«Domingo à Tarde» é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

Há um nome incontornável na história da velha e da nova Naval.

Da queda e extinção da Naval 1.º de Maio, em 2017, ao nascimento da Associação Naval 1893, Fernando não ficou indiferente. Fernando Campagnolo. O brasileiro, que chegou a Portugal em 1999 para os figueirenses e ali ficou nas oito épocas que coincidiram com o auge dos verde e brancos na história do futebol português, continua a jogar. Aos 44 anos, a idade não é condição.

O defesa é um dos rostos do novo clube, que procura renascer após o fim desportivo de um outro que tinha mais de 100 anos de história.

«Recebi o convite da Naval para o novo clube. Foi uma história engraçada. Eu disse: “Ah, não vou ter pedalada para isso”. Mas iniciei a época e senti-me tão bem, útil. Se não sentisse isso, era o primeiro a dizer chega (risos). A Naval significa muito para mim», conta.

O Maisfutebol encontra Fernando do outro lado do telefone, horas antes de este realizar uma artroscopia a um joelho. O azar bateu-lhe à porta a 9 de dezembro último, no jogo ante o Lagares. A recuperação é de, pelo menos, três semanas. Mas a vontade continua, mesmo na idade avançada. «É usar a experiência», atira.

Da fita a prender o cabelo enquanto capitaneava a equipa em campo até este regresso, passaram dez anos. Fernando terminara a carreira em 2015, no Tocha, já após jogar no Beira-Mar e no Pampilhosa. Mas, em 2017, com 43 anos, não recusou o convite da casa de sempre em Portugal, dois anos após ter pendurado as chuteiras.

Nesse intervalo, treinou as camadas jovens do Ginásio Clube Figueirense e, no retorno como jogador à Naval, é também o treinador de dois escalões de formação do clube da Figueira da Foz.

Figueira, cidade que se tornou vida para Fernando. Ali constituiu família, com mulher portuguesa e já duas filhas. Licenciado em Educação Física, é professor, dá aulas na cidade e concilia-o com o amor pelo clube. «Vim em 1999 e nunca saí de Portugal, nem da Figueira da Foz. Tenho tudo na Figueira», nota.

«Fazer a Naval subir aos nacionais era uma alegria»

É este o sonho de fim de carreira para Fernando como jogador na Associação Naval 1893. Depois de ter sido campeã da 1.ª Divisão da AF Coimbra em 2017/2018, na época de estreia, a equipa lidera o principal escalão do distrito, a Divisão de Honra.

«Ficou acordado com a Naval que esta seria a última época. Não porque não me sinta bem. Mas treino os miúdos toda a semana, jogo com eles ao sábado e, ao domingo, jogo eu. E o tempo para a minha família é quase nenhum. Isso custa. A minha ideia era terminar este ano», atira, sem esconder o desejo.

Fernando é o treinador dos escalões de petizes e infantis da Associação Naval 1893

«Era feliz se conseguisse terminar esta época e fazer com que a Naval subisse ao campeonato nacional. Por mais que fique ligado ao clube, porque vou, a ideia seria essa como jogador», sublinha o capitão.

Perto do fim da primeira volta, os 30 pontos em 13 jornadas e a liderança alimentam o objetivo da equipa que agora trabalha no Campo de Treinos do Municipal José Bento Pessoa. Mas há cautela.

«Quando arrancámos a época, sabíamos das nossas limitações, do investimento. Não é compatível com cinco a seis equipas da divisão. Mas claro que os objetivos vão sendo redefinidos e ser primeiro já começa a criar expetativa nos jogadores e na direção. Mas ainda falta muito», aponta.

«Há mais pessoas a ver um jogo do que havia na primeira Liga»

Para lá do desempenho desportivo, há uma página a ser escrita por esta nova Naval. Fernando vê-a de perto. Sorri e sente-a. No meio da «nostalgia» do passado, o defesa não esquece e tenta retribuir.

«O clube deu-me muita coisa e, agora, é retribuir. Os jogadores na Naval não recebem, todos jogam por amor ao clube. O clube foi criado por pessoas que eram da Naval antiga. E essas pessoas estão a pôr a cidade de novo a apoiar o clube. Nota-se isso nos jogos. Há jogos em casa onde há mais pessoas a ver um jogo do que havia na Primeira e Segunda Liga. Isso dá alegria», conta.

E como é guiar uma equipa onde há jogadores com menos de metade da idade de Fernando? «Somos todos tratados por igual. Não sou diferente, apesar de ter um percurso melhor que a maioria. Lógico que há momentos em que a experiência faz a diferença em campo. Nessa parte, há um aval grande do treinador. Vêem-me como uma figura, para ajudar. Se calhar é esse o sucesso da equipa: as pessoas mais experientes ajudarem os mais novos», defende.

Da Taça feita em Alvalade à Liga, com Mourinho pelo meio

A primeira e grande passagem de Fernando pela Naval, entre 1999 e 2007, registou as páginas de maior glória da extinta Naval 1.º de Maio. O defesa destaca as glórias.

Fernando, o segundo na fila de cima (da dir. p/esq.) na vitória da Naval em Alvalade, para a Taça, em 2003

A 8 de março de 2003, tombava o Sporting no velhinho Alvalade, com um golo de Costé, nos «quartos» da Taça de Portugal. Fernando foi titular nessa página histórica. Nas meias-finais, cairia ante o FC Porto de Mourinho, nas Antas. Em 2005, a subida à Primeira Liga, antes de duas épocas na elite pelo clube. Momentos históricos.

«Quando eliminámos o Sporting, fomos à meia-final e calhou o FC Porto. Uma alegria. A subida para a Primeira Liga é o ponto alto do clube e o meu, ainda por cima já era capitão. No ano a seguir, reduziram as equipas de 18 para 16 e a Naval permaneceu. Foi uma festa na Figueira. Os meus companheiros atuais, na altura jogadores das camadas jovens, estão sempre a lembrar», recorda.

Depois de mais de 50 jogos na Liga e cerca de 200 na Segunda Liga, Fernando assistiu, longe do balneário, mas perto da vista, à queda e ascensão de cara lavada da «Velha Senhorinha» da Figueira. Voltou a ser um dos rostos dela. Do «sentimento de tristeza» com o fim do antigo clube ao renascer, mais de 30 jogos já feitos na distrital e uma certeza: «A Naval é a minha casa em Portugal».

Alguns momentos de Fernando na Naval:

Artigo original: 08/01/2019; 23h50