Nós, os jornalistas, conversamos pouco sobre jornalismo com os leitores. Conversamos também pouco sobre jornalismo entre nós e ainda um pouco menos do que isso sobre a situação em que está o jornalismo. Este artigo não resolve a coisa, claro. É uma gota. Fala de jornalismo e de clubes de futebol, em Portugal, hoje. 

No entanto, começo por uma pequena história, com mais de 20 anos.

Ali por 1990, recordo-me de estar junto ao Estádio da Luz, a ver o que se passava. Era um aspirante a jornalista com 22 anos. Observar era quase tudo o que me permitiam fazer. De repente, um jornalista de «A Bola» sai de um táxi, esbaforido. Bloco A4, caneta. Varre o parque automóvel com um olhar rápido e
ataca o primeiro jogador que sai pela porta principal da Luz. É Ademir, o médio de ataque que o Benfica tinha contratado ao Vitória de Guimarães.

No dia seguinte, «A Bola» trazia uma página com Ademir, na primeira pessoa. Não vou parecer velho e dizer que nesse tempo era mais fácil. 

Mas era.

Esta história passou-se bem antes do dial-up e obviamente seria impossível hoje, no tempo dos centros de estágio, dos diretores de comunicação e dos canais próprios de TV. Naquele tempo, por estranho que pareça, também havia todos os anos um campeão. E um segundo classificado e um clube grande que entrava em crise. Acreditava-se é que a origem do bem e do mal não era detida pelo assessor de imprensa ou pelo analista que se mantém online. 

Clubes e meios de comunicação que falam/escrevem/mostram futebol têm em comum os consumidores, a um tempo adeptos e leitores/ouvintes/espectadores. Nesta relação entre quem joga, quem organiza e quem conta e critica o jogo, não custa admitir que os jornalistas envelheceram pior. E não estou a pensar em cabelos brancos e rugas.

Tento explicar.

Nas últimas duas décadas, os grandes clubes montaram os seus próprios meios de comunicação social. Do outro lado, mantiveram-se três jornais desportivos, apareceu este que publica o texto que está a ler, além de duas televisões de desporto. E os canais generalistas lançaram televisões por cabo, de informação, em que o desporto é tema quase sempre presente. E com boas audiências.

A situação atual é, pois, peculiar. Por um lado nunca se falou tanto sobre desporto, especialmente futebol, especialmente os três clubes maiores. Por outro, o acesso direto às fontes decresce a cada ano. O afastamento entre meios e protagonistas torna mais delicada a construção, e comercialização, de produtos informativos. Empobrece-os. 

O exemplo que mais me impressionou, nos últimos tempos, foi a passagem de Vítor Pereira pelo «Maisfutebol», na TVI24. Se aquele treinador, com aquela capacidade de comunicar, aquela convicção e aquelas ideias tivesse sido sido autorizado (palavra deprimente...) a falar daquela forma, livremente, durante o tempo em que esteve no banco, será que os adeptos do FC Porto o deixariam sair do Dragão? Duvido.  

Tudo isto se complicou desde o tal dia em que o jornalista chegou à Luz e fez uma página com quem por ali andava. Os jornais desportivos passaram a diário. As redações, numa primeira fase, cresceram, mas o tempo diminuiu. Histórias que antes podiam ser trabalhadas e refletidas passavam a ter maior urgência. O número de páginas aumentou. O que em outros dias não valeria mais do que uma breve, transformou-se em abertura de página. Não é crítica.
Eu estava lá e participei nisto.

Na prática, os jornais que colocam na banca diariamente um produto editorial de desporto acreditaram, durante anos, que seria suficiente escrever sobre Benfica, Sporting e FC Porto. O resto aconteceria. Hoje a realidade é dura. As vendas nunca foram tão baixas e apesar da elevada audiência das edições online o modelo de negócio não garante otimismo.

Em 1997, por exemplo, o jornal «Record» tinha como circulação diária 90 mil exemplares. «O Jogo» 36 mil. «A Bola» sempre reservou para si os números, mas por essa altura ainda estava à frente do «Record». 

Dez anos depois o jornal com sede no Porto tinha mantido a tiragem, a publicação da Cofina caíra para 77 mil. «A Bola» já não devia andar longe. 

Nos primeiros dois meses de 2014, circulam por dia pouco mais de 46 mil exemplares do «Record» e apenas 22 mil de «O Jogo». Qualquer publicação do jornal no Facebook chega a mais pessoas. Que não pagam. ( mais sobre tiragens, aqui)

Do meu ponto de vista, isto sucede por três razões:

1. Afunilamento do conteúdo. Este foi pecado maior. Os três jornais foram incapazes de abrir os horizontes dos leitores. Viciaram-se no noticiário de Benfica, Sporting e FC Porto. E assim ficaram. Os outros clubes não interessam (culpa deles, também), os outros desportos só chegam às primeiras páginas quando há medalhas ou pancadaria. Não é uma crítica, é um facto.

2. A internet. Pense um pouco. Quando lhe custou ler este texto? Nada? Não é bem assim. Alguém teve de pagar o seu acesso à internet. Um operador ficou com o seu dinheiro. O Maisfutebol oferece-lhe o conteúdo. Seria ótimo se isso sucedesse também quando vai ao restaurante ou ao hipermercado, não era? De facto, os media tradicionais, e os que como nós nasceram na Web, não foram geniais a definir um plano de negócio.

3. A dimensão das redações. Cada vez com menos dinheiro proveniente da venda em banca, os jornais apostaram o que podiam na captação de publicidade e na venda de produtos associados (livros, dvds). Mas a receita caiu. Tornou-se necessário diminuir custos, o que implicou, entre outras, duas coisas: redações mais pequenas e menos dinheiro aplicado em deslocações e colunistas. Ou seja, menos reportagem, menos opinião, menor capacidade para fazer a diferença.

Em Portugal, até por causa da crise dos últimos anos, o desporto tem hoje escassa expressão. A qualidade também baixou. Isso não sucede em Espanha, Itália ou França. E seguramente não é a realidade em Inglaterra ou na Alemanha.

Por cá, um clube da I Liga tem mais espaço e atenção do que um canoísta, uma seleção de qualquer modalidade ou um atleta, seja de que modalidade individual for. E, estupidamente, os clubes médios e pequenos da Liga nem têm sabido aproveitar a asfixia imposta pelos grandes. Pelo contrário, de uma forma geral copiam as regras dos maiores, desperdiçando o espaço oferecido, diariamente, nos jornais desportivos. Quase sempre sem imaginação, sem rasgo, fechados sobre hábitos antigos e medos. Neste ponto, valia a pena olharem em detalhe para o que está a ser feito na Federação Portuguesa de Futebol. E não apenas na seleção principal.

Mas, como sabem todos os que trabalham online, existe público que deseja consumir informação sobre outros temas, não apenas Benfica, Sporting e FC Porto. Uma audiência talvez até mais qualificada e informada, que assiste e discute futebol internacional. E outras modalidades. Pessoas que se interessam por Cristiano Ronaldo e José Mourinho. Que lêem uma boa história sobre André Villas-Boas, que vêem um programa onde esteja Vítor Pereira. Que seguem um ciclista como Rui Costa e vibram com os jogos de João Sousa e querem saber mais sobre José Fonte. É curto? Provavelmente, mas sempre será mais do que o atual beco onde quase não entra a luz.

Fenómenos como a final de Lisboa, entre Real Madrid e Atlético de Madrid devem fazer-nos refletir. A audiência deseja aquele conteúdo, vive aquele conteúdo. Os números revelados são esmagadores. Na TVI, por exemplo, o jogo foi visto, em média, por cerca de três milhões de pessoas. E na TVI24 a audiência do dia foi superior à que a SIC Notícias conseguiu com o Benfica na Liga Europa. Claro que passar o interesse da televisão e da Web para o papel é um desafio duro. Mas talvez ainda seja possível.

O tempo em que um jornalista, aquele do início do texto ou outro, chegava a um clube grande e acedia a quem desejava não voltará. O adepto que está a ler este texto dirá «ainda bem, menos problemas». O leitor, sobretudo o mais velho, sabe o muito que se perdeu. Por este caminho, um dia haverá menos gente a escrever, menos estórias, menos e pior reportagem, nenhuma investigação e até escassa opinião livre, forte e qualificada sobre futebol. Ou seja, menor aproximação à verdade, mais especulação. Mais construção, menos realidade. Duvido que isto seja bom para os clubes. Seguramente será mau para si, caro leitor/adepto.