DESTINO: 90's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.

ABAZAJ: BENFICA, BOAVISTA E ACADÉMICA, DE 1994 A 1999

Em 1994, na ressaca do mundial que consagra o talento malandro de Romário, chega a Lisboa um albanês austero. Eduard Abazaj foge da Guerra dos Balcãs que marca uma geração. Em Portugal mostra-se em toda a simplicidade: é um daqueles jogadores que operam nas trincheiras do futebol.

É a antítese de estrela e chega com todos os traços que definem a Península dos Balcãs: fechado, sério e desconfiado. Vinte anos depois, aliás, mudou pouco. A conversa com o Maisfutebol começa com uma série de perguntas. Nome, residência, intenções, enfim. Um verdadeiro questionário.

«Já houve jogadores que foram alvos de partidas ao telefone. Não quero que me suceda o mesmo», começa por dizer. «Tudo o que consegui na vida foi à custa do meu trabalho. Quando vim para o Benfica, por exemplo, tive de treinar à experiência. Mostrei o meu futebol e assinei por um ano.»

Chegou pela mão do empresário Luciano DOnofrio para jogar no Benfica e tornou-se uma grande surpresa: Portugal não estava habituado a albaneses. «Estava no Hadjuk Split, que é o Real Madrid dos Balcãs. Só podia trocar o Real Madrid por outro grande e grande em Portugal é o Benfica.»

Mas esta não haveria de ser uma história cor de rosa: Abazaj era um defesa modesto, esforçado e rijo. As portas não se abrim de par em par. «Joguei na Taça Parmalat, contra o Palmeiras, mostrei qualidade e assinei contrato. Depois havia um problema de estrangeiros e fui cedido ao Boavista.»

Na altura disse-se que o Benfica lhe propôs casar-se com uma portuguesa para ultrapassar esse problema. «Sobre isso não falo. Só digo que a mim ninguém me casa, por isso ainda estou solteiro.» No Boavista fez 28 jogos e apontou quatro golos. «Foi a melhor época da minha carreira», frisa.

No fundo acabaram por estar só dois meses e meio no Benfica. Conheceu Artur Jorge, privou com Iuran e Kulkov, relacionou-se Preudhomme, Caniggia e João Pinto. «Fora de campo conversava apenas com Filipovic, porque ambos falávamos croata. Dentro de campo não há tempo para falar.»

Nesta altura destaca-se a personalidade de Abazaj: singular, no mínimo. «Por onde passei não dava confiança a ninguém. Dava a minha amizade, mas com muita frieza. A minha vida era jogar futebol e estava ali para jogar futebol. Nunca fui de brincadeiras. Se começasse a brincar, perdia o lugar.»

Abazaj diz que só sabe estar no futebol desta maneira. «Saídas à noite? Gostei sempre muito do futebol para fazer isso. Nem sequer alinhava em jantaradas do clube. Aliás, tenho muitos amigos com quem nunca jantei, eles já sabem que não vale a pena convidar para jantar porque não vou.»

«A noite é para descansar. Viver, vive-se de dia, almoça-se e está-se com as pessoas durante o dia. A noite é para nos prepararmos para o dia seguinte. Quando jogava futebol a minha vida era treinar, ir para casa descansar e à noite preparar-me para o dia seguinte. Foi assim que fiz a minha carreira.»

Pelo meio a conversa ouve muitos «não»: «não falo sobre isso», «não comento». Abazaj, lá está, não é dado a confianças. Quando nos despedimos, não resiste: «Esta conversa foi gravada, se não sair no Maisfutebol a polícia vai atrás de ti.» Sentimo-nos num jogo de espiões, mas tudo bem.

Abazaj, está aqui.

Veja um vídeo do albanês na Académica: