artigo original: 31-01-2018 00:51

Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

É com a camisola do Estarreja que Fábio Novo vai redescobrindo o entusiasmo pelo futebol. Aos 20 anos, o avançado conta já com um percurso de autêntica montanha russa, marcado por lágrimas de saudade e sonhos de jogar «pelo menos na I Liga». Da geração de ouro do Seixal e das chamadas à seleção nacional, à desilusão de perceber que já não contava para o Benfica e a descida de escalões que se lhe seguiu. Foi o primo, Miguel Bruno, que o levou para o futebol, «ainda muito pequenino», e foi ele quem agora o convenceu a não desistir da bola e dos relvados, mesmo quando um caminho já estava a ser trilhado num outro amor: o curso de cabeleireiro.

«Continuo a achar que posso fazer algo bonito no futebol», confessa Fábio Novo ao Maisfutebol, numa conversa que alternou entre o regresso ao passado, a realidade presente, e os sonhos para o futuro.

O caminho de Fábio Novo no futebol começou na escola do primo, aos cinco anos. Daí passou para o Feirense, onde jogou até ter ido a um treino de captação das escolinhas do Benfica. Ficou uns meses no Centro de Formação e Treino dos encarnados de Aveiro, mas aos 12 anos o menino de Arada, Ovar, mudou-se para o centro de estágios do Seixal.

«Os meus pais pensaram muito, mas acabaram por me deixar ir porque era uma oportunidade de ter um futuro melhor», recorda. Mesmo achando que era a «melhor decisão», não foi uma mudança fácil.

«Lembro-me de que no início era super difícil estar sem a minha família e com o passar do tempo ainda ficou pior. Tinha saudades de casa, da minha irmã, que na altura era muito pequenina, saudades dos meus pais, dos meus amigos… Eu vivia, e ainda vivo, numa localidade muito pequena em que toda a gente se conhece, e de repente fui para Lisboa sozinho. Lembro-me de que havia dias em que chorava com saudades».

A pouca idade complicava as idas a casa, para não fazer a viagem de comboio sozinho, e só via os pais quando o iam visitar a Lisboa. «Primeiro duas a três vezes por mês, depois foram sendo menos vezes». «Passava dois e três meses sem ver os meus avós».

«Mas, como tinha aquele sonho de ser jogador de futebol, e sabia que estava perto de o ser - visto que estava a ser formado num clube que trabalha muito bem nas camadas jovens -, não quis deixar a oportunidade passar».

E não deixou. Fábio Novo esteve no Benfica desde os infantis até aos juniores, lado a lado com atletas que ainda hoje vestem a camisola dos encarnados como Francisco Ferreira, Rúben Dias, Diogo Gonçalves, João Carvalho, Yuri Ribeiro (emprestado pelo Benfica ao Rio Ave), Pedro Rodrigues (emprestado ao Estoril), Aurélio Buta (emprestado ao Antuérpia, da Bélgica), e outros ainda, como Renato Sanches.

«Quando fomos campeões de iniciados diziam que éramos a geração de ouro da formação do Benfica, porque já se sabia que iriam sair muitos jogadores da nossa equipa», conta Fábio.

Desses tempos recorda «um futebol muito bonito», «com muita posse de bola», numa equipa que passava «o tempo todo a atacar», mas também a amizade do grupo, «dentro e fora do campo», dos «jogos de playstation» e da «mega-pelada no pequenino sintético» que faziam às segundas-feiras, dia em que as equipas habitualmente não treinavam. «Nem no dia de descanso largávamos a bola».

Era uma vida atarefada, entre escola, ginásio e treino de campo, que ainda assim não os impedia de serem crianças. «Andávamos sempre a correr para não chegarmos atrasados, mas havia tempo para fazer tudo».

«Na altura só me passava pela cabeça ser jogador de futebol. A mim e a qualquer miúdo que lá estava», recorda Fábio. «Achava que iria ser, no mínimo, jogador de I Liga. Pensei até que nesta altura, com 20 anos, já seria jogador de I Liga», conta, mas admite que, com o passar do tempo, a seleção foi apertando e as expectativas foram mudando. «Fomos tendo noção de que não íamos ser todos jogadores de I Liga ou, como o Renato Sanches, vir a jogar numa das três melhores equipas do mundo».

«Estive no Benfica desde infantil até aos juniores e só tive 13, 14 colegas que chegaram até aos juniores», lembra. Uns foram dispensados, outros emprestados, e um dia chegou a vez de Fábio Novo.

Até aos juvenis jogava com regularidade e ia sendo chamado à seleção, uma experiência que não esquece. «É algo especial, diferente. Sente-se o jogo de outra maneira». Fez 11 jogos com a camisola das Quinas, entre sub-15 e sub-16, e chegou a ser chamado a um estágio dos sub-17 antes do Europeu, mas foi um dos que ficaram em terra.

Com a seleção

No clube, as coisas também não seguiram o melhor caminho. Após um empréstimo ao Casa Pia nos juniores, assinou contrato profissional com o Benfica, mas foi dispensado na época seguinte. Aquele que vê como o seu pior momento no futebol.

A passagem pela Oliveirense, do Campeonato de Portugal, na época passada também não correu como esperava. «Ainda estava com a convicção vincada de que ia chegar à I Liga, até porque vemos às vezes jogadores do Campeonato de Portugal a chegarem à I Liga, como é o caso agora do Alfa Semedo, do Moreirense. Eu achei que ia acontecer isso comigo. Mas como não fui aposta, não tive muita hipótese de mostrar alguma coisa».

E depois decidiu desistir. «Chateei-me um bocado com o futebol. Pensei: ‘Ando aqui eu atrás de um sonho, abdico de muita coisa, e não vejo recompensa nenhuma do meu trabalho’. Disse à minha família que não ia jogar mais futebol e que ia tirar o curso de cabeleireiro, que era uma coisa de que gostava desde pequenino, para abrir um espaço meu».

Contrato profissional com o Benfica

Já a fazer o curso, o primo Miguel Bruno convenceu-o a não desistir do futebol. «Acha que eu ainda tenho algum talento, ainda posso fazer alguma coisa no futebol e que posso dar um salto de maturidade e de qualidade».

A época não começou da melhor maneira porque teve uma lesão grave no joelho, que já vinha do tempo do Benfica, mas que nunca tinha ficado bem resolvida. «Tive que ser operado ao menisco e só comecei agora em janeiro a jogar». Fez quatro jogos, três como titular. «Logo no primeiro jogo, entrei 20 minutos e marquei um golo». E o sorriso em campo reapareceu. «Já está a correr melhorzinho. Estou mais entusiasmado».

Ainda assim, Fábio Novo diz que «em termos psicológicos não é fácil aceitar a diferença de realidades». «Estava habituado a condições no Benfica que não encontrei na Oliveirense, nem no Estarreja, mas também sei que a vida dá muitas voltas e que, de um momento para o outro, da mesma maneira que eu desci, também posso voltar a subir. Tudo depende do meu trabalho. Já passei por muita coisa, muita desilusão. Também me sinto hoje psicologicamente mais preparado para conseguir jogar a um nível superior».

Com a seleção

Garante que não se arrepende de ter ido para o Benfica aos 12 anos, mas acredita que foi «demasiado novo». «Se tivesse ficado mais um ano ou dois em casa, talvez tivesse outra mentalidade, que na altura não tive», diz Fábio Novo, que também considera que «os miúdos de perto de Lisboa estão em vantagem porque têm o apoio dos pais».

Apesar de achar que tem «mais jeito para o futebol do que para os cabelos», a aposta agora é «fazer o curso de cabeleireiro em condições», até porque também é um sonho de infância. «Já tinha dito ao meu pai que, se não fosse jogador de futebol, seria cabeleireiro».

«Apesar de tudo, continuo a achar que posso fazer algo bonito no futebol, que tenho qualidade. Acho que vai ser esta época a minha época boa, constante», confessa. O objetivo: «Tentar marcar o maior número de golos possível, fazer boas exibições e voltar a mostrar que sou capaz». E confessa: «Se tivesse uma nova oportunidade, voltava a arriscar, até porque não tenho o sonho arrumado por completo».