Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

Velhos são os trapos, senhores…

A fase regular do Campeonato de Portugal terminou no passado fim-de-semana e por pouco não teve uma surpresa para os lados de Gandra.

A pequena localidade do concelho de Paredes viu a equipa lutar até ao fim pela zona de subida, e por três pontos que não o conseguiu.

Na época de estreia da equipa portuense no terceiro escalão português houve um jogador que se destacou claramente pela positiva e pelos números, de golos, assistências, mas também os do Cartão de Cidadão.

Jorginho marcou na vitória por 2-0 sobre o S. Martinho, terminando como melhor marcador da Série B, com 14 golos, e tudo isto no auge dos seus 35 anos.

O rótulo de goleador no Aliados de Lordelo valeu ao avançado português a mudança para o Aliança na época passada. Os 32 golos na época de estreia aguçaram o apetite, os marcados esta época confirmaram o talento nato para o golo.

O interessante na história de Francisco Jorge, nome verdadeiro, é que tudo começou longe da baliza.

Bem longe.

O Quaresma virou Ronaldo à pala da teimosia do 'mister'

Francisco começou no Rebordosa, esteve «quatro ou cinco meses» nos sub-19 do Benfica mas optou por rumar ao Sp. Braga, sobretudo pela proximidade de casa.

Nas camadas jovens destacou-se sempre pela rapidez mas também pelo tamanho, que lhe valeram de resto a alcunha de ‘Jorginho’, nome que adotaria daí para a frente.

O trajeto na formação foi sempre feito como lateral direito, até que aos 26 anos tudo mudou na sua carreira.

No auge das capacidades, em teoria, Jorginho deu um passo em frente, literalmente.

«Sempre fui lateral, mas quando jogava no Aliados do Lordelo o mister José Augusto (que assumiu o banco à 7ª jornada, sucedendo a Rui Quinta) decidiu colocar-me a avançado, porque acreditava que tinha capacidade para tal: velocidade, bom no jogo aéreo, bom a cruzar…»

Em conversa com o Maisfutebol, o avançado recordou a mudança que lhe pareceu «estranha» na altura, mas correu bem.

«Até começar a jogar a extremo tínhamos só dois pontos e depois disso conseguimos subir de escalão (2007/08), sendo eu um dos melhores marcadores (12) e líder de assistências», lembrou.

Jorginho venceu os prémios de Melhor Jogador e Melhor Marcador na época passada (foto: arquivo pessoal)

Desde então foi ficando lá pela frente, como aquele avançado que à primeira vista não mete grande respeito, mas depois revela-se um matador.

Diz quem já o viu jogar que são 1,76 metros de pura classe. Nem a estatura pequena se revela um obstáculo difícil de ultrapassar para o avançado do Aliança.

«Mesmo perante centrais grandes consigo ganhar de cabeça. É preciso saber o posicionamento e a experiência ajuda muito. Costumam dizer que estou sempre no lugar certo à hora certa. Um cruzamento, um ressalto, parece que não está lá ninguém e pimba…Jorginho (risos)», referiu.

Um talento natural para o golo que o próprio disse sempre ter desconhecido.

«Nas peladas diziam-me que tinha muita frieza na finalização, que conseguia fazer golo sem tremer, mas pensei que fosse só na brincadeira. Afinal tinha qualquer coisa (risos). Dizem-me que deixei de ser o Quaresma para ser o Ronaldo, deixei de assistir para ser eu a marcar», sublinhou.

O jogador com o chefe da claque do Gandra no jogo em que subiu de divisão (foto: arquivo pessoal)

Em dois anos conquistou os cerca de 7 mil habitantes de Gandra, ao ponto de os responsáveis do clube, quase em segredo, terem estabelecido ao nosso jornal um preço fixo para a venda do jogador: 500 mil euros.

Andam com receio de perder o goleador provavelmente, ainda que o jogador já não revele muita vontade em dar o salto com esta idade.

De dia assiste de ‘cadeirinha’, à noite vira flecha no relvado

Aos 35 anos, Jorginho mantém quase intactas as capacidades futebolísticas que tinha enquanto jovem, mas recusa ver mais além do que o presente nesta idade.

O agora passa pelo Aliança de Gandra mas também pelas madeiras.

É que, ao contrário de muitos, o jogador tem de conciliar a paixão do futebol com um trabalho numa fábrica concelhia.

«Quero jogar enquanto for mais rápido do que os outros (risos). Tenho um trabalho das 9h00 às 18h30 a fabricar cadeiras de madeira, depois vou para os treinos. Há muito que não penso em dar o salto, porque também não posso largar assim as coisas», vincou.

Foi então com alguma angústia que lamentou o facto de o emblema de Gandra não ter conseguido um lugar na fase de subida.

«Trocava os golos todos pela zona de subida, foi por pouco. Agora temos de pensar na manutenção. Somos um clube ainda muito amador e falta-nos experiência, mas temos muita ambição e humildade. Somos uma família e acreditamos sempre que podemos ter mais», afirmou.

Fez de Gandra a sua casa e o palco para…o pedido de casamento

Já perto do final da conversa, Jorginho decidiu surpreender-nos com uma revelação, no mínimo, curiosa.

Quis o destino que, na época de estreia pelo Aliança, Jorginho voltasse a reencontrar o Rebordosa, primeiro clube da carreira, no último jogo da Ronda de Elite da AF Porto.

Um «dia perfeito» em que não só bisou, como garantiu a subida do clube ao Campeonato de Portugal e…pediu a namorada em casamento.

Coisa simples, disse, com uma certa timidez na voz.

O avançado surpreendeu a namorada no último jogo da época passada

«No final do jogo ficaram todos no campo a festejar e eu fui ao balneário buscar uma camisola em que tinha escrito uma frase e uma data e fui ter com a minha namorada», contou.

Tal como nas histórias de encantar, esta teve um final feliz para Jorginho, dentro e fora de campo.

Um goleador improvável diriam alguns, mas acima de tudo um exemplo de como o talento nem sempre se desvanece com a idade.

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