DESTINO: 90s é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90s.

STAN VALCKX, SPORTING: 1992 a 1995

O telefone interrompe o Schalke 04-Sporting em casa de Stan Valckx. «Ligue-me daqui a dois minutos, sim? Falamos com calma ao intervalo».

O holandês arruina, sem saber, a primeira questão do Maisfutebol.

Seria algo deste género: 19 anos depois de ter saído de Alvalade, ainda segue a vida do Sporting? Sim, é óbvio que sim.

«Olá outra vez. Conversamos em inglês, ok? Viu a expulsão do central [Maurício] do Sporting? Não pode ser, pôs a equipa em dificuldades. Enfim, tudo é ainda possível».

Stan Valckx era, de facto, a antítese de Maurício. Compenetrado, tranquilo, um defesa central sólido e um médio-defensivo capaz de organizar e fazer jogar a equipa. 20 vezes internacional pela Holanda [quatro jogos no Mundial-94], figura histórica do VVV Venlo [onde é atualmente conselheiro desportivo] e do PSV.

«Então o que me quer? Falar do Sporting é um prazer. Tenho grandes recordações, quase todas boas. Assim, de repente, lembro-me de duas más, que me mataram: o dia em que Bobby Robson foi despedido e a derrota por 3-6 contra o Benfica. Que pesadelo!»

Stan Valckx no Sporting-Benfica, 3-6



Valckx chega a Lisboa em 1992. Por culpa de Bobby Robson. «Tinha trabalhado com ele no PSV. Ligou-me e perguntou: 'Stan, estás a precisar de mudar de ares. Que tal uma aventura no Sporting, longe de Eindhoven'? Aceitei de imediato».

Parece mentira mas, poucas semanas antes de assinar, Stan Valckx dá uma entrevista a uma revista holandesa onde fala do... Sporting.

«Muito antes de saber que ia, é verdade. Quiseram saber que clubes eu apoiava fora da Holanda e eu respondi Celtic e Sporting. Por causa dos equipamentos. Que coincidência, não?»


Stan impõe-se rapidamente. Robson não abdica da experiência do holandês. «Já tinha 29 anos e o mister queria-me sempre na equipa. O resto eram miúdos, como o Figo e o Peixe. Craques, sim, mas verdinhos. Senti grande responsabilidade por isso mesmo».


Valckx fica dois anos e alguns meses no clube. Não conquista qualquer título, mas recorda «grandes momentos», antes do «trágico 3-6» no dérbi, já com Carlos Queiroz em 1994.

«Derrotámos o Real Madrid, por exemplo. Lembro-me de um 2-0 ao Benfica, com golos de Balakov e Iordanov. E adorava os jogos contra o FC Porto. Aquilo é que era futebol, uma tensão permanente. Na Holanda jogávamos descontraídos, um futebol aberto e cheio de golos. Em Portugal era uma pressão permanente».

O Sporting acaba a época 1992/93 no terceiro lugar e repete a posição na temporada seguinte. Aí, diz Valckx, o «inesquecível [Sousa] Cintra» comete o seu maior erro. «Despediu o senhor Robson. Não teve paciência, precipitou-se. E voltámos a não ser campeões».

Golo de Valckx ao Farense (com as costas, aos 7s)



Crónicas dessa época sugerem atritos entre Stan Valckx e Carlos Queiroz. O antigo internacional holandês desmente categoricamente qualquer problema.

«O Bobby Robson era um homem que dava liberdade, motivava, apoiava com paixão. O professor Queiroz era organizado, meticuloso, mais sério, mas tive uma relação normal com ele. Se foi ele o culpado da minha saída? Não, isso é mentira», assegura Valckx.

Os factos são estes: em outubro de 1995, já com oito realizados pelo Sporting, Stan Valckx parte para representar a seleção da Holanda e já não volta. O que aconteceu, de facto?

«Fui jogar pela seleção e os dirigentes do PSV ligaram-me. Tinham vendido o Popescu ao Tottenham e precisavam de um central experiente. Eu já tinha 32 anos e senti que era uma grande oportunidade de voltar. Ainda fiz mais cinco temporadas, até aos 37 anos»
.

Golo de Valckx em Guimarães (25s)



E o tal 3-6 frente ao Benfica? Stan Valckx ri-se e dispara num inglês sussurrante. «Temos mesmo de falar disso? Então é assim. Lembra-se do João Vieira Pinto? O baixinho era notável, notável. Desfez-nos. Errámos em vários momentos e ele, com espaço, desfez-nos».

«Esse foi o meu pior jogo no Sporting. O melhor? Difícil. É mais fácil escolher o meu melhor golo». Vamos a isso, caro Stan.

«Livre direto, contra o Boavista. Uma bomba. Ganhámos 4-0 [4 de abril de 1993]».

Aqui estão as provas:



O tempo passa depressa e Stan Valckx quer voltar para o sofá. Faltam duas perguntas. Primeiro, obrigatória, relacionada com Sousa Cintra. Como era a relação entre Valckx e o presidente?

«Que personagem! Bom homem, apaixonado pelo Sporting. Tive algumas discussões com ele, sim. Por vezes entrava no balneário aos berros e certo dia tive de o pôr no lugar. Aquele era um lugar sagrado. Nem o presidente podia lá estar».

Imagens de Valckx nos anos 80



Finalmente, o Campeonato do Mundo de 1994. Stan Valckx participa em quatro dos cinco jogos da Holanda. A sucedânea da Laranja Mecânica cai nos quartos-de-final frente ao Brasil, num grande jogo de futebol.

«Fomos roubados. O Brasil fez dois golos em fora-de-jogo. Deixámos uma grande imagem. Esse torneio foi de loucos. Fizemos jogos ao meio-dia, com 36 graus e uma humidade incrível. Vi colegas meus a vomitarem ao intervalo. Foi uma experiência inacreditável».

«Comecei na segunda divisão, fui contratado pelo PSV e pelo Sporting. Joguei num Mundial. O que mais posso pedir?»


Nada? «Só uma coisa: o Sporting já recomeçou e sofreu o segundo golo. Deixa-me ir ver o resto?»

Números de Stan Valckx no Sporting:

1992/93: 40 jogos/4 golos (3º lugar)
1993/94: 42 jogos/2 golos (3º lugar)
1994/95: 8 jogos - sai para o PSV em outubro (2º lugar)

Valckx no Brasil-Holanda do Mundial-94