o campeonato nacional, trabalha sob as ordens de Artur Jorge e Carlos Alberto Silva, pisa os maiores palcos do futebol europeu. O menino da Praia passa a ser mais um na família azul e branca.

«Faltavam muitos meses para acabar a época ainda e o Sp. Braga queria que eu renovasse. Fui suspenso, claro. Barracada total!», conta Kiki, já despido das longas tranças, as mesmas que entre 1982 1994 passearam o ar cool do reggae pelos relvados portugueses.

«Já as cortei há alguns anos. Agora, se for a Portugal ninguém reconhece o Kiki».

No dia posterior ao rapto, Kiki vai a casa de Pinto da Costa. Sai de lá com uma mala cheia de notas, «como nos filmes de gangsters». «Não havia cheques, muito menos contas bancárias», explica o antigo dragão.

«Assinei o contrato por três anos e o presidente pagou-me tudo em dinheiro vivo. Eu nem contei o que lá estava. Saí de casa dele e fui logo depositar o dinheiro em três sítios diferentes», dispara o bom do Kiki, como se estivesse a reviver tudo.

«Artur Jorge passava por nós e nem nos cumprimentava»

«Está a imaginar-me a entrar nos bancos, carregado com aquela mala? Pensaram que eu era um bandido. Valeu bem a pena».

Kiki tem uma vida «acima da média» em Cabo Verde. Deve-o aos dias «de bom dinheiro» no F.C. Porto. «Se não fossem eles, o que seria de mim aqui na Praia? Vendia gelados?»

Kiki no Valência-F.C. Porto (número 7):