Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

«[Mourinho] explicava muito bem, dava relatórios das equipas. Já há 13 ou 14 anos fazia isso. Havia treinadores que diziam algo em 25 a 30 minutos, o Mourinho dizia em cinco (…).»

José Mourinho, Augusto Inácio, Cristiano Ronaldo, Ricardo Quaresma. Em comum, a língua de Camões. Para além disso, algo que os liga a… Hugo Luz, atual jogador do Armacenenses, clube algarvio da Série H do Campeonato de Portugal. Os primeiros dois, como treinadores. Os outros, entre os demais, foram colegas na seleção nacional sub-21.

Sim, é preciso puxar a fita (bem) atrás para revistar esta realidade. Parar em 2003. O ano, talvez, do maior, mas fugaz e súbito mediatismo da carreira do lateral-esquerdo. Três internacionalizações pelos sub-21 de Portugal e título de campeão nacional pelo FC Porto, na época de estreia de Mourinho nos «dragões». Um ano marcante, com um treinador que o ensinou.

«Dava bastante confiança aos jogadores. Tive a felicidade de treinar com grandes jogadores, contribuir para sucessos. E sorte de presenciar treinos com ele. Foi bom para mim», recorda.

Hugo Luz em ação pela equipa principal do FC Porto, no jogo contra o Varzim (Foto: DR)

Mas como é que, no final dos anos 90, um jovem, natural de Faro, chega ao Porto? «Através de um torneio de seleções do Algarve. Houve um olheiro que levou quatro rapazes. Entretanto, uma realidade diferente, as coisas correram bem. Foi difícil estar longe da família, mas consegui adaptar-me e passei bons momentos.»

Hugo Luz tinha 16 anos quando o mundo da bola lhe trocou as voltas. De sul para norte. Acabou a formação no FC Porto, foi campeão nos juniores e passou pelos bês. Degrau a degrau, a equipa principal. A 17 de maio de 2003, o primeiro de dois jogos que o consagrariam campeão. Adversário, Varzim. Vitória por 3-2. Antes, Mourinho e uma história que não esquece.

«Na terça-feira [antes do jogo] ele pegou em mim e disse: “Miúdo, logo és tu que vais à conferência de imprensa. Se te perguntarem se vais jogar a titular, dizes que sim e que estás confiante”. Surpreendi os jornalistas ao dizer que ia jogar, quando me perguntaram se achava que ia ser convocado (risos).»

Assim foi. Noventa minutos contra os poveiros. Mais 72’ no 1.º de Maio, contra o Sp. Braga. Antepenúltima e penúltima jornada, respetivamente. E consagração no final da época.

Equipa do FC Porto campeã de juniores em 2001, onde figurava Hugo Luz (cedido por Hugo Luz)

Foi a melhor despedida de um clube pelo qual não mais vestiu a camisola. Seguiu-se o Gil Vicente, ainda por empréstimo. Depois, o Estrela da Amadora, em definitivo. «O Mourinho disse que era melhor eu rodar, fui para o Gil Vicente. Tive um treinador, o Mário Reis, que me queria, mas não tive muitas oportunidades. No Estrela, não joguei como gostaria, mas subimos [à I Liga]. Entretanto acabei contrato com o Porto. Fiquei à espera de promessas que caíram em saco roto», confessa Hugo Luz. Voltaria ao norte, para jogar no Maia. «Prometeram mundos e fundos, andei sem receber e descemos de divisão», conta. Em 2006, decide «voltar a casa». Ao Algarve.

Aí, época e meia no Olhanense como rampa de lançamento para a Roménia. «Assentei ideias, correu bem e surgiu oportunidade de ir para o estrangeiro», resume.

Pouco mais de 4 mil quilómetros até Vaslui, no leste romeno. Quatro épocas e meia. E uma fase «muito boa».

«Fiz contrato em Lisboa e viajei com a roupa que tinha»

Janeiro de 2007 precipitou a mudança mais radical no percurso de Hugo Luz. «Um empresário romeno andava a ver os jogos. Eu e o Toy fomos treinar à Turquia. Na altura de assinar, os valores não eram iguais. Voltei a Portugal, fiz mais dois jogos contra Penafiel e Santa Clara e quando volto dos Açores, estava o pessoal em Lisboa para me receber. Fiz o contrato e viajei com a roupa que tinha», recorda. As malas, os pais enviaram.

Um país diferente. A realidade, idem. Na Roménia, Luz não jogou com portugueses, mas teve Joaquim Milheiro como preparador-físico (atualmente nos sub-19 de Portugal) e foi treinado por Augusto Inácio na última temporada. «Fui um apoio para ele, não conhecia a realidade», lembra. Apanhou, ainda, caras conhecidas do futebol luso. Gladstone, antigo central do Sporting, «era sempre colega de quarto nos estágios». Paíto, Wesley ou N’Doye cruzaram-se no mesmo balneário. Foi com este último, oriundo da Académica, que viajou para o leste europeu. Com destaque na imprensa local.

Apresentação de Hugo Luz no Vaslui, ao lado de N’Doye, ex-Académica (DR)

«Quando cheguei, era uma equipa do meio da tabela. Fizemos um quinto lugar e nos anos seguintes, dois terceiros e um segundo. Foi dos clubes que mais investiu». Contudo, e à semelhança do passado, «gostava de ter jogado mais». Fez 42 jogos em quatro anos e pico. Teve duas lesões, uma das quais deixou-lhe «pena» por não ter defrontado o Sporting na fase de grupos da Liga Europa, em 2011/12. Pelo meio, clima e língua como maiores barreiras.

Das «saudades de casa» ao regresso definitivo

Problemas financeiros ditaram a rescisão e o regresso à casa-mãe em 2012. Ao clube da terra. Onde deu os primeiros toques. Chegava ao Farense pela mão do técnico Bruno Ribeiro. Sobe à II Liga logo na primeira época. «Conseguimos subir com 14 mil pessoas no estádio», recorda. É convidado a ficar e faz mais duas temporadas. Ao fim desse período, uma direção diferente. Não renovou contrato. «Desde que fui para o Farense sempre tive ambição de voltar aos campeonatos profissionais e colocar o Farense na primeira liga. O clube, subindo [à II Liga] tinha de apostar no terceiro ano». Já sem Luz nas contas, em 2016 «acabaram por descer, com casos insólitos como os dois pontos com o Benfica B», aponta.

Hugo Luz em ação na Roménia, pelo Vaslui:

Tinha 33 anos e deixou de jogar. Um «rumo diferente à carreira» estava para vir. Não surgiram propostas para jogar perto de casa, como queria. Largou a redondinha e pegou nos livros.

«Optei por tirar o curso de treinador e ir para a universidade», afirma. O divórcio com os relvados não seria, contudo, duradouro. Continuou a jogar com amigos e voltou à competição em junho de 2016, um ano depois. «Quando tirei o curso de treinador, surgiu uma conversa com o José Borges, coordenador de curso, que fazia parte do Armacenenses. O treinador precisava de um lateral, no início de junho chegámos a acordo, explicaram-me o objetivo, que era a manutenção. Entretanto surgiu possibilidade de ir para o Farense, mas a palavra e o bom senso contam mais que o papel assinado», defende.

Hoje, ideia assente do treino à disciplina. O lateral veste as cores do clube de Armação de Pêra, é treinador dos infantis do Clube Desportivo Montenegro e conclui o primeiro ano da licenciatura em Desporto na Universidade do Algarve. Procura conhecimento «para abrir portas» ao futuro. Consciente de que, para lá das chuteiras, o mundo da bola não dá sustento bastante. Além da aposta no ensino superior, que sai cara. «Vou ter de arranjar alguma coisa, se calhar como trabalhador-estudante», assume.

Hugo Luz treina atualmente os infantis do Clube Desportivo Montenegro, em Faro

À semana, durante o dia, dedicação à universidade. Papel de treinador ao fim da tarde e treino no Armacenenses à noite. «O que acho diferente na parte do amadorismo é que há muitos que trabalham e às vezes faltam dois ou três. No profissional, somos 21, treinamos 21. Foi das situações estranhas que encontrei», compara. Ao domingo, é dia de jogo e de lutar pela manutenção, no ano de estreia do clube do concelho de Silves nos nacionais.  

Aos 34 anos, opção primeira em Armação de Pêra, Hugo vê… luz ao fundo do túnel. Para jogar mais alguns anos. «Surgindo oportunidade, não vai ser o último ano», afiança.

Campeão nacional. Seleções jovens. Subidas de divisão. Experiência no estrangeiro. Entre a ideia de quem «se calhar podia ter chegado mais longe», um homem «feliz» pela carreira que já teve e com ambição de continuar a pisar os relvados.

Enquanto se sentir «bem a jogar».