DESTINO: 90's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's .

LARS ERIKSSON: FC PORTO, 1995 a 1998

Um nome que certamente não deixou boas recordações para o lado do antigo Estádio da Antas. Uma mancha negra num super-FC Porto de Bobby Robson e José Mourinho, numa primeira fase, e depois de António Oliveira, a caminho do histórico «tetra». O internacional sueco até chegou com boas referências, mas foi quase sempre um desastre entre os postes e acabou por ser segunda, terceira ou mesmo quarta opção nas Antas. Fomos encontrá-lo em Ancara, na Turquia, onde está ao serviço da seleção da Suécia, como treinador de guarda-redes, a preparar um jogo particular, o terceiro depois do fatídico «play-off» com Portugal que deixou a seleção escandinava foram do Mundial do Brasil.



O início da conversa arrasta-nos até à temporada de 1995/96. A saída de Vítor Baía para o Barcelona estava iminente e o FC Porto já procurava um sucessor para o português. As alternativas passavam por Silvino, Vítor Nóvoa e Jorge Silva e a chegada de Eriksson, apesar dos seus trinta anos, davam garantias de que o FC Porto ficava bem servido para a temporada seguinte. Puro engano. Era apenas o início de uma longa odisseia. O internacional sueco não tinha propriamente um currículo impressionante. Foi contratado aos belgas do Charleroi, depois de ter passado os melhores anos da sua carreira a defender a baliza do IFK Norrköping, no campeonato sueco. Além disso, era o eterno suplente de Thomas Raveli na seleção. Tinha estado em três fases finais de grandes competições - Mundial 1990, Euro 1992 e Mundial 1994 – mas sempre na condição de suplente.

«Mourinho já era um treinador fantástico»

Quando aterrou na Invicta, Vítor Baía ainda era o incontestado dono da baliza das Antas e até ameaçava bater o próprio recorde de minutos sem sofrer golos. Lars Eriksson chegava para ir para o banco. Tinha aterrado num país latino, não falava uma palavra de português, mas rapidamente encontrou uma referência a que se agarrou com as duas mãos. «José Mourinho! Foi um grande apoio nos primeiros tempos. Era o meu primeiro ano, não falava nada da língua e não conhecia a cidade. Ele morava perto de mim, ia buscar-me para me levar para o Estádio das Antas e, na altura, já era um grande profissional, ia sempre a falar de futebol e a explicar-me tudo o que eu precisava de saber», começa por recordar. Bobby Robson era o líder, mas a maior parte dos jogadores não entendia o inglês do «mister» e Mourinho é que passava a mensagem. «Ele era o segundo treinador, o Robson é que era o chefe, mas ele tinha grande influência sobre os jogadores. Muitas vezes não entendíamos o que Robson queria e ele explicava-nos», conta. Mourinho, na altura, procurava desligar-se do «rótulo» de tradutor. Eriksson garante que já tinha tudo o que mostra nos dias de hoje. «Nunca mais o vi desde que ele deixou o FC Porto para ir para o Barcelona, mas pelo que tenho visto, é exatamente a mesma pessoa que era nessa altura. Era um treinador determinado, um vencedor, muito trabalhador, de certeza que continua a fazer as coisas da mesma forma Já era um fantástico treinador, infelizmente nunca mais voltei a cruzar-me com ele, mas gostava de o voltar a ver, por mais que não seja, para lhe dizer um olá e um obrigado pela ajuda que me deu nos meus primeiros tempos no Porto».



Confusão em Campo Maior e Eriksson à frente da baliza

Mourinho levantou voou no ano seguinte, ainda como adjunto de Robson, para o Barcelona, mas Lars Eriksson raramente saltou do banco nas Antas. Esteve no FC Porto três temporadas e, no total, somou apenas treze jogos em todas as competições. «Quando cheguei ao FC Porto havia uma forte concorrência entre guarda-redes. Primeiro havia o Vítor Baía, depois veio o Wosniak e também havia o Silvino e o Hilário que eram excelentes guarda-redes, não foi fácil encontrar o meu espaço». De facto, o sueco até teve uma oportunidade caída do céu, logo na primeira temporada. O FC Porto tinha ido jogar a Campo Maior num jogo que acabou com uma enorme confusão no relvado. Vítor Baía foi um dos protagonistas ao envolver-se numa altercação com Pedro Morcela, dirigente do Campomaiorense. Resultado: dois meses de suspensão. Uma oportunidade que Eriksson não contava. «O Baía tinha sido suspenso por dois meses, o Silvino lesionou-se logo a seguir num jogo com o Benfica. Eu tinha acabado de chegar da Bélgica, tinha feito uma época na Suécia e outra na Bélgica, foi tudo muito rápido, não tive tempo para me adaptar», recorda.

O primeiro jogo até correu bem. Vitória sobre o Leiria, na Antas, com um golo de Domingos no último minuto. O pior foi a seguir. Primeiro um empate nos Barreiros com o Marítimo (1-1), depois a eliminação nas meias-finais da Taça de Portugal em dois jogos com o Sporting (1-1 e 0-1). Aliás foram três jogos com os leões, num curto espaço de tempo, entre março e abril de 1996, que marcaram definitivamente a carreira de Eriksson nas Antas. O terceiro foi a finalíssima da Supertaça Cândido Oliveira que tinha ficado adiada para o final da época, depois dos dois rivais terem empatado por duas vezes no arranque da temporada. Um jogo excecional, com um um palco especial: o Parque dos Príncipes, em Paris. Os jogos da Taça, nos dias anteriores, já tinham aquecido o ambiente entre os dois emblemas que chegavam à capital francesa na máxima força. Robson jogava ao ataque com Edmilson, Drulovic, Rui Barros e Domingos, Otávio Machado respondia na mesma moeda, com Pedro Barbosa, Amunike e Sá Pinto.

Vítor Baía ainda estava castigado. O FC Porto já tinha testado Vítor Nóvoa (derrota em casa com o V. Guimarães por 2-3) e Silvino (empate 1-1 na Reboleira). Eriksson voltava a ter uma oportunidade, mas o FC Porto perde sem apelo nem agravo por 0-3. Parecia sina, mas a verdade é que o sueco não está totalmente isento de culpas. No primeiro golo ficou às aranhas numa combinação entre Amunike e Sá Pinto, depois fez uma defesa incompleta e permitiu que Sá Pinto bisasse. A fechar o jogo, saiu aos pés de Vidigal e ofereceu o terceiro a Carlos Xavier, desde a marca dos onze metros. «Foi um jogo muito difícil, eu tinha chegado há quatro meses e já tinha feito dois jogos com o Sporting, sabia que eles tinham uma boa equipa e eu estava ainda a adaptar-me. Lembro-me que nessa altura ainda tinha problemas de comunicação. Lembro-me que fiz um penálti polémico, para mim foi mal marcado, mas os outros dois golos foram normais, eles mereceram ganhar. Nós tínhamos uma grande equipa, mas esse não foi dos nossos melhores jogos», assume.



Nova esperança resultou em apenas um jogo

Um jogo que marcou definitivamente a carreira de Eriksson que, nessa primeira temporada, ainda somou sete jogos. Mas o sueco não desanimou. Vítor Baía saiu finalmente para o Barcelona e, com ele, foram Robson e Mourinho. Eriksson acreditava que, com a chegada de António Oliveira, ia ter uma nova oportunidade. «Claro que fiquei com esperança. No ano ano anterior tinha chegado a meio da época e foi difícil, mas depois saiu o Baía e chegou uma nova equipa técnica..Estava muito contente por poder competir pelo lugar e quando voltei não estava a pensar nos outros nomes, mas sim em mostrar o meu valor. Fizemos uma boa pré-época na Escócia, com bons jogos com o Liverpool e com o Hearts. Estava muito contente, mas quando começou a época percebi logo que Wosniak era o preferido do treinador. Tive de me resignar e trabalhar duro», referiu. De facto, o guarda-redes polaco também acabou por não singrar e, ao fim de cinco jogos, perdeu o lugar para Hilário. «O Wosniak e o Hilário eram excelentes guarda-redes, para ser honesto era uma concorrência muito dura para mim. Tínhamos uma grande equipa. Depois era guarda-redes. Quando és guarda-redes ou jogas ou não jogas, não é como os outros jogadores que podem começar no banco e entrar».

Eriksson já era, nesta altura, terceira escolha, ou mesmo quarta. Pois ainda havia Silvino. Até ao final da época fez apenas um jogo. O FC Porto já tinha garantido o título e, na penúltima jogada, foi ao «velhinho» 1º de maio, defrontar o Sp. Braga. António Oliveira deu a primeira oportunidade a Eriksson e...o FC Porto perdeu (1-2). «Perdemos esse jogo, mas toda a gente disse que fui o melhor em campo, portanto, podia ter sido pior. Não era um jogo importante, já éramos campeões, mas contribuiu para o meu mau registo no FC Porto».

«Não joguei muito, mas adorei a vida em Portugal»

De facto, os números não enganam. Eriksson fez treze jogos no FC Porto, ao longo de três anos, e consentiu dezasseis golos (!). Somou apenas seis vitórias, três empates e quatro derrotas. Mesmo assim, os desaires do guarda-redes sueco não tiveram grande impacto numa altura em que o FC Porto festejava títulos atrás de títulos. Foi uma vez eliminado da Taça pelo Sporting e perdeu a tal Supertaça em Paris, mas a verdade é que o sueco, mesmo sem jogar, foi feliz na Invicta. «Estive sempre muito feliz no Porto, adorava os adeptos, o clube a cidade e, além disso, estava numa grande equipa. Toda a gente andava feliz. Ganhámos três campeonatos consecutivos e uma Taça ao Benfica. Não joguei muito, sei que não deixei muita gente feliz, mas adorei a vida em Portugal e no Porto. Foram tempos muito positivos para mim», recorda.



A verdade é que o sueco esteve três anos no FC Porto e foi três vezes campeão. «É a imagem que retenho. Andava toda a gente muito feliz. Lembro-me de uma grande receção que tivemos na Câmara Municipal do Porto com milhares de adeptos nas ruas. Apesar de ter consciência que não deixei uma imagem muito positiva, tenho boas memórias do Porto. Andava contente, aprendi muito, eram os últimos anos da minha carreira, portanto o que queria mesmo era desfrutar, estava num grande clube e sentia-me orgulhoso por isso», recorda. Uma experiência que lhe ficou para a vida. «Fiquei com muitos amigos no Porto. Portugueses e suecos. De vez em quando ainda vejo o Jorge Costa, também já me cruzei com o Paulinho Santos, estive com o Aloísio em Braga e, quando vou a Portugal, também vejo o Hilário».

Mas um dos melhores amigos de Eriksson não jogou no FC Porto, mas sim, em Alvalade, no Sporting. Trata-se de Hans Eskilsson. Os dois suecos não se chegaram a cruzar na liga portuguesa, mas o destino tornou-os grandes companheiros, como antigo avançado já tinha contado ao Maisfutebol ( veja aqui). «É verdade, somos grandes amigos. Viajamos muito quando temos tempo, andamos pela a Europa a viajar e a ver jogos de futebol. São duas coisas que gostamos muito de fazer. Ainda há dois anos passámos por Portugal e andámos a ver jogos no Porto, Braga, Guimarães... Foram umas grandes férias. Tanto eu como ele temos boas memórias dos tempos que passámos aí e foi muito bom recordar», contou.



Eriksson ainda fez mais uma temporada como suplente do FC Porto e, depois de mais cinco jogos, acabou por sair em 1998 para ir acabar a carreira onde a tinha começado, no Hammarby. Atualmente é treinador de guarda-redes da seleção da Suécia e, nesse papel, acompanhou de perto o «play-off» com Portugal para o Mundial-2014. «Ficámos com a sensação que perdemos para uma grande equipa», destacou, considerando que a equipa de Paulo Bento até pode fazer boa figura no Brasil. «Definitivamente. Se conseguirem ter um meio-campo forte e um pouco de sorte, penso que podem ir longe. Portugal tem grandes jogadores, com muita técnica. Além disso vão jogar no Brasil, estão praticamente em casa, não é? É a mesma língua, a comida não deve ser muito diferente, vão ter o apoio dos irmãos brasileiros. Acho que Portugal tem boas hipóteses», referiu já a caminho do relvado, nos arredores de Ancara, onde a Suécia vai jogar esta quarta-feira.

A seleção da Suécia tem sido a sua principal ocupação nos últimos quatro anos, mas sempre que tem tempo livre, Eriksson também trabalha numa empresa de pós-produção de vídeos. «Faço resumos dos jogos da I e II Divisão do campeonato sueco. É outra coisa que gosto muito de fazer e que quero dedicar mais tempo», contou ainda A conversa acabava subitamente aqui. Ibrahimovic e companhia já estavam a descer para o treino no Estádio Mayis. Eriksson não queria ficar para trás.

Os jogos de Lars Eriksson no FC Porto

1995/96: 7 jogos (4 no campeonato, 2 na Taça de Portugal e 1 na Supertaça)

1996/97: 1 jogo (1 campeonato)

1997/98: 5 jogos (4 no campeonato e 1 na Taça de Portugal)

Total: treze jogos e 16 golos sofridos