Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.


O Fátima esteve muito perto de regressar aos campeonatos profissionais de futebol esta temporada, ficando a um triunfo de conseguir discutir o playoff de subida à II Liga.

Um triunfo na última jornada garantia isso, uma goleada podia mesmo dar o primeiro lugar na fase de subida a Sul, mas nem uma coisa nem outra aconteceu em Fátima.

Um dia depois do Papa Francisco ter estado na cidade de Fátima, nem era preciso um milagre para o clube subir à II Liga, mas com o decorrer dos minutos de jogo percebeu-se que nem a fé ia ajudar ao objetivo.

Bruno Simão foi uma das figuras do Fátima esta temporada, na estreia no clube, realizando 27 jogos dos 36 totais.

Em entrevista ao Maisfutebol, o lateral define a época como «frustrante» por causa desse jogo.

«Foi frustrante porque trabalhámos um ano inteiro para subir e tivemos momentos muito bons e alguns menos bons e chegámos à ultima jornada com possibilidades de o conseguir, no mínimo chegar aos playoffs. Tivemos muito azar, falhámos logo um penálti por um jogador que nunca falhou nenhum. A época ficou manchada por não conseguirmos. Quando me chamaram, no início do ano, falaram disso e ficamos triste porque tivemos tudo nas nossas mãos. Por isso foi frustrante.»

O empate a uma bola com o Louletano no último jogo deitou tudo por terra e o lateral admite que foi em lágrimas que deixou o relvado nesse jogo.

Individualmente, Bruno Simão gostou da época que fez: «Foi mais uma boa época, não sei se a melhor. Faço um balanço positivo, fiz 75 por cento dos jogos, tive alguns de fora por lesão e castigo, mas dei o meu melhor, com o meu valor e experiência que era importante para o grupo. Ajudei o coletivo e só tenho de agradecer ao Fátima e ao grupo, de homens espetaculares que já me deixa saudade.»

A época abriu-lhe novas perspetivas, quer na II Liga quer no estrangeiro, mas ainda não tomou nenhuma decisão.

Aos 32 anos ainda não conseguiu estrear-se na I Liga portuguesa, uma «mágoa» que ainda tem e que espera anular.

«Tenho pena, é como mágoa que vejo que não cheguei à I Liga, mas estive em equipas muito boas lá fora, joguei competições europeias frente a boas equipas e grandes jogadores», contou.

O «maninho romeno» que foi do Sporting e o pesadelo Suárez

Ao contrário do irmão David, agora no CSKA Sófia, Bruno não conseguiu a afirmação na I Liga mal saiu muito novo para o mercado de leste.

Viajámos então pela carreira do lateral que ainda não teve reconhecimento cá dentro, mas que lá fora jogou nas competições europeias, esteve à beira do título na Roménia e tem como «noite agridoce» um jogo frente a Luis Suárez.

Apareceu na equipa principal do Belenenses em 2003/04, aos 19 anos, mas nunca chegou a jogar. Apesar disso reconhece a aprendizagem que teve em Belém.

«Fez-me crescer muito, lembro-me que era capitão, jogava na seleção no meu escalão e quando me chamaram aos seniores notei uma dificuldade enorme, era uma diferença gigante. Nos primeiros treinos ia triste para casa porque achava sempre que no dia seguinte o mister já não me ia querer, porque eu dominava a bola e o segundo toque, já nada saía direito. Era uma velocidade de execução muito rápida e notava-se. Só quem tem qualidade é que consegue estar numa I Liga.»

Saiu para o Benfica B à procura de minutos, mas viveu tempos complicados de águia ao peito, conta.

«Na minha altura cheguei a treinar no pelado, nos Pupilos do Exército. Como equipa B, já sénior, joguei no Benfica no pelado. É impensável, agora há tudo para os meninos e ainda bem, fico feliz por ver os jovens com estas condições. Defendo isto desde sempre, o Benfica sempre teve uma grande escola, na minha altura, antes de mim e depois de mim, mas nem sempre foi aproveitado e não havia estas condições, estes observadores e estes treinadores.»

Destacou-se esta época no Fátima e está perto de regressar à II Liga

A questão impunha-se: ‘Com as condições existentes hoje o Bruno tinha outra carreira?’

«Sem dúvida, tenho a certeza. As condições não têm nada a ver, o acompanhamento que é dado. Agora não falha nada, é tudo ao pormenor.»

Seguiu-se uma experiência de II Liga no Barreirense e uma curta passagem no ano seguinte pelo At. Povoense, antes de rumar à Roménia para representar o UTA Arad.

«As oportunidades eram poucas e apareceu uma possibilidade de I Liga fora, com bons valores para um jovem. Aqui não tive as oportunidades e fui obrigado a procurar soluções, foram-me apresentadas no estrangeiro e não recusei. Era uma I Liga, aqui em Portugal não conseguia. Tinha jogado na II no Barreirense, depois não tive mais nada.»

Arriscou e a aposta foi ganha, num futebol que o impressionou desde logo: «Na Roménia foi onde me adaptei melhor, gostei do futebol e gosto da paixão que eles têm pelo desporto e que aqui só existe nos «grandes», Sp. Braga e V. Guimarães. Joguei no UTA Arad e o estádio de 12 mil pessoas estava sempre cheio.»

E esta paixão dos adeptos cativou-o a ficar na Roménia e a acarinhar aquele país: «No Campeonato de Portugal há equipas que levam mais gente que equipas de I Liga. É mau para o jogador porque gosta de espetáculo, de brilhar para o público, de entrar para aquecer e ter essa motivação. Não há aqui, procura-se isso no estrangeiro, também pela parte económica, mas é muito bom ver um estádio cheio.»

Depois de ano e meio deu o salto para o gigante romeno do Dínamo de Bucareste, no qual lutou até à penúltima jornada pelo título.

«Nunca mais vou esquecer o Dínamo pela sua grandeza, ficou-me marcado. Guardo o carinho de todos os clubes, mas há um ou outro que se destaca. O Dínamo tem uma dimensão gigante, lutámos até ao fim pelo título, para mim foi muito bom, muito positivo na minha carreira. Já tinha tido proposta antes, deles e do Rapid, e dos «grandes» só não tive do Steaua.»

No Dínamo jogou com alguns nomes de relevo do futebol romeno e com Júlio César, antigo defesa de Benfica e Real Madrid. De todos destaca um: «Joguei com muitos bons jogadores, com um dos grandes romenos que foi o Marius Nicolae, que é o meu maninho romeno, é 10 estrelas, clubismos à parte, porque ele é do Sporting e eu do Benfica. Uma educação enorme, qualidade futebolística muito grande, infelizmente as lesões não deixaram que fizesse mais.»

Depois do Dínamo rumou ao Slovan Bratislava, na Eslováquia, clube pelo qual jogou na Liga dos Campeões e Liga Europa. Venceram o Mostar (Bósnia) na 2ª pré-eliminatória da Champions e caíram aos pés do Olympiakos. Seguiram para a Liga Europa e no playoff enfrentaram o Ajax…de Luís Suárez.

«Digo isto agora na brincadeira, quando fomos a Amesterdão jogar contra o Ajax, do Suárez,  perdemos 5-0 e ele fez quatro golos. Eu deliciava-me, só o privilégio de o ver jogar, já me chegava. Suárez é de uma classe, não vale a pena tecer muitos comentários, é um gigante, é quase impossível de o parar. No fim troquei camisola com o nigeriano Thimothée Atouba, o lateral esquerdo.»

E brincou: «Às vezes digo nos balneários, aqui nestas equipas do Campeonato de Portugal, vocês sabem lá o que é jogar com 30 mil pessoas (risos).»

Regressou depois à Roménia, ao Astra Giurgiu, e passou ainda pelo Azerbaijão (Khazar), Moldávia (Milsami Orhei) e Chipre (DOXA).

Será que a oportunidade de voltar a Portugal, para a I Liga, surgiu nestes anos de «emigrante»?

«Honestamente não me preocupava em vir na altura, porque as coisas estavam a correr bem, sobretudo na Roménia e Eslováquia. Foram países que adorei e que iria novamente sem olhar para trás, principalmente a Roménia.»

Em 2014 regressou a Portugal para representar a União de Leiria, no Campeonato de Portugal, e meio ano chegou para a Oliveirense o contratar.

«Fiz um ano muito bom, em Portugal foi o melhor que tive, estava realmente a um nível muito bom, fui um dos melhores da II liga, muitas vezes o melhor em campo e por terceiros acabei por não ir na época seguinte para a I Liga. Tinha duas propostas de um clube que já estava lá e outro que acabaria por subir. Não quero lavar roupa suja, mas não fui para a I Liga por terceiros, tive que ver as coisas irem por terra abaixo por pessoas que não merecem e que interferiram.»

Bruno Simão não quis alongar o assunto e reiterou que ainda tem essa esperança de chegar à I Liga porque acredita nas suas capacidades. Mas, deixa uma nota.

«A partir dos 29/30 anos, com muita pena minha, sabemos que os dirigentes já olham com outros olhos, já não olham para a qualidade. Falo pelo que conheço, jogadores com 31, 32, 33 ou mais anos que conseguem dar mais a equipas que os jovens. Eu tenho ainda uma grande disponibilidade física e sei que estou em perfeitas condições de fazer uma I Liga ou II Liga. Os clubes apostam em jovens para depois venderem, mas quando não é assim custa-me a acreditar. Quando não é assim não compreendo.»

O lateral quer ver o futuro definido nas próximas semanas e quanto a pendurar a carreira, garante, que não vai ser expulso do futebol: «Sairei quando sentir que não tenho condições».

«O sonho dos sonhos» e as lágrimas com a camisola das Quinas

Numa carreira já longa e viajada, Bruno Simão tem alguns sonhos que ainda não cumpriu, mas um que já ninguém lhe tira: chegar à seleção nacional.

O lateral foi internacional dos sub-16 aos sub-20 e integrou a equipa de sub-17 que participou no Europeu de 2002.

«Fiz o último jogo com a Ucrânia nessa prova [Portugal ficou pelos grupos]. Foi um orgulho vestir a camisola da seleção, chorei a primeira vez que ouvi o hino, é o expoente máximo seja em que escalão for. Foi muito bom e gratificante, recordo muitas vezes porque são bons de recordar.»

Esse sonho cumpriu-o, o da I Liga ainda quer realizá-lo e o «sonho dos sonhos» será difícil, mas não impossível.

«Jogar com o meu irmão seria o sonho dos sonhos, nem que fosse só um jogo oficial. Esse era o meu sonho, partilhar balneário com ele, jogar na mesma equipa que ele, não havia títulos, nem seleção que valessem isso. Toda a gente gostava de jogar ao lado do ídolo e ele é o meu ídolo.»

Aqui David Simão na Académica e Bruno Simão ao serviço do Milsami Orhei

Bruno é mais velho cinco anos que David Simão e nem essa diferença impede o facto de o idolatrar. «O meu irmão é meu ídolo, será sempre. Nunca tive um nome grande em que me focasse, ele é o meu ídolo, o meu menino de ouro. Cresceu, amadureceu, é muito inteligente e tem uma qualidade muito grande.»

O mano mais velho recorda a forma como fez de David um miúdo ambicioso.

«Desde os tempos em que jogávamos à bola no nosso quintal, que se ele ganhasse eu dava-lhe gelados ou outra coisa, incuti o espírito vencedor nele. Ele tem uma qualidade enorme, tem muito para dar ainda.»

David está na Bulgária, mas o irmão diz que ainda vai dar que falar.

«Teve que ir para o estrangeiro porque em Portugal não tinha as melhores condições. A primeira época correu bem, acabou em grande, com um grande jogo com o Levski em que bisou, está muito bem visto. Ele é muito educado, as pessoas gostam dele e aquele pé esquerdo é notável. Espero vê-lo num grande palco, espero que continue a fazer uma boa carreira. Deve apostar na carreira lá fora.»

Mesmo separados por muitos quilómetros, nunca deixam de estar ligados: «Estamos em permanente contacto, temos uma ligação muito grande, não somos só irmãos, somos pai um do outro, somos melhores amigos e desejo-lhe toda a sorte do mundo.»

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