DESTINO: 90s é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90s.

CARECA, SPORTING E FAMALICÃO, de 1990 a 1993

No início da década de noventa, no segundo ano do primeiro mandato, Sousa Cintra tem ambições desmedidas para o Sporting. O empresário que começara a carreira a vender caracóis no Algarve sonha com uma equipa campeã: por isso vai ao Brasil resgatar um número dez de seleção brasileira.

A escolha recaiu em Careca: estrela do Cruzeiro, campeão mineiro, treze vezes internacional. Dois anos antes tinha vestido o número dez da seleção brasileira de Romário, Bebeto e Neto nos Jogos Olímpicos de Seul. «Eu era um dos nomes grandes do futebol brasileiro», recorda ao Maisfutebol.

Sousa Cintra fez a viagem até Belo Horizonte e regressou com Careca no mesmo voo. «Havia outras equipas interessadas, mas preferi o Sporting. Sousa Cintra era muito persuasivo.» À chegada a Lisboa, o presidente do Sporting estava radiante. Foi ainda na Portela que soltou a frase histórica.

«Temos aqui Careca, que é meio Eusébio e meio Pelé.»

A frase colou-se ao reforço brasileiro que nem pastilha elástica. Ainda hoje Careca é aquele reforço que era suposto ser meio Eusébio e meio Pelé. «Aquilo ganhou uma enorme proporção», recorda Careca à distância de mais de vinte anos. «Essas palavras se tornaram-se um peso em cima de mim.»

«Na altura não fiquei surpreendido com o que ele disse: entendi que ele estava a referir-se à minha fisionomia. Ainda hoje acho que ele estava a dizer que tinha parecenças físicas com eles. Mas a imprensa entendeu que ele estava a falar das qualidades futebolísticas e essa ideia perseguiu-me.»

Careca, com memórias de Bebeto e Romário

Careca haveria depois desse dia de tornar-se numa das maiores desilusões do Sporting: na primeira época ainda marca dez golos, na segunda faz apenas dois jogos e zero golos. No final do segundo ano é emprestado ao Famalicão: no norte do país volta a não se afirmar e acaba por voltar ao Brasil.

«Devia ter feito mais, sem dúvida. Comecei muito bem, fiz um golo logo na primeira jornada ao V. Guimarães, mas com a chegada do inverno travei a adaptação. O futebol português era diferente, os campos estavam molhadas, não dava para jogar com tanta qualidade técnica. Nunca mais fui eu.»

O discurso de Carioca faz todo o sentido, realmente.

Era um médio ofensivo ao estilo de Sócrates: parecia jogar em bicos de pés. Não era rápido ou técnico, mas tinha bons pés e surgia muitas vezes em zonas de remate. Um jogador, enfim, tipicamente brasileiro. Por isso nunca se adaptou ao futebol português, e aos relvados pesados.

Para a história ficou de resto um vídeo de Sousa Cintra, no balneário antes do jogo com o Bolonha, a fumar charuto e gritar: «Tens de mostrar a estes italianos que tu não és uma merda qualquer». Hoje ao lembra-se desse episódio Careca ri-se. «Isso era normal nele», confessa com um sorriso.

«As coisas não estavam a correr-me bem e ele queria que eu mostrasse a toda a gente que o Careca tinha futebol dentro dele. Mas de Sousa Cintra eu só posso falar bem. Era muito bacano e era adorado por todos os jogadores do grupo. Era muito positivo, muito audacioso. Marcou-me muito.»

Vinte anos depois Careca não tem nenhuma mágoa com o futebol europeu.