Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e de futebol.

«Comecei a jogar com dez anos. Os meus pais não deixavam ir para o futebol antes. Nadava e cheguei a ser campeão distrital, o treinador nem queria que eu fosse para o futebol. Nadava com o Diogo Carvalho, nadador olímpico. Aqui no distrito, ele ganhava tudo, menos um estilo que eu ganhava, bruços.»

Das piscinas aos relvados. Eis Marcelo Santiago, da onda das águas à dos golos. A cumprir a segunda época no Recreio Desportivo de Águeda, o avançado natural de São João de Loure, Albergaria-a-Velha, é o atual melhor marcador entre as cinco séries do Campeonato de Portugal (CP).

São 12 os golos, no mesmo número de jornadas. E só não marcou em duas. Apontou dois no último domingo, na vitória ante o Ferreira de Aves (4-1) com o bónus da chegada à liderança da série C. Contudo, o longo elo de ligação ao desporto começou noutro retângulo que não o relvado.

Dos 4 aos dez anos, Marcelo nadou pelo Galitos. «O meu pai disse que só me levava a um clube quando entrasse para o ciclo. Deixou fazer testes no Beira-Mar e fiquei dos 10 aos 17 anos». Hoje, os auri-negros ainda lhe dizem muito. «No último ano de Beira-Mar jogava ao sábado pelos juniores e ao domingo pelos juvenis. Enquanto sénior, houve possibilidade de regressar. Não aconteceu, era um sonho». Do clube que defendeu entre 1998 e 2005 saltaria para duas épocas nos juniores do FC Porto.

«O FC Porto surge na altura da minha primeira internacionalização. Mostrou interesse e aceitei», conta o dianteiro. A meio da segunda época, em 2006/07, foi emprestado ao Candal. Isto num ano em que os dragões foram campeões nacionais do escalão. Regressaria para festejar. «Estive na festa do título contra o Benfica em casa», conta.

Marcelo no FC Porto: na fila de baixo, o segundo da direita para a esquerda

Nesse plantel dos portistas, figuravam Ukra, Tengarrinha, André Pinto, Ventura, Candeias ou Rui Pedro, o do Ferencváros. «Éramos unidos, trabalhadores», recorda. Episódios caricatos? «Era com o Ukra. Mesmo enquanto sénior, há vídeos dele na brincadeira. Na altura, já era ele que animava sempre o balneário», detalha Marcelo, nada desiludido pelo empréstimo de então: «não estava a encontrar espaço» no FC Porto.

Seleções jovens, estrangeiro e a recordação de Tondela

No percurso jovem, Marcelo somou 12 internacionalizações e um golo entre sub-17, sub-18 e sub-19, com colegas de renome. «O nosso guarda-redes era o Rui Patrício, capitão era o Daniel Carriço. Tirando os do FC Porto, tínhamos o João Martins, Fábio Coentrão, Pereirinha, Fábio Paim...», enumera, no imediato.

Na carreira, duas experiências no estrangeiro. A primeira no salto para sénior, em Espanha, no Pontevedra. Em 2012, esteve nos sérvios do Jagodina meio ano, antes do regresso a Portugal para a Naval. Isto na última época dos figueirenses no futebol profissional, antes da insolvência. «Estive lá meio ano e do clube não recebi um mês», lamenta. Antes disso, ajudara no início de uma campanha que levaria o Jagodina à conquista da Taça da Sérvia, em 2013.

Pelo meio, Sp. Espinho, Pampilhosa, Gondomar e Tondela. E é dos beirões que guarda uma recordação especial: a subida à II Liga. «Fiz parte da primeira subida do Tondela aos campeonatos profissionais. Tive a felicidade de o golo, no jogo da subida, ter sido marcado por mim [no empate 1-1 com o Fátima]», frisa. Uma época «atribulada» e que teve a China pelo meio. «Em janeiro saí 15 dias porque tinha tudo acertado para ir para a China. Na altura fui enganado. Voltei ao Tondela, acabei a jogar. E da melhor maneira, com a subida de divisão», prossegue.

Depois, Feirense, AD Oliveirense, Estarreja e RD Águeda, onde hoje brilha.

O técnico de desenho tem golos como meta

Marcelo está a um golo de igualar a melhor marca pessoal da carreira: fez 13 golos no Pampilhosa e outros tantos no Estarreja, em 2009/10 e 2015/16, por esta ordem. Superá-los é objetivo, sempre em prol do clube. «Espero bater esse recorde pessoal e juntar objetivos coletivos. Isto é uma maratona, nem vai a meio, queremos atingir rapidamente os pontos necessários para a manutenção», vinca. Só depois «pensar em algo mais». Subida na mira?

Marcelo nas seleções jovens: é o número 16. Ao seu lado direito, na foto, Fábio Paim

«Assumir de boca é fácil. É uma realidade complicada, há equipas com orçamentos superiores, que definiram como objetivo a subida de divisão. Temos noção das nossas limitações, mas também dos nossos valores. Queremos tentar o melhor possível», esclarece.

O artilheiro-mor do CP «gostaria de acabar a época como melhor marcador» da prova. Embora «o trabalho para manter a posição» de líder da série C seja o principal. «Primeiro o objetivo coletivo, depois pensar no pessoal». E esse, tem o regresso às ligas profissionais como meta? Já lá esteve, por Naval e Feirense. «Não é fácil, até pelo meu enquadramento profissional nesta altura. Mas o sonho está cá. Terei sempre de considerar o equilíbrio financeiro e pessoal», atira.

Treinos ao fim da tarde. Jogos ao fim-de-semana. E trabalho diário ao despertar. Afinal, nem só da bola se faz o sustento. Além do futebol, Marcelo é técnico de desenho de construções metálicas. Trabalha com máquinas que fazem peças para o ramo automóvel. «Normalmente acordo por volta das 7h. Vou trabalhar das 8h às 17h e às 17h30 temos o treino», descreve.

«Sinto-me bem naquilo que faço, tanto em trabalho, como em termos futebolísticos. Mesmo quando aparecem dificuldades, é mais fácil ultrapassá-las», conclui.

Eis a vida de um goleador em Águeda: entre o clube maior do concelho e o trabalho na freguesia de Valongo do Vouga.

Os golos de Marcelo ao Ferreira de Aves (o 1-0 e o 3-0):

*Foto principal: Facebook RD Águeda