DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's. 

RONALDO Guiaro: Benfica (1996 a 2001)

«Bate leve, levemente». O verso de Augusto Gil, passado de boca em boca e imortalizado com os anos, assenta na perfeição na descrição de Ronaldo, central que passou pelo Benfica no final da década de 90. Estilo tranquilo fora e dentro do campo. Suave, nada faltoso. Um central diferente numa altura em que ainda era hábito ver na posição os homens que partiam a loiça.

Ronaldo não era um duro. Era diferente. Mas impôs-se no Benfica. Ainda assim, não tem dúvidas: «Nunca fui um ídolo». A responsabilidade será dividida. O momento que o clube atravessava estava longe de ser o melhor. Os jogadores arcavam com as consequências, em sucessivos grupos que não estavam à altura das exigências do emblema. O brasileiro admite-o.

Em conversa com o Maisfutebol, Ronaldo recorda cinco anos marcantes da carreira. Os primeiros na Europa. Chegou em 1996 para reforçar o grupo de Manuel José. Veio…lesionado.

«Estava no Atlético Mineiro, até estava parado por lesão e surgiu a oportunidade de vir para o Benfica. Foi tudo de repente. Cheguei lesionado e os primeiros tempos foram difíceis. Só depois do primeiro ano comecei a mostrar um pouco mais do meu futebol», descreve.

Nessa época fez quatro jogos apenas. O Benfica perdeu-os todos. Um deles foi a final da Taça de Portugal, frente ao Boavista (3-2). A estreia tinha sido frente ao FC Porto, nas Antas. Derrota por 3-1.

Recorde a final da Taça (atenção a um dos maiores falhanços da carreira de Nuno Gomes):



A história bate, assim, certo com o discurso de Ronaldo. Início complicado. Na época seguinte, contudo, afirma-se de vez: 35 jogos ao longo da época. Um ano que começou com Manuel José e terminou com Graemme Souness.

«Souness começou bem. Ganhávamos muitos jogos, a equipa subiu muito, mas depois começou a cair e na fase final ficou complicado porque, já se sabe, quando não corre bem cada um protege o seu lado. É o normal: quando se troca de treinador a equipa costuma subir, depois entra em reta e o desafio é não deixar cair», explica o brasileiro.

Nessa altura começa, também, o Benfica «britânico», sob a batuta do escocês e o aval do presidente Vale e Azevedo. Aposta falhada e, ainda hoje, recordada como uma das fases mais negras dos anos 90 na Luz.

Ronaldo lembra-se bem do «Benfica inglês». Considera que não foi o pior momento que teve na carreira em Portugal. «Tive balneários piores, balneários melhores. É verdade que eram muitos ingleses, tinham uma cultura muito diferente, juntavam-se mais, mas nunca houve nada de especial. Eu ficava no meu canto, também», sublinha.

«Contratavam vinte jogadores e quinze não se adaptavam»

Souness saiu, haveria de chegar Jupp Heynkess, depois José Mourinho, que «ainda não mostrava que poderia vir a ser o fenómeno em que se tornou», e Toni. Ronaldo conviveu com todos e aprendeu com todos. As mudanças sortiam, contudo, efeito temporário e o Benfica não despertava de vez. Os títulos continuavam a fugir.

No tempo em que esteve em Portugal, Ronaldo nunca foi campeão. «O FC Porto ganhava quase tudo, naquela época», recorda. «Ainda houve um ano do Sporting [1999/2000] e depois o Boavista [2000/01]», sublinha.

«Era difícil lutar com as outras equipas, que eram mais organizadas. O Benfica contratava vinte jogadores numa época, depois no ano seguir ia buscar outros vinte. O desespero atrapalhava a equipa. Não ganhávamos títulos e pensavam que a solução era mudar tudo, quando o que era preciso era estabilidade. Porque iam buscar vinte jogadores e quinze não se adaptavam. Faltava planeamento», considera.

Era, enfim, um Benfica diferente do que é agora, diz Ronaldo. «Havia muita confusão e isso dava mais dificuldades para trabalhar aos jogadores. Mas valeu a pena os cinco anos que lá passei. Aprendi muito e gosto muito do país», frisa.

«Não guardo mágoas. Procurei sempre ser o mesmo Ronaldo. Nunca criei problemas com ninguém. Sou uma pessoa muito honesta e muitas vezes até prefiro ficar calado para não arranjar confusão», confessa.

Ainda assim, tem uma certeza: «Nunca cheguei a ser um grande jogador no Benfica». Mas não assume culpa total. «Naquela altura era quase impossível», atira.

«A estrutura era muito diferente. Tudo o que havia de errado era atirado para os jogadores. Fui para o Besiktas e no primeiro ano na Turquia virei logo ídolo», recorda.

A melhor parte de Portugal foram, então, os amigos. Mesmo que não tenha «um super-amigo» em Portugal, porque sempre preferiu dar-se bem com todos. Ainda assim, há quem se destaque.

«Converso quase semanalmente com o Paulo [Madeira] e o Bruno [Basto] pelo Facebook. Deixei amigos no futebol e fora do futebol. Sei que se apanhar um avião e for para Lisboa vou ter muita gente para encontrar. Isso é o que importa. O futebol é uma passagem, a vida continua», remata. 

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