Careca atende o telefone e pergunta quem é: dizemos quem somos e ao que vamos. «Quer falar com o Careca? Qual deles, o filho?». O pai, corrigimos. «Sou eu, quer falar do quê?». O médio que um dia surgiu em Alvalade como um craque ainda tem dificuldades em admitir que se lembram dele.

Com um tom calmo, grosso, quase monocórdico, que raramente solta um riso, Careca vai desfiando memórias do Sporting e da seleção brasileira. «Foram momentos marcantes que eu vivi no Sporting. O grupo é bom e amigo, vivia no Estoril num sítio espetacular, são boas lembranças de Portugal.»

Na conversa com o Maisfutebol lembra que foi Douglas que o indicou a Sousa Cintra e que foi muito por causa de Douglas que preferiu o Sporting. «Tinha jogado com ele no Cruzeiro e era muito meu amigo. Também havia o Luisinho, que era do At. Mineiro e contra quem jogara muitas vezes.»

No Sporting Careca encontrou um grupo de mineiros como ele: ao contrário de Douglas, Luisinho ou João Luiz, porém, Careca não se afirmou em Alvalade. Chegou provavelmente como o brasileiro mais promissor, saiu passado dois anos sem deixar memórias para além de um ou outro jogo.

«O melhor? O golo que marquei um jogo ao Boavista, após um cruzamento do Douglas. Também me lembro muito bem do jogo que fiz com o Malines, do Preudhomme, mas o golo ao Boavista, num cabeceamento ao ângulo, foi sem dúvida a minha melhor memória dos jogos no Sporting.»

Careca, meio Eusébio meio Pelé... lembra-se?

Careca admite de resto que falhou no Sporting, mas acrescenta que essa não é a melhor mágoa da carreira dele. Aos 45 anos, o brasileiro é adjunto da equipa juvenil do Cruzeiro e é olheiro do clube de Belo Horizonte. À distância de vinte anos, garante que a maior mágoa tem a ver com Lazaroni.

«A maior deceção da minha carreira foi não ter sido chamado ao Mundial de 90, em Itália», conta. «Eu fazia parte dessa geração, estava nesse grupo, tinha estado nos treze jogos anteriores. Mas a direção da CBF caiu, veio um novo presidente e trocou o treinador: veio o Sebastião Lazaroni.»

Careca nunca mais foi chamado à seleção. «Mudou metade da equipa e eu fui um dos que ficou de fora.» Ele que tinha crescido nas seleções jovens ao lado de Romário, Bebeto, Neto, Taffarel. «Eu era o número 10 da seleção que foi vice-campeã mundial nos Jogos Olímpicos de 1998, em Seul.»

A próxima pergunta é por isso obrigatória: já pensou que se calhar até podia ter sido campeão mundial em 94 se não tivesse trocado o Brasil pelo Sporting? «Acho que não tem nada a ver uma coisa com a outra», responde. «Ficar no Brasil ou ir para o Sporting não mudaria nada», adianta.

O momento de quebra numa carreira em ascensão, que o tornava num dos médios mais promissores do futebol brasileiro, não foi o fracasso no futebol europeu: foi o esquecimento antes do Mundial de Itália. «Eu fazia parte dessa geração de muito valor. Era um dos craques do futebol brasileiro.»

Hoje está de volta ao futebol que o fez mais feliz: o futebol mineiro.

Recorde o golo ao Boavista:



Recorde o jogo com o Malines: