DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.

JOSÉ CARLOS: FC Porto (1989/90; 1992 a 1996), Gil Vicente (1990/91) e Marítimo (1996/97)

Abra-se o leque. Geraldão, Stephane Demol, Fernando Couto, Jorge Costa, Aloísio, Paulo Pereira.

Esta foi a concorrência que José Carlos teve de enfrentar para poder jogar no centro da defesa do FC Porto no início dos anos 90. Conseguir fazê-lo, mesmo que à segunda tentativa, e mais do isso, fazê-lo por mais de 100 jogos e com uns impressionantes, para a posição, 25 golos marcados, atesta a qualidade do brasileiro que os dragões contrataram ao Flamengo.

Estávamos em 1989 e o FC Porto vinha de uma época complicada. Quinito não convenceu, Artur Jorge pegou na equipa mas o título fugiu para o Benfica. Na hora do resgate era preciso fazer alguns acertos. E o centro da defesa era um dos setores que o técnico queria renovar.

Guia de marcha para Lima Pereira, Eduardo Luís, Dito, Nkongolo e Geraldão. Ficaria, apenas, Paulo Pereira. A festa de Viena, ponto alto da história do clube até então, tinha sido há dois anos. Era preciso rejuvenescer o grupo.

O belga Demol foi a grande contratação para o setor, mas José Carlos também chega. E com boa escola: o Flamengo.

«Na altura o Flamengo desmontou a equipa toda. O Aldair foi para o Benfica, o Jorginho para o Leverkusen. Saiu muita gente. Eu fui para o FC Porto. Fiquei muito feliz. Era uma equipa grande na Europa, tinha sido campeão europeu há pouco tempo. Pena que aquele primeiro ano não correu nada bem», relembra José Carlos em conversa com o Maisfutebol.

Mas já lá vamos. Antes, o primeiro volte-face. Lembram-se da lista de saídas que citámos? Tirem, então, de lá Geraldão.

«Ele ia sair do FC Porto, já estava com tudo tratado. Veja bem, era até eu que ia ficar com a casa dele. Estava tudo preparado para o substituir, porque além de mim também tinha chegado o Demol. Pensámos: ‘ok, vamos montar aqui a nossa zaga’. Que nada! O Artur Jorge não foi com a minha cara, sofri uma lesão, o FC Porto hesitou e acabou por ir resgatar o Geraldão, que ainda ficou esse ano e mais outro», conta José Carlos.

Vida complicada, então. Apesar da estreia auspiciosa. A 19 de agosto de 1989, frente ao Nacional, ainda antes do resgate de Geraldão, José Carlos faz o primeiro jogo de dragão ao peito e marca logo um golo. Não poderia pedir mais.

Mas foi sol de pouca dura. O próprio José Carlos assume que muita coisa o condicionou nessa primeira temporada no FC Porto.

«A adaptação foi complicada. O futebol era muito diferente. Estava habituado ao estilo do Brasil, um futebol mais tranquilo em que pediam mais qualidade. Em Portugal era muito mais disputado cada lance. Era mais à base da força, principalmente para os defesas. Tínhamos de ser mais bruscos. Um xerife como nós dizemos cá. Foi difícil adaptar», resume.

E depois havia outro problema: Artur Jorge.

«Ele não foi com a minha cara, acho eu», atira entre risos. Depois acrescenta: «Estou a brincar, acho que ele não gostava era do meu estilo de jogo. Dizia que não se adequava ao estilo que ele queria. Depois também sofri uma lesão na pior altura, quando até estava perto de ir à seleção do Brasil.»

Tinha sido titular nas cinco primeiras jornadas, mais a eliminatória com o Flacara Moreni, para a Taça UEFA. Frente ao Valência, na ronda seguinte, sofre então a tal lesão, embora tenha terminado o jogo, em sofrimento. O FC Porto ganha 3-1.

«Lesionei-me numa quarta-feira. Na quinta foi folga e na sexta quando voltámos ao treino disse ao médico que não estava em condições de treinar. O Artur Jorge não gostou. Disse que ele é que decidia quem treinava ou não. Que com ele todos tinham de fazer o que ele manda. Enfim. Era muito duro, ele», relembra.

José Carlos com a camisola do FC Porto

Só faria mais um jogo no FC Porto, já perto do fim da época. A partir da 10ª ronda, o regressado Geraldão toma conta do lugar. No final, guia de marcha: José Carlos seria emprestado.

O destino foi o Gil Vicente. Barcelos ajuda o brasileiro a afirmar-se como central de referência.

Os números de José Carlos em Portugal

1989/90- FC Porto: 8 jogos/2 golos

1990/91- Gil Vicente: 34 jogos/8 golos

1991/92- FC Porto: 6 jogos/2 golos

1992/93- FC Porto: 16 jogos/5 golos

1993/94- FC Porto: 18 jogos/5 golos

1994/95- FC Porto: 38 jogos/10 golos

1995/96- FC Porto: 15 jogos/1 golo

1996/97- Marítimo: 14 jogos/1 golo

«Rui Filipe era mais que um colega, era meu amigo»

Em 1990 o Gil Vicente sobe, pela primeira vez na sua história, à Liga portuguesa. O treinador era Rodolfo Reis, figura do FC Porto, e alguns jogadores portistas seguem para Barcelos nessa temporada de adaptação. José Carlos foi um deles, mas também Folha e Rui Filipe.

«A ida para o Gil Vicente foi decisiva. Aprendi muito lá. As coisas correram muito bem e depois o próprio Artur Jorge indicou que voltasse ao FC Porto. Jogávamos naquele campo pequeno, em brincadeira até dizíamos que se nos esticássemos muito estávamos a jogar no cemitério, que era lá ao lado», atira entre risos.

E questiona: «Ainda jogam lá?». Explicamos que não, desde 2004. «Ah, bom, bom. O clube era simpático, merecia um campo melhor», acrescenta.

Sobre a equipa, também não tinha dúvidas: havia qualidade. E recorda, especialmente, Rui Filipe: «Ficamos muito amigos».

«A morte dele foi a maior tragédia que vivi. Tive uma fase também complicada numa altura em que fui treinador, mas aquilo marcou-me muito. Fomos juntos para o Gil Vicente, viemos os dois de lá, éramos mais do que colegas, éramos amigos. Foi uma grande perda e um choque muito grande», lamenta.

Como ultrapassou o grupo portista uma perda daquelas? José Carlos acha que houve uma voz que assumiu destaque e indicou o caminho: «Para ultrapassar aquela fase, o mais importante foi a figura do presidente Pinto da Costa. Tenho de enaltecer isso.»

José Carlos (ao lado de Baía) e Rui Filipe (entre Domingos e Folha) no FC Porto

«Ele foi sempre muito presente junto do grupo, não deixou as pessoas irem abaixo. Incentivava-nos muito, dizia que foi uma fatalidade, mas que estas coisas acontecem e não podíamos desanimar e tínhamos de continuar unidos. Foi muito importante a ação dele. Fortaleceu muito o nosso grupo e, com isso, nosso jogo», remata.

«Tínhamos de pedir ‘por favor’ para falar com Artur Jorge»

No regresso ao FC Porto, José Carlos já não encontra Artur Jorge. Era um compatriota, Carlos Alberto Silva, o treinador. «Mas sei que foi o Artur Jorge que indicou o meu regresso. Não posso passar por cima disso», sublinha.

Ainda assim, não guarda saudades do técnico: «Ele era uma figura difícil, difícil…Não tínhamos liberdade nem para falar com ele. Tínhamos de pedir por favor. Já não se usa hoje em dia…»

Aliás, o diferendo José Carlos-Artur Jorge nem pode surpreender quem acompanhou o futebol da altura. Na melhor época que teve em Portugal, em 1994/95, ficou famosa uma confusão que o brasileiro provocou depois de marcar um golo ao Benfica, nas Antas, na altura liderado pelo seu ex-técnico.

José Carlos adiantou o FC Porto (marcou 10 golos nessa temporada!), dirigiu-se ao banco em jeito de provocação, enquanto apontava…para o rabo. O que quis dizer com aquilo?

«Quando o Artur Jorge me dispensou disse que eu era ‘bundudo’. Que tinha a bunda muito grande. É verdade que ele depois ainda foi buscar-me mas não me esqueci daquilo. Depois ele foi para o Benfica e quando marquei aquele golo a primeira coisa que me lembrei foi apontar para a bunda. Bem, que confusão que foi…O Mozer saiu do banco, veio direito a mim. Foi uma daquelas provocações que fazem parte do futebol. Hoje é até uma boa lembrança, rio sempre…», admite.

O golo e a celebração:

As boleias a Mourinho e a dupla perfeita com Aloísio

Se bem se recordam, este texto começava com a enumeração de vários centrais que jogaram no FC Porto na mesma altura de José Carlos. O brasileiro fez dupla com vários, mas não esconde que tem um preferido.

«A melhor dupla que fiz foi com o Aloísio. Era muito equilibrada. Independentemente da qualidade dos outros, jogar com o Aloísio era fantástico. Era muito fácil jogar com ele. Eu já não tinha muita recuperação, mas ele era fantástico nisso», elogia.

Em 1994/95, com Bobby Robson, faz a melhor época de sempre no FC Porto, pois tinha saído Fernando Couto, libertando algum espaço. Mas já no ano anterior ia jogando.

«Para eu jogar ficava de fora, muitas vezes, o Fernando Couto ou o Jorge Costa. Eram jogadores de seleção. Sabia que tinha de dar tudo porque ao mínimo erro entrava outro. Era uma competiçao feroz», recorda.

O jogo da consagração em 1994/95

O próprio Robson acicatava isso para tirar o máximo partido da equipa: «Foi o melhor treinador que tive. Era um paizão. Tanto para mim como para o Emerson. Dizia-nos muitas vezes: ‘boys, estou a deixar jogadores de seleção de fora para vocês jogarem. Têm de dar tudo’. Ele participava bastante nos treinos, conversava muito. Até o Mourinho aprendeu muito com ele…»

E por falar em Mourinho, como era o papel dele no grupo? «Sinceramente não posso dizer muito. Ele era bacana, mas era só o tradutor», explica.

«Por acaso até éramos próximos, ele morava perto de mim e apanhava boleia comigo para os treinos. Aliás, até gostava de o encontrar porque um dia um amigo falou-lhe de mim e ele disse que não conhecia. Achei estranho, deve ter feito confusão, não acredito que tenha deixado de conhecer as pessoas…Se me vir pessoalmente, acredito que vai falar comigo», acrescenta.

«Jogar na Luz era a coisa mais especial»

Questionamos ainda José Carlos sobre os melhores jogos que teve no FC Porto. O brasileiro recordou os jogos das provas europeias. Afinal, uma das suas imagens de marca foram os golos que marcou nesses encontros.

Em 1992/93, por exemplo, fez quatro jogos na Liga dos Campeões e marcou…quatro golos! Mas o embate mais marcante aconteceu na temporada de despedida, em 1995/96.

«Foi o jogo com o Nantes, nas Antas, em que fomos eliminados. Marquei um golo, mas empatámos 2-2. Uma infelicidade», lamenta.

A nível interno não há grandes dúvidas: «Os jogos com Benfica e Sporting! Jogar na Luz, então, era a coisa mais especial. A torcida deles toda em cima. E os jogos nem nos costumavam correr mal…Gosto de jogar com pressão e gosto de reviver esses tempos. Esta conversa está a dar-me saudades. Vou ver se consigo ir aí a Portugal em breve…»

O motivo do desabafo é fácil de explicar. Desde que deixou o Marítimo, em 1997, nunca mais voltou a Portugal.

«Eu vou jogando futebol no Masters [ndr. Veteranos] do Flamengo e, com isso, a gente tem corrido o Brasil todo a jogar. Pena que não nos leve a Portugal. Tenho muitas saudades. Acho até que o FC Porto poderia organizar um jogo de Masters também para os adeptos poderem rever alguns dos jogadores», sugere.

Hoje, José Carlos gere um quiosque junto à praia de Copacabana. É de lá que fala ao Maisfutebol e é de lá que termina, lembrando o principal segredo do seu FC Porto: o balneário.

«No FC Porto tive um dos melhores balneários da carreira. Os mais velhos, como o João Pinto ou o Domingos levantavam o astral do grupo. Encarregavam-se da acolher bem os mais novos. O Pinto da Costa sempre foi muito esperto e criou condições para que o grupo tivesse sempre alguns jogadores mais velhos para facilitar a integração de quem chega de novo. Assim havia tempo para tudo: momentos sérios e momentos divertidos. Isso unia o grupo. Quando era para celebrar saíamos todos juntos e quando era para jogar estávamos juntos também», conclui.

José Carlos nos tempos atuais, com a camisola do Flamengo

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