A caminho dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, o Maisfutebol lança uma série de conversas com atletas portugueses já qualificados. São 44 até agora, ainda com várias modalidades por definir. Estas são as suas histórias.

Teresa Portela acabou de chegar da Hungria, onde disputou a última grande competição antes daquela que será a sua quinta presença em Jogos Olímpicos. Mais uma viagem, para quem anda há duas décadas a competir a alto nível. E já perdeu a conta às provas em que participou, e às medalhas que ganhou.

«Não é algo que eu faça questão de contar. Às vezes perguntam-me e vou ver, até à internet. Medalhas nacionais devo ter à volta de 70. Internacionais, talvez 50. Tenho muitas competições, não sei quantas. Já ouvi muitas vezes aquele tiro de largada», sorri. «Mas é sempre tudo novo. Por isso, estar a contabilizar não é uma coisa que me preencha. Interessa-me mais qual é o próximo desafio. Sinto que ainda posso ser melhor e ainda posso superar-me. Ser atleta de alta competição é isso, é gostar desta superação. Não é só ganhar, é sentir isso mesmo nos treinos.»

Aos 36 anos, Teresa Portela continua a encontrar a motivação para se superar. No último fim de semana terminou no segundo lugar na final B da Taça do Mundo. Não era o resultado que desejava, mas olha em frente. «Gostava que tivesse sido um pouco melhor. Ainda assim gostei da última prova que fiz, por isso sinto que deu para perceber onde tenho de melhorar e o que tenho de fazer para estar melhor em Paris.»

Há três anos, em Tóquio, Teresa Portela chegou à final de K1 500m e terminou no sétimo lugar, a sua melhor classificação individual em Jogos Olímpicos. No final, disse que não pensava voltar a competir nessa distância, a mais exigente. Mas voltou a conseguir a qualificação e cá está ela, a preparar o seu quinto ciclo olímpico.

«Não fazia questão de ir a K1 500, é muito desgastante. Mas tenho aprendido que não se pode planear nada. As coisas vão acontecendo», diz. Acho que toda a minha carreira foi muito assim. Obviamente eu tenho planos, tenho objetivos, mas as coisas foram acontecendo.»

O clube náutico ao lado de casa

Aconteceu, antes de mais, que Teresa Portela nasceu em Gemeses, perto de Esposende, sítio com longa tradição de canoagem. Estava ali, literalmente ao lado de casa. Os irmãos, mais velhos, já praticavam canoagem. Por isso, foi natural ela entrar num barco e começar a remar, logo aos seis anos. «Há 30 anos, em 1996, não havia tantas opções como agora para fazermos alguma atividade. E o clube náutico é mesmo ao lado da casa dos meus pais. Além de ser um desporto muito comum em Gemeses - o clube é um dos melhores a nível nacional -, havia poucas opções e era fácil. Ser de Gemeses é ter experimentado canoagem pelo menos no verão.»

«Eu tive jeito logo no início. Não sei se adorava, mas de verão é um desporto muito interessante por causa do bom tempo, estar na água. Todos os miúdos andavam ali, era também um espaço de brincadeiras. Acho que isso também ajudou», recorda Teresa: «Tinha jeito, as competições iam correndo bem e fui ficando. Mas foi mais tarde que comecei realmente a gostar e a achar que podia fazer uma carreira na canoagem.»

Começou a competir internacionalmente em 2002 e foi percebendo que podia chegar longe. «Foi tudo muito progressivo. Conseguir ir aos primeiros Jogos foi um momento marcante. Não foi muito planeado, mas as coisas iam correndo bem e consegui apurar-me. Os primeiros Jogos fizeram assim um clique: ‘Sim, isto é giro, é algo que me faz sentir bem’.»

Foi dois anos depois do 14ª lugar em Pequim 2008 que Teresa Portela sentiu que podia mesmo competir com as melhores. «2010 foi o primeiro ano em que cheguei à final de uma grande competição. Foi a primeira vez que tive aquela sensação de estar ali no meio das melhores atletas e já ser vista como uma delas. Ganhei uma Taça do Mundo, fui quarta no Campeonato do Mundo, foi um ano que me marcou muito por essa sensação. Talvez tenha sido necessário também para acreditar que podia ter bons resultados.»

Como a geração dourada da canoagem abriu portas

É um dos rostos da geração dourada da canoagem portuguesa, ao lado de Emanuel Silva, Fernando Pimenta ou João Ribeiro, atletas que levaram a modalidade para outro nível, ao ritmo de inúmeras conquistas internacionais, individuais e em equipa. Foi um longo caminho, recorda Teresa Portela. «Eu praticamente acompanhei o processo todo. Estou na seleção desde 2002, ainda sou do tempo em que não havia grandes condições, não havia por exemplo um hangar para pormos os barcos. Não havia uma equipa, lembro-me de estar muitas vezes sozinha.»

Depois de Emanuel Silva ter sido finalista em Atenas 2004, quatro anos mais tarde Portugal teve pela primeira vez uma equipa feminina em Pequim, da qual fazia parte Teresa Portela. «A partir daí fomos abrindo portas. E agora não tem nada a ver, a evolução é transversal a tudo.» Seguiram-se, nos Jogos Olímpicos, as medalhas de prata de Emanuel Silva e Fernando Pimenta em Londres 2012, depois a prata de Pimenta em Tóquio.

Essa geração continua a dar cartas, mas Teresa Portela revela alguma preocupação quanto ao futuro e à capacidade de desenvolver novos talentos. «A canoagem tem tido bons resultados, mas são atletas praticamente da minha idade. É importante perceber de que forma é que vamos motivar a geração mais nova a conseguir também ter bons resultados. O mundo evoluiu, os miúdos de agora não têm nada a ver. Acho que não tem havido uma boa adaptação. Se calhar a parte mental agora é mais importante do que dantes. Agora os miúdos são muito mais protegidos e quando chegam à alta competição não estão tão preparados e continua a não haver esse apoio. Se calhar nós dantes conseguíamos dar melhor a volta por cima e agora não tanto. É preciso que as novas gerações comecem a entrar, porque nós entretanto também vamos sair.»

A falta de apoio nos momentos difíceis e um conselho aos mais jovens

Teresa Portela recorre à sua própria experiência para falar sobre o assunto. Um atleta de alta competição passa sempre por momentos mais complicados e ela não foi exceção. «Tive momentos em que me apeteceu desistir, em que achei que não fazia sentido. Tive ali uns problemas com a Federação também, mas são coisas já ultrapassadas e se calhar tiveram que acontecer para chegar aqui como cheguei. Mas sim, houve muitos momentos que se calhar era escusado ter passado», sorri.

«Tive de ser eu de certa forma a procurar soluções, porque não há esse apoio. Infelizmente, acho que acontece com muitos atletas, por um mau resultado, um momento pior em que ninguém lhes dá a mão e vão ficando para trás. Não há um enquadramento para terem melhor saúde mental», observa. Agora há mais alguma sensibilidade para o tema, mas na sua opinião ainda não é suficiente. «Já há mais abertura para os atletas falarem disso e procurarem ajuda. Os atletas estão mais sensíveis, mas eu ainda vejo que quem está à volta não está assim tão preocupado com isso, na alta competição interessam mais os resultados do que o bem-estar dos atletas.»

Ser atleta de alta competição implica também abdicar de muita coisa durante a juventude. Mas é importante, diz Teresa Portela, encontrar um equilíbrio, precisamente em nome do bem-estar psicológico. «Eu acho que a alta competição não tem de implicar abdicar de tudo. É possível ter amigos, ter vida social, estudar e ser um atleta. Por vezes achamos que temos de estar só focados só numa coisa. Eu própria durante alguns anos também achei isso. Mas se tivesse de dar um conselho aos mais novos é que tentem, de forma equilibrada, conseguir encaixar tudo. Tem de haver regras, disciplina, organização, mas nunca obsessão. Se o resto também não estiver bem não vale a pena.»

A fisioterapia, a osteopatia e os vídeos no Instagram

Teresa Portela encontrou esse equilíbrio nos estudos. A par da carreira de atleta, ela foi estudando. Formou-se em fisioterapia e mais tarde tirou ainda outro curso, de osteopatia. «Curiosamente, eu estudei porque sentia que isso me beneficiava como atleta. Sempre gostei de estudar, desde miúda. Sempre tentei conciliar as duas coisas e consegui levar ambas bem. Na universidade foi fácil, tive sorte com os professores e soube interagir com eles, para perceberem que se calhar não ia estar sempre. Quando acabei fisioterapia tive dois anos em que não estudei e depois procurei outro curso porque equilibrava-me, de certa forma. A canoagem sempre foi a prioridade, mas sempre senti que era importante manter este equilíbrio.»

Esse conhecimento também a ajudou na carreira. Passou a fazer o seu próprio plano de exercícios. «No desporto não há uma rotina de exercícios de reforço, de mobilidade. E desde que eu comecei a fazer há uns anos comecei a sentir-me melhor. Com menos dores, com menos problemas. E comecei a interessar-me mais por isso. A forma mais saudável de conseguirmos dominar ou controlar o que vai acontecer no nosso corpo é fazendo esses exercícios.»

Agora, decidiu levar os seus conhecimentos para as redes sociais. Publica regularmente no Instagram exercícios e recomendações, destinados a atletas mas não só. «Foi também um bocadinho para me manter ocupada, a fazer o que gosto. Estudava, lia e assumi o compromisso de ir pondo esses vídeos. Tive sempre um feedback positivo. Acho que as pessoas percebem que podemos ter uma vida mais ativa e conseguimos controlar melhor o nosso corpo e as nossas dores fazendo estes exercícios.»

O seu futuro profissional pode passar por esta área, admite Teresa Portela. «Tenho muitas ideias, nada ainda muito claro. Mas gosto dessa ideia de incentivar a uma melhor qualidade de vida através do exercício e conjugar as duas coisas que eu tenho alguma sensibilidade, que é a parte de técnica e de atleta, porque conheço muitas dores», sorri. «Tenho essa empatia e gostava de conjugar. Gosto dessa área, abordar o exercício como uma forma de estilo de vida.»

Melhorar em Paris o sétimo lugar de Tóquio

Mas, para já, o presente ainda é a canoagem. Com mais uns Jogos Olímpicos no horizonte. Não serão necessariamente os últimos, diz Teresa Portela. «Gostava de fazer outras coisas, mas enquanto sentir que posso ser melhor atleta e gostar, não vejo razão para não o fazer. É ir vendo como as coisas vão correndo e logo se decide.»

Os objetivos para Paris estão definidos. «Gostava de fazer melhor do que o sétimo lugar de Tóquio. Sei que vai ser difícil, mas sinto que é possível. Há ali 20 atletas que podem perfeitamente estar entre as oito que vão à final. O que vou tentar fazer é chegar o melhor possível, sentir que chego bem treinada.»

A diferença entre estar ou não na final, chegar ou não a uma medalha, é muito curta. «É um segundo, ficar um segundo para a frente ou para trás. Por norma quando estou bem consigo superar-me e fazer bem, mas é importante chegar lá bem. E depois também ter alguma sorte, porque a combinação de semifinais, por exemplo, também é algo que não podemos controlar. Há três ou quatro atletas que são muito difíceis e podem coincidir na tua semifinal e isso pode fazer diferença.»

A «outra» Teresa Portela, rival e amiga

Teresa Portela encara os Jogos como uma competição especial, mas não necessariamente como o objetivo primordial de um atleta. «É uma prova diferente, pelo facto de haver um apuramento internacional, há sempre mais pressão. Para mim estar nos Jogos Olímpicos é sentir que consegui estar à altura e confirmar o que consigo fazer sob pressão. Eu gosto de sentir que fechei cada ciclo com os Jogos Olímpicos, mas não tem de ser o maior sonho de qualquer atleta. Acho que há atletas que podem ter outros sonhos igualmente satisfatórios.»

A atleta portuguesa já viveu quatro Jogos Olímpicos e foram todos experiências diferentes. «Em Pequim, eu tinha 20 anos, aquilo era tudo novidade, éramos três e tentámos desfrutar. Nos Jogos seguintes foi muito mais controlado, mais a pensar na competição», diz, notando que o calendário não deixa normalmente aos atletas da canoagem muito tempo para a vivência da aldeia olímpica. «A canoagem fica sempre para a última semana, nunca dá para termos um ou dois dias depois da competição para estarmos tranquilos na aldeia.»

De tantos anos de competição ficam, no entanto, muitas histórias. Teresa Portela tem uma muito especial. Ela partilha o nome com a canoísta espanhola Teresa Portela, multicampeã e medalhada olímpica, que em Paris somará a sétima presença em Jogos Olímpicos. A coincidência já deu origem a inúmeras confusões e resultou numa grande amizade.

«Confusões há muitas, eu acho que ainda há gente que acredita que é só uma», ri-se Teresa Portela. «Eu gosto dela e não me importo nada que me confundam com ela. Ela às vezes manda-me e-mails que eram para mim e eu mando para ela, já desvalorizamos. «Damo-nos super bem, é uma coisa muito especial. Até porque vivemos perto uma da outra, eu sou de Esposende e ela é de perto de Pontevedra. Treinámos juntas para Tóquio. É uma coincidência bonita, coincidirmos na canoagem durante muitos anos. Ela também estudou fisioterapia, então sentimos que temos muitas coisas em comum. Tem sido um prazer treinar com ela. É das coisas mais bonitas que a canoagem me trouxe.»