Se tiver menos de 40 anos é provável que a personagem lhe seja estranha. Djalma Nascimento de Freitas, glória do F.C. Porto entre 1966 e 1969, e muito provavelmente o maior boémio de sempre do futebol português. Por alturas do último Clássico no Dragão, redescobrimos os seus feitos, regados com porções monstruosas de álcool e emoldurados numa inconsciência kamikaze.

Heróico nos relvados, louco fora deles. A personagem, digna de um qualquer melodrama tragicómico da Sétima Arte, cativou-nos. São tantos e tantos os relatos de molecagem e rebeldia, tantas e tantas as afrontas à sensatez, que Djalma podia muito bem ter saltado directamente das páginas de um romance carnavalesco de Jorge Amado para o argumento da vida real.

A muito custo, o Maisfutebol apanhou-o no Bairro da Várzea, cidade de Recife, a meio de um jogo de baralho no restaurante favorito. «Passo aqui as minhas tardes», diz seu Djalma, bon vivant reformado, na voz trémula de 70 anos cansados. Custa a acreditar ter sido mesmo ele o responsável pela preocupação de tantos pais portugueses em relação à seriedade donzelesca das filhas.

De cabeça perdida e atrás do árbitro

O desassossego começou em 1965. Djalma chegou nesse Verão ao V. Guimarães. Tinha 27 anos, mas a direcção dos minhotos entendeu por bem retirar-lhe cinco. Dava-lhe um ar mais jovem e prometedor. Antes de chegar a Portugal tinha sido detido pela polícia brasileira já dentro do avião.

«Disseram que tinha abandonado a minha mulher com um filho», recorda, mais preocupado com os colegas que jogam às cartas na mesa ao lado.

Vinho rosé, Damas no chão e a morte fintada no Tamariz

Uma mentira acaba em 15 anos de prisão

As diabruras no Minho duraram apenas um ano. Em dois jogos contra o Sp. Braga marcou 11 golos (6-2 na Cidade-Berço, 3-5 na segunda volta). Guimarães rendeu-lhe homenagens várias, Djalma deixou de pagar o que quer que fosse nos estabelecimentos comerciais da urbe onde Portugal germinou.

«Apanhei seis jogos de castigo e só por isso não fui o melhor marcador. [n.d.r. Eusébio (Benfica) e Figueiredo (Sporting) fizeram 26 golos, Djalma marcou 18]», lamenta, interrompido aqui e ali por uma tosse traiçoeira.

Atrás de cada frase vem uma recordação. Seis jogos de castigo? «Agredi um adversário [contra o Salgueiros] porque ele simulou ter sido agredido. Eu não tinha feito nada e perdi a cabeça. Bati nele e depois fui atrás do árbitro.»

Seis jogos, pois.

A bebida, muitos filhos e ainda mais mulheres

Num dia de excessos, Djalma fugiu do estágio para ir ver a namorada. Pegou no Austin que o V. Guimarães lhe oferecera e (ironia das ironias) em frente ao estádio do Sp. Braga atropelou um homem de etnia cigana. Mais problemas.

«Tudo se resolveu. Fiquei com muito medo e comecei a dar-lhe dinheiro todos os meses», confirma, meio embaraçado. «Adorava a bebida e as mulheres. A minha vida era um carro alegórico. Tinha cor, álcool, meninas e ritmo. Deixei sete filhos em Portugal, todos de mães diferentes. No Brasil tenho mais cinco. Estou feliz porque já conheci todos e posso acabar os meus dias em paz.»



Djalma saiu do V. Guimarães e passou por F.C. Porto, Belenenses, Oriental, Marinhense e Sp. Espinho até 1974.