DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.

PETER LIPCSEI: FC Porto (1995/96) e Sp. Espinho (1996/97)

«Hello Lipcsei! I’m from Portugal, how ar…». A frase é logo interrompida. «Portugal? É melhor em português então. O meu inglês ainda é pior…».

Um bem disposto Peter Lipcsei atende o telefone ao Maisfutebol e ainda num português perfeitamente compreensível, pese um ou outro percalço, desata a lembrar os tempos que passou em Portugal. Não foi um período muito longo (ano e meio), mas foi marcante, percebe-se logo.

«Gostei muito do tempo do Porto, não só pelo clube mas pela cidade e pelo país. Adoro Portugal, adoro os portugueses que me trataram sempre bem. Fui muito feliz aí», confessa.

Aos 44 anos, Lipcsei continua ligado ao futebol. É treinador da equipa de juniores do Ferencvaros, clube que lhe está marcado no sangue: «Estou na história do clube. 648 jogos! Ninguém fez mais.»

Deixou de jogar em 2010, com 38, numa carreira longuíssima. Os dois filhos também tentam seguir-lhe as pisadas. O mais novo nasceu no Porto, aliás, em 1996. É até treinado pelo pai, na equipa de juniores. «Para ele não é fácil porque tem de lidar com o que as pessoas dizem por ser meu filho, mas só joga se estiver bem», garante.

Com o filho mais velho, na festa do título no FC Porto

Mas vamos ao FC Porto, então. É para recuar até 1995 que pegamos no telefone e convidamos Lipcsei para a viagem. O médio fez uma temporada bastante interessante na equipa de Bobby Robson, que conquistaria o campeonato nesse ano.

Lembra que havia muita concorrência para o meio campo e, por isso, nunca foi um titular indiscutível. Mas os números estão longe de envergonhar.

Os números de Lipcsei em Portugal:

1995/96 – FC Porto (28 jogos/6 golos)

1996/97 – Sp. Espinho (5 jogos)

«O meu futebol cresceu muito em Portugal. O primeiro mês foi difícil. Os treinos eram muito fortes, o Robson não perdoava. Sempre me dizia que eu tinha muita habilidade e que tinha de dar 150 por cento nos treinos. É isso que eu digo hoje aos meus jogadores. Se derem 150 por cento depois nos jogos é mais fácil», conta.

Bobby Robson é, entende-se, um personagem que ficou marcado na história de Lipcsei: «Sabia tudo de futebol!».

«Era uma grande ajuda para nós, sobretudo para os estrangeiros. Eu e o Mielcarski tínhamos mais dificuldades. Gostava muito dele e ele também gostava muito de nós», acrescenta.

Um golo de Lipcsei ao Benfica (11m30) numa vitória por 3-0

«O FC Porto não dava hipóteses»

A temporada de 1995/96 foi muito boa para o FC Porto de Bobby Robson. Aliás, o treinador acabou até por sair para o Barcelona, no final, conquistado o bicampeonato. Lipcsei foi uma espécie de amuleto: em 28 jogos, divididos por todas as competições, apenas perdeu um! O último que fez, precisamente, na Luz, contra o Benfica, já com o título no bolso.

«A nossa equipa era muito boa. Domingos, Baía, Jorge Costa, Secretário…Ganhámos o campeonato. O FC Porto não dava hipóteses. Só a equipa de 2004, que foi campeã europeia, era melhor do que a nossa. Aloísio, Rui Barros, Edmilson, Rui Jorge…Muitos, muitos bons jogadores», insiste.

O melhor amigo era Jorge Costa. «Foi uma grande ajuda para mim e para a minha família. Tive um filho em Portugal, a minha esposa não falava português, nem inglês e o Jorge Costa ajudou-nos muito», conta. E, aproveitando o momento, tenta matar saudades: «Ainda está em África? Gostava de voltar a falar com ele, arranje-me lá o contacto…»

Um onze do FC Porto com Lipcsei em 1995/96

«Na rua pediam-me para ganhar ao Benfica»

O FC Porto ia somando vitórias e Lipcsei, nem sempre titular, ganhava algum crédito com alguns golos importantes. O que marcou ao Benfica, por exemplo, ficou-lhe na memória. «Acho que foi o meu melhor jogo. Ganhámos 3-0 e marquei o terceiro. Que ambiente! Parecido só o Ferencvaros-Ujpest», defende.

Mas houve mais: «Contra o Estrela da Amadora: ganhamos 6-0 e fiz dois golos. E ainda com o Boavista, marquei de cabeça o 1-1 no último minuto.»

O golo ao Boavista que valeu um ponto saboroso:

De qualquer forma, nada se compara ao Clássico com o rival encarnado. «Quando jogávamos com o Benfica, nessa semana, ia na rua e pediam-me para ganhar. Com o Sporting nem tanto. O Benfica era mesmo o maior rival», refere.

«É verdade e o Pinto da Costa? (risos) Aos anos que não falo com ele! Como está ele? Há uns tempos estive com o João Pinto, ele veio cá a Budapeste e também há mês e meio com o Rui Jorge, por causa de um jogo sub-21», conta.

Não é à toa que Lipcsei pergunta por Pinto da Costa. Há um grande respeito. E nota-se logo. «O senhor Pinto da Costa foi sempre compreensivo comigo, mesmo quando veio a lesão», revela.

A lesão…O momento que tudo mudou e que ditou o fim no FC Porto. «Foi por isso que saí», conta o húngaro. E detalha: «Fui operado e depois o Robson saiu para o Barcelona e o segundo ano já foi difícil por causa disso tudo. Lesionado, com treinador novo…Era muito difícil voltar. Fui para o Espinho, então, depois para o Ferencvaros. Ainda tinha mais um ano de contrato e o Pinto da Costa disse-me que tinham de ver como estava o meu joelho para saber se voltava. Acabei por sair, fui para a Áustria, para o Salzburgo, dois anos e meio. Depois Ferencvaros até acabar.»

Lipcsei com Pinto da Costa na apresentação como jogador do FC Porto

«O Espinho? Foram só dois meses. Era perto, a poucos quilómetros do Porto, queria jogar e foi a solução. Era uma equipa mais pequena e a minha forma não era a melhor por causa da lesão. Mas como queria muito jogar e no FC Porto não tinha espaço, só treinava, só treinava…Pedi ao presidente e ele arranjou-me o Espinho.»

«Em Portugal dizem-me: ‘Lipcsei já sabes: portista desde pequenino’»

A conversa chega à atualidade. Quisemos saber o que conhece Peter Lipcsei do FC Porto de hoje. «Não conheço tão bem», assume. Mas acrescenta: «Costumo ver os jogos, claro. Quero sempre saber como está o FC Porto.»

«Vi o jogo ontem [terça-feira] com o Copenhaga, por exemplo. Podia ter sido melhor, podiam ter ganho. Eu sou sempre do FC Porto…Para o próximo jogo vamos ganhar e conseguir o apuramento», acredita.

«Quando vou a Portugal as pessoas dizem-me: Lipcsei já sabes, portista desde pequenino! Eu digo isso aos meus jogadores também. Está no meu coração para sempre. Lipcsei é portista desde pequenino…», atira, entre risos.

Para fim de conversa, puxamos pelo Lipcsei treinador. Há talentos na Hungria para Portugal explorar? Gostava de ver algum jogador seu no FC Porto, por exemplo? «Difícil, difícil…»

«É muito diferente do meu tempo, os jogadores de agora só pensam em dinheiro. Os húngaros só querem dinheiro, não querem é trabalhar para ele», acusa.

Depois acrescenta: «Havia um que era bom, que eu treinei e foi agora para o Bolonha. Adam Nagy, conhece?» O médio brilhou no Euro 2016 e foi associado ao Benfica. «Eu lembro-me», diz Lipcsei. E vai mais longe: «Acho que tinha sido melhor para ele, mas os empresários é que decidem…»

Peter Lipcsei no Ferencvaros

Por falar no Euro, ainda houve tempo para recordar a epopeia portuguesa, tema inserido pelo próprio magiar: «Fica já a saber que só não torci por Portugal num jogo: contra a Hungria, claro.»

«Quando a Hungria não tem nada a ver com a história sou sempre por Portugal. Tenho de ser sincero, antes do Euro achava que Portugal não ia ganhar, mas com o passar dos jogos comecei a acreditar. E na final aqui diziam que ganhava a França e eu dizia que ganhava Portugal. Mesmo com o Ronaldo a sair cedo, sabia que ia ser difícil, mas acreditava», garante.

Mais dois golos de Lipcsei numa goleada ao Estrela de…Fernando Santos:

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